A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Tempo de Natal

É Natal mais uma vez. É tempo de sonhar com um mundo melhor, de agradecer. Tempo de união entre as famílias, de reflexão, de ajudarmos o próximo. Tempo de aprender a amar, a perdoar, a abraçar, a escutar. De lembrar da mensagem que Cristo nos deixou e que chama os homens ao amor: “amai-vos uns aos outros, assim como eu vos amei”.
Como escreveu Eduardo Galeano, escritor uruguaio, é preciso mirar os olhos para além da infâmia e sonhar com outro mundo possível. Onde ninguém viverá para trabalhar, mas todos trabalharão para viver. Onde a TV deixará de ser o núcleo mais importante da família, para ser igual a uma máquina qualquer. Onde os cozinheiros não acreditarão que as lagostas gostam de ser servidas vivas. Onde a comida não será um privilégio, mas um direito humano. Onde todos amarão e respeitarão a natureza da qual fazem parte. E onde a educação não será um privilégio de quem pode pagar por ela.
É também tempo de sonhar com um mundo onde todos saibam agradecer a Deus por tudo que Ele nos dá: pelo ar, pelo sol, pelas estrelas, pelo pão, pela paz, pelas crianças. Ou, como na prece de Emmanuel, agradecer pelos ouvidos, que ouvem o tamborilar da chuva no telhado, a melodia do vento nos ramos das árvores, a dor e as lágrimas que escorrem no rosto do mundo inteiro, a música do povo que desce do morro. Agradecer pelas mãos que criam, que semeiam, que agasalham. Mãos de caridade, de solidariedade, mãos que apertem mãos. Mãos de poesia, de cirurgias, de sinfonias, mãos que, numa noite fria, lavam louça numa pia.
      Tempo de orar pelas famílias, como na canção do Pe. Zezinho: “que marido e mulher tenham força de amar sem medida; que ninguém vá dormir sem pedir ou sem dar seu perdão; que as crianças aprendam no colo o sentido da vida.” Que exista entre os casais uma nova forma de amar, ou seja, a aproximação de dois inteiros e não a união de duas metades, pois o amor de duas pessoas inteiras é bem mais saudável. Que cada casal tenha sabedoria para envelhecerem juntos, sentindo-se abençoados pelos cabelos grisalhos e por terem os risos e as dores da juventude gravados em rugas na face.
      Tempo de refletir sobre o nosso papel aqui na Terra. Entender que podemos ser um oásis de paz no meio das guerras que muitas outras pessoas vivem. Que podemos ser, hoje, pessoas melhores do que fomos ontem. Entender também que cada um tem seu caminho, sua sorte e seu próprio meio de criar a sua história. E que ao longo desse caminho, Jesus nos empreste as suas sandálias, para caminharmos de encontro a Ele; o seu cálice, para quando estivermos sedentos de um mundo melhor e de uma sociedade mais justa; a sua túnica, para que a possamos repartir e dividir com o próximo; o seu perdão, para que, pecado após pecado, possamos sempre voltar ao Pai.
E, quando estivermos perdidos na nossa caminhada, que possamos nos lembrar da poesia de Fernando Pessoa: “se achar que precisa voltar, volte. Se perceber que precisa seguir, siga. Se estiver tudo errado, comece novamente. Se estiver tudo certo, continue. Se sentir saudades, mate-a. Se perder um amor, não se perca. Se o achar, segure-o. Circunda-se de rosas, ama, bebe e cala. O mais é nada.”
Enfim, é tempo de Natal. Como escreveu Vinícius de Morais, um tempo de falar baixo, pisar leve, ver a noite dormir em silêncio; não há muito o que dizer, talvez um verso de amor ou uma prece.
 Feliz aniversário, Menino Jesus! Feliz Natal para todos!

sábado, 10 de dezembro de 2011

Roma eterna

Escultura Pietá, de Michelangelo, na Basílica de São Pedro


Papa Bento XVI falando para a multidão

Eu na Praça São Pedro, com vista da basílica ao fundo

      Na viagem à Europa, visitamos várias cidades. Cada local com seus encantos e tudo dividido em antes de Cristo e depois de Cristo.
Passamos pelas terras onde, dizem, aconteceu o romance entre Romeu e Julieta, as aventuras do Dom Quixote de la Mancha, a história do galo de Barcelos. Em Lisboa, a Torre de Belém, o bacalhau delicioso e o fado (um pouco enfadonho). Túmulos de pessoas famosas, como do Vasco da Gama e do Camões (um pouco fúnebre). Em Fátima, a emoção de  acender velas para Nossa Senhora. Em Madri, a Praça dos Touros, os palácios, muita gente nas ruas, a dança flamenca. Toledo, a cidade medieval, com muitas histórias, muralhas e pontes. Em Barcelona, o inacreditável templo da Sagrada Família, do arquiteto Gaudi, iniciado em 1882; o famoso presunto “jamón de bellota”, caríssimo, do porquinho de patas negras, criado comendo castanhas. Em Mônaco, as casas nas encostas, o mar muito azul, a troca de guardas na frente do palácio. Em Veneza, o encanto dos pequenos canais, das centenas de lojas, do passeio de gôndola e dos pombinhos na praça San Marco. Em Florença, esculturas fantásticas em mármore, como a do herói bíblico Davi, de Michelangelo, com 5m de altura.
          Por fim, depois de muitas fotos e de muito abrir, fechar e carregar malas, entrar e sair de hotéis, confusões com trocas de quartos, dramas para pegar metrô e medo dos larápios surrupiarem nossas bolsas, chegamos a Roma, a cidade eterna.
      A visita começou no ônibus da excursão, com a guia italiana explicando em espanhol. Do alto de uma colina, avistamos Roma. Lá estava a estátua da loba amamentando Rômulo e Remo, representando a origem da cidade, no século VIII a.C. Passamos por várias ruínas do tempo dos césares e do império romano: a muralha Aureliana; a pirâmide revestida com mármore branco; as Termas de Caracalla, onde se banhavam até 2000 pessoas; a Via Apia, por onde passavam os imperadores depois de uma vitória; o circo Massimo, onde aconteciam corridas de biga; o Arco Triunfal de Constantino, copiado por Napoleão em Paris; o Palácio dos Imperadores; as ruínas dos aquedutos; o grandioso Coliseu, o maior monumento da antiga Roma, com 80 arcos em mármore; as colunas do templo de Vênus; o lindo Monumento Vitoriano na praça Venezia; o templo de Hércules, igrejas e mais igrejas. Caminhando pelas ruas de Roma, conhecemos a linda Fontana de Trevi, a praça Navona, com a fonte  do deus Netuno; o Pantheon, um templo redondo hoje transformado em igreja; o rio Tibre, com suas  pontes e esculturas; o bairro Trastevere, com seus restaurantes convidativos. Mas o deslumbrante mesmo foi o Vaticano: a imensa praça de São Pedro, circundada por 284 colunas e 140 estátuas de santos;  a Basílica de São Pedro, a mais majestosa igreja do mundo, com a escultura de Pietá, o túmulo de João Paulo II, o corpo embalsamado de João XXIII, o altar dourado, a cúpula com 136m de altura. O palácio e o museu. A emocionante capela Sistina, com pinturas com passagens da bíblia, como o Juízo Final, pintado por Michelangelo, com 375 personagens, todos nus (mas o papa Júlio II chamou outros dois pintores e mandou pintar um paninho nos órgãos genitais de todos eles).
Coroando tudo, no domingo, ao meio dia, o papa Bento XVI apareceu na sua janelinha para uma multidão na praça de São Pedro. Falou em várias línguas, ressaltando a caridade como o caminho da salvação, agradeceu a presença e abençoou a todos, inclusive a mim. Agora, posso morrer em paz.

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

Peripécias de uma viagem

A turma em Mônaco, na frente do palácio: Vicente, Maria Luzia, Lourdinha, a guia espanhola, Marta, eu, Zé e Fá.


Os personagens principais, em Lisboa: Vicente, Zé e Fá

            Recentemente fomos, um grupo de sete pessoas, conhecer algumas cidades de Portugal, Espanha e Itália. No grupo, o meu irmão Fá (apelido carinhoso), um homenzarrão de coração bondoso, na sua primeira viagem ao exterior, e o Vicente, compenetrado e bem vestido, irmão gêmeo do meu marido e que nunca andou de avião (foi corajoso, entrou direto em um Boeing 747, num voo de 12 h).
            As confusões começaram já no aeroporto de Uberlândia, no check- in. O Zé, meu marido, levou tudo na bagagem, menos o passaporte. Pensou que eu tinha levado para ele (claro, a culpa é sempre minha). O avião quase saindo, o resto da turma esperando em Guarulhos-SP, os euros de todos na sacolinha do Zé, o último voo para chegarmos a tempo. Nesse contexto dramático, o filho, que tinha nos levado ao aeroporto, voltou em casa comigo, a mil por hora, para procurarmos o passaporte. Rezei para todos os santos e encontrei-o no fundo de uma gavetinha. Fomos os últimos a embarcar no avião e o Zé escapou de um ataque cardíaco.
            Já em Guarulhos, o Fá chegou de um voo de Belo Horizonte e pegou a mala na esteira. No momento de despachá-la, a alça, que tinha uma fitinha verde, arrebentou e a mala caiu com tudo. Catou a mala e fez o check-in. Lá fomos nós para a escala em Frankfurt, o maior aeroporto da Europa. Depois da aterrissagem, entramos em um ônibus moderno que nos conduziria para perto do portão de embarque. Parece que o Vicente pensou que o ônibus era um corredor, pois entrou por uma porta e saiu pela outra. Com uma multidão de pessoas entrando e falando em todas as línguas, ninguém percebeu. De repente, a esposa viu-o parado na plataforma, segurando firme sua mochilinha. Ela gritou e o Vicente entrou pela porta da frente. Se ficasse ali, adeus Vicente.
            Enfim, chegamos ao hotel Marriot, em Lisboa. O abriu a mala para tomar um banho relaxante e soltou um palavrão. Não era a sua. Estava cheia de chinelinhos de crianças, shorts pequeninos, bonés, chapéus de praia e um saquinho de remédios. Entrou em desespero e fui ao quarto socorrê-lo. Concluímos que a mala que ele despachou em SP era mesmo aquela, pois estava com a alça quebrada, com a fitinha verde e com o seu nome. Ou seja, ele pegou a mala de outra pessoa na esteira, quando chegou de BH. Depois de vários telefonemas e muito drama, descobriu-se a dona da mala e também a mala do Fá, nos achados e perdidos da TAM. Desistimos de pedir o envio da mesma, compramos algumas roupas para ele e carregamos a “mala dos meninos”, como passou a ser chamada, durante toda a excursão.
            Nessa mesma noite da chegada, na salinha de informática do hotel, roubaram minha bolsa nova, com apenas a caixinha dos óculos dentro (lá os ladrões são sofisticados, fingem que são hóspedes e roubam bolsas, até nas mesas do café). Enquanto estava espantada, surgiu o Fá, mais espantado ainda. Contou que, passado o susto da mala, foi tomar banho. Apoiou-se na alça de metal da banheira para não escorregar, ela quebrou e ele levou o maior tombo. Fomos dormir correndo, antes que acontecessem mais tragédias. O Fá tomou um remedinho da mala dos meninos, para dor de cabeça, escovou os dentes com o dedo e dormiu.
            Bem, isso foi apenas o começo. O dia seguinte começou com a Lourdinha, amiga da minha cunhada, levando um tombo na escadaria do hotel, daquele tipo que só acontece em filmes.
Mesmo com muitas confusões, chegamos até Roma e realizei meu sonho, conheci a cidade eterna. No próximo texto, escreverei sobre ela.







segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Abelhas: um outro olhar

Abelha europa visitando flores de mataiba

Quem pensa em abelhas, geralmente se lembra das ferroadas e do mel. Como contado no livro “Insetos no folclore.” Apareceu no museu da USP uma senhora aflita e amedrontada, querendo fazer uma consulta sobre insetos. Disse que seu filho, já adulto, havia sido ferroado por um inseto e desejava saber se o inseto era perigoso ou não.O funcionário mostrou-lhe uma gaveta da coleção de abelhas, com vários exemplares de mamangavas. “Foi esse, foi esse”, disse alvoraçada, querendo saber se a ferroada era mortal. Recebeu a explicação de que era muito dolorosa e causava inchaço no local, mas se a vítima não fosse alérgica, não haveria perigo maior. Reconfortada e mais tranquila, explicou que o filho havia sido ferroado por uma mamangava e os colegas de trabalho garantiram que ele morreria depois de sete anos. E acrescentou: “É nesta semana que se completa o prazo...”
             Mas, além das ferroadas, as abelhas tem seu encantamento. Jataí, irapuá, mandaçaia, mamangava, uruçu, jandaíra, abelha europa, moça branca, etc: todas dignas de admiração e de respeito. Morfologicamente, apenas um pequeno inseto, a grande maioria com menos de um centímetro. Mas com coração, aorta, cérebro, gânglios nervosos, glândulas salivares. Com sofisticado sistema sensorial e neuromotor. Com olhos compostos que percebem tons que nem os olhos humanos conseguem, como o ultravioleta (uma flor azul é vista pelas abelhas em vários tons azulados e ultravioleta). Com antenas com função de tato, olfato, audição e gustação, extremamente eficientes (o zangão sente o cheiro de uma rainha virgem a 10 km de distância). Com papo de mel, onde carregam o néctar e com escopas ou corbículas para transportar o pólen. Uma perfeição.
            As abelhas também possuem um incrível sentido de orientação e sempre encontram o caminho de volta para o ninho. Algumas comunicam a fonte de alimento com dança e outras usam trilhas de cheiro até o alimento. Na reprodução, há comportamentos fascinantes. As solitárias cavam o solo, fazem túneis, aprovisionam as células, ovipositam e morrem antes das crias nascerem. Nas abelhas sociais, os zangões morrem depois da cópula (mas para eles é a glória), a rainha armazena espermatozóides viáveis por toda a sua vida (em torno de cinco anos, dependendo da espécie) e as operárias altruístas deixam de cuidar de seus próprios filhos para cuidarem dos filhos da rainha.
            Além disso, são arquitetas fantásticas. No ninho, usam cera, batume e cerume para construírem a entrada, o invólucro que mantém a temperatura constante, os potes de alimento, o depósito de detritos e a galeria de drenagem da água. Uma obra majestosa. As operárias, de acordo com a idade, são faxineiras, nutrizes, engenheiras, guardas, campeiras e morrem com cerca de 60 dias, com as mandíbulas e asas gastas de tanto trabalhar. Vivem em uma sociedade perfeita, bem mais perfeita que a humana.
            Isso tudo sem mencionar o importante papel das abelhas na polinização, na apicultura e meliponicultura. Onde houver flores, ai estarão também as abelhas. Numa  interação abelha-planta, que vem evoluindo ao longo de milhões de anos. Estudei essa maravilhosa interação na minha tese de doutorado, na esperança de contribuir para um melhor conhecimento sobre as abelhas. E quem sabe, ajudar a preservá-las, pois só se respeita e se preserva aquilo que se conhece. 

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Vacas e bezerros

       Ando preocupada com as vacas e seus bezerros, por causa de algumas coisas que ando vendo e ouvindo. Dia desses, fui à fazenda com o Zé, meu marido (minha mãe sempre dizia que mulher tem que acompanhar o marido). Mas eu não sabia que ele tinha comprado, em leilões, vários bezerros recém desmamados de suas mães, uns duzentos. Cada lote foi colocado em curral separado, em frente da casa da fazenda. Os bezerros eram da raça nelore, branquinhos, e se um disparava na frente, o bando todo ia atrás. Era até bonito de se ver. O problema é que os bezerros berravam dia e noite, bem alto, em coro, clamando pela mãe e por seu leite. Um berreiro de dar dó. À noite, a gente dormia (ou tentava) ouvindo aquele lamento grupal. Segundo o funcionário da fazenda (com total apoio do Zé), os bezerros deveriam ficar presos três dias, passando fome. Assim, quando fossem soltos no pasto, estariam tão esfomeados que só pensariam em pastar e não iriam fugir desatinados, pulando cercas e se afogando no rio, à procura do leitinho da mãe. Ou seja, era uma forma de proteger os bezerros. Achei essa técnica uma crueldade, uma forma de explorar os laços entre mãe e filho e pensei em chamar a Sociedade Protetora dos Animais. Voltei da fazenda com o coração partido e o Zé feliz da vida com seus lotes de bezerros.
            Agora, esta semana, o Zé estava explicando pra mim tudo sobre pastagem e como estava fazendo com o gado durante a seca, para ele, o gado, não passar fome (sei que um casal precisa dialogar, mas nem tanto). Se é que consegui entender, o gado de uma fazenda estava sendo salvo pela tiririca, que brota justo quando o capim braquiaria está seco e os outros tipos de capim (quais mesmo?) ainda não nasceram. O gado gosta da tiririca quando está nova e macia. Acontece que na outra fazenda não tinha tiririca (será porquê?) e os funcionários tinham que cortar um caminhão cheio de cana, todo dia, para alimentar o gado. Mesmo assim, morreram de fome e fraqueza vários bezerrinhos que foram retirados da mãe muito cedo e vendidos nos leilões (e o Zé, malvado, comprou os bezerros). Como foram desprovidos do leite materno precocemente, não suportaram a seca. Novamente, fiquei triste pelos bezerros e agora estou sempre do lado das vacas, sofrendo com elas e torcendo por elas.
            Por tudo isso, gostei de uma questão da última prova do ENEM. Nela existe o texto: “De acordo com o relatório “A grande sombra da pecuária”, feito pela Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação, o gado é responsável por cerca de 18% do aquecimento global, uma contribuição maior que o setor de transportes.” O aluno deveria  assinalar a letra A, de forma a completar a seguinte frase: “A criação de gado em larga escala contribui para o aquecimento global por meio da emissão de metano durante o processo de digestão”. Trocando em miúdos, quando bois, vacas e bezerros soltam “puns” e arrotos, o gás metano que liberam na atmosfera contribui mais para o aquecimento global que os gases liberados por veículos. Isso já foi comprovado e não há como inocentar as vacas e seus bezerrinhos. Mas nessa questão da prova tem um desenho em quadrinhos de duas vaquinhas simpáticas conversando. Uma diz : “Colocaram a culpa do aquecimento global nas vacas”. A outra então pergunta: “E o que faremos?’. A primeira vaquinha pensa e responde: “Culparemos as galinhas”. Como agora defendo as vacas, estou com elas, a culpa é das galinhas.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O avô misterioso

    
         Meus antecedentes, do lado de minha mãe, são índios (segundo ela). Do lado do meu pai, o avô Antônio era português e a avó Anna, suiça. Como todo brasileiro neto de portugueses, posso solicitar a nacionalidade portuguesa por naturalização, que é transmitida aos filhos menores de dezoito anos. Juntamente com um irmão, que também tem descendente menor de 18 anos, resolvemos tentar.
Não por nossa causa (porque bom mesmo é o Brasil), mas pelos filhos menores, pois um passaporte europeu pode abrir muitas portas. Ainda mais em tempos de aquecimento global. Milhares de pessoas (e entre elas, talvez os nossos filhos) provavelmente vão querer imigrar para países mais frios. Tudo indica que em futuro próximo, será impossível viver perto da linha do Equador, devido ás altíssimas temperaturas.
O problema é que o documento básico para obter a nacionalidade é a certidão de nascimento do avô Antônio. Começa então um trabalho de detetive, pois os descendentes não sabem muita coisa do avô português. Milagrosamente, aparece a certidão de óbito do avô, entre uns velhos pertences do meu falecido pai. Nela está escrito que Antônio é natural de Portugal e faleceu aos 52 anos, em abril de 1895. Portanto, nasceu em 1842 ou 1843. Mas, onde? Na certidão de óbito não existe este dado. Conversa vai, conversa vem, alguém lembra que foi em Trás-dos-Montes. Fica mais  fácil, pois bastaria então procurar a certidão de nascimento nessa região. Mas, quem? Como? O meu filho, que está cuidando do caso, descobre uma especialista em procurar certidões de nascimento em Portugal (hoje em dia, existe de tudo). Ela, por sua vez, descobre que Trás-dos-Montes é uma região com quatro províncias: Vila Real, Bragança, Viseu e Guarda. E que cada uma tem milhares de certidões de nascimento arquivadas. Impossível uma busca sem saber o lugar exato e o ano de nascimento, levaria meses e meses.
O sonho da cidadania portuguesa quase vai por água abaixo. Mas o irmão insiste (está preocupado com o futuro da filha pequena) e encontra uma luz: todos os imigrantes japoneses, italianos, portugueses, etc, que chegaram ao Brasil de navio, nos últimos 200 anos, estão registrados no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, inclusive com o número de passaporte de cada um. A busca pode ser pelo nome ou pela data de chegada do navio. O filho detetive fica horas no arquivo, lendo microfilmes, entre os milhares existentes. Nenhum Antônio de Souza Coelho. Procura então pela data de chegada do navio, com todos os tripulantes. Ele sabia, após a investigação, que o avô Antônio (bisavô dele), havia chegado ao Brasil e morrido de febre amarela alguns anos depois, deixando três filhos pequenos (o do meio futuramente seria o meu pai). Como o avô Antônio morreu em 1895, então chegou ao Brasil alguns anos antes. O filho fez uma busca abrangente, dentro de um intervalo de vários anos, e nada.
 Céus, o que aconteceu com o avô Antônio? Será que veio de Portugal sem passaporte, ou com um nome falso? Clandestino, escondido no porão? Ou não veio de navio? Ou então, será que era português mesmo?
 Meu pai contava muitas estórias, mas como ando confundindo tudo, não sei mais de nada. Mas que o meu avô era o avô Antônio, isso era (lembro-me do único retrato dele, sério e bigodudo, em um quadro grande na parede, junto com a avó Anna, em um vestido de renda).
Além de não conseguir a cidadania européia, agora nem sei se tive mesmo um avô português e ando com a minha identidade abalada..

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Um vestido de seda

A moda em 1895-1920: vestidos longos, cintura fina, mangas bufantes

                                              
                Tenho um livro que é uma verdadeira obra de arte, descoberto no fundo de uma livraria americana. Chama-se “Fashion design”, com 240 páginas, publicado em 1999. São desenhos da moda dos anos 1895 a 1920.
Centenas de ilustrações em preto e branco de mulheres elegantes, de rosto angelical, cabelos curtos anelados, trajando vestidos de uma beleza indescritível. Alguns com saia ampla e rodada, mangas enormes e bufantes, cintura bem fininha. Outros de seda, com um caimento macio, com muitas franjas, rendas e laços. Tecidos bordados, listrados, de bolinha, estampados. Muitas pregas, nervuras, plissados, babados, tecidos sobrepostos. Só vestidos longos (minissaias, naquela época, nem pensar). Como acessórios, luvas, leques, sombrinhas finas, bolsinhas bordadas. Chapéus enormes, pequeninos, com penas, laços de veludo, flores de organza, véu cobrindo o rosto, babadinhos de renda. Um luxo só. Desenhos primorosos de espartilhos, aqueles coletes de tortura usados debaixo dos vestidos, cheios de cordinhas que apertavam as cinturas das mulheres até asfixiar. Camisolas, robes, sombrinhas, luvas e golas de todo tipo. Na parte dedicada aos homens, senhores pomposos, de bigodinho, com ternos quadriculados, casacos compridos com muitos botões, bengalinhas finas, sapatos de duas cores, camisa com nervuras, suspensórios, camisas listradas, pijamas tipo camisão longo, chapéus e cartolas.
            Enfim, um livro gostoso de folhear para ver coisas bonitas e de pensar na evolução da moda. Tudo teve início quando o homem começou a usar roupa, há cerca de 100 mil anos antes de Cristo. Conforme artigo publicado na Current Biology, “Molecular evolution of Pediculus humanus and the origin of clothing”, os cientistas chegaram a essa data da pré-história da moda analisando e comparando os genes dos piolhos que convivem com o homem: o Pediculus humanus capitis, que vive exclusivamente na nossa cabeça e o Pediculus humanus corporis, que vive nas nossas roupas. Eles imaginaram que, se descobrissem quando o último apareceu, esse momento deveria corresponder à época em que o homem passou a se cobrir de roupas. 
            Outro fato interessante ligado à moda é a indústria de tecidos, especialmente da seda. Ela é produzida pela lagarta da mariposa Bombix mori, o bicho da seda. A criação desse inseto teve origem na China, por volta de 2.700 anos antes de Cristo. Hoje, essa mariposa não existe na natureza, foi totalmente domesticada pelo homem. As larvas alimentam-se de folhas da amoreira e quando alcançam o quinto estágio larval, começam a secretar o casulo. O fio é produzido na cabeça, nas fieiras. A lagarta se transforma em crisálida, protegida dentro do casulo, de onde sairia a mariposa. Mas, na indústria da seda, as crisálidas são mortas com água quente e o casulo é desenrolado para produção da seda. São feitas as meadas, ocorre o processo de tintura e lindos tecidos são feitos nos teares (visitei várias vezes, com alunos, a fábrica Minasilk em Patrocínio). Agora, li que a bióloga e designer alemã Anke Domaske acabou de apresentar uma coleção de roupas feitas com tecido de leite. O fio foi criado a partir da manipulação físico-quimica da proteína resultante do leite azedo e o tecido tem a textura da seda, pode isso?
Deu vontade de usar um vestido de seda de leite bem lindo, com muita renda. Mas, lógico, sem usar espartilho.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Aventuras e desventuras de avó

Os netos Pedro e Vítor


                Dizem que o bom de ser avó é que a avó curte os netos, depois entrega para os pais e vai para o cinema. Acrescento que, para curtir, é preciso ter fôlego e saber contornar situações complicadíssimas.
            Por exemplo, levei os dois netos, de quatro e cinco anos e um amiguinho, de sete, ao clube. Lá chegando, fomos jogar futebol na areia. Um irmão no gol, outro chutando, o amigo na cadeirinha alta, como juiz, e eu “dando idéias”. O irmão maior chuta, faz o gol. O menor não aceita e parte para o ataque. Os dois se engalfinham na areia, tufos de cabelos arrancados, areia nos olhos. Para separar a briga, mando o menor, teimoso e brigão, ser o juiz. Antes de começarmos o jogo, ele dá cartão vermelho pra todos. Rebeldia geral, ninguém aceita. Ele então passa pra cartão azul. Reclamamos que não existe cartão azul, mas o juiz não abre mão. O jogo termina antes de começar e vamos para a quadra de cimento. Lá, ninguém quer ficar no meu time. O neto mais velho, sensato e equilibrado, fala com sinceridade: “Vovó, ninguém que ficar do seu lado porque você é muito ruim no futebol” (que desaforo, eu no maior esforço!). Depois, muito bonzinho, fica no meu time, mas todo folgadão no gol. E eu correndo atrás da bola com o amiguinho magrelo que corre como condenado. Considerando-se o tamanho dos meus joanetes (poderia ir para o Livro dos Recordes), e os dedos do pé encavalados, até que sou uma avó ágil. O magrelo agarra a bola com as mãos, coloca perto do gol e chuta. O neto esbraveja, assim não vale. O amiguinho emburra, abraça a bola e sai do campo. O goleiro que reclamou vai atrás, senta-se com ele e dialogam. Voltam em paz e o neto fala: “os dois estavam errados”. Desisto.
            Fomos chupar picolé, para refrescar o corpo e a mente. Aí, um menininho aproxima-se do neto mais novo, que estava sentando numa cadeira lambendo o picolé de morango. Ele olha pro menininho e dispara, sem dó nem piedade: “Orelhudo”. A mãe fica brava e puxa o filho pra outro lado. Fico envergonhada, peço desculpas e vamos embora (mas ele era orelhudo mesmo, orelhas enormes, em cabana).
            Até mesmo um simples bate papo pode ser complicado. Outro dia, o neto de cinco anos falou: “Vovó, eu conheço um menino do meu tamanho que é gay”. E eu, surpresa: “Você não pode falar assim do menino”. E ele: “Mas foi ele quem contou. Ele gosta de brincar de boneca e de passar batom”. Pergunto: “Batom vermelho?” E o neto: “Vermelho, cor de rosa, de qualquer cor”. Falo então que ele nem sabe o que é gay e ele responde: “Sei sim, é homem que quer ser mulher”. O neto mais novo entra na conversa : “E tem mulher gay também. É mulher que quer ser homem”. A priminha deles, de quatro anos, prestando atenção no papo (os dois primos são os ídolos dela): “Então sou gay. Quero ser homem.” Fiquei muda e calada. Falar o que?
            Tem também os momentos de boas risadas (minhas). Li para eles, na revistinha da Mônica, a estória do Anjinho intitulada: “Quer dormir? Conte comigo”. A Mônica tinha assistido a um filme de terror sobre repolhos assassinos e não conseguia dormir. O Cascão queria dormir ao som de uma música “manera”. A Magali não dormia porque a barriga roncava de fome. E o Anjinho, coitado, tentando ajudar. Passei mal de tanto rir. Os netos me olhavam espantados e incrédulos, com um sorriso amarelo, sem achar tanta graça assim e provavelmente pensando: “A vovó é louca”. Não sou, mas às vezes, ser avó é uma loucura.



segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Zé e suas experiências de vida

Zé dançando feliz, no casamento do filho, junto com a escola de samba
             Meu marido, o Zé, gosta muito de dinheiro (como diz ele, quem não gosta?). Na década de sessenta, resolveu comprar um sítio para o lazer da família. Mas entendeu que também deveria, é claro, tirar algum lucro da nova propriedade. Fez alguns cálculos e concluiu que um bom investimento seria criar galinhas caipiras para vender. Cada galinha, por ano, daria uns 20 descedentes; 200 galinhas dariam, vivos, uns 3000 galináceos. Como o preço da galinha caipira era muito bom naquela época, era lucro na certa. A partir daí, começou a povoar o sítio, comprando galinhas sem parar. As galinhas eram compradas de vendedores de bicicleta, dependuradas em um pau, colocadas de cabeça pra baixo e de bico aberto, em posição de desespero total. No início, uma maravilha: galinhas ciscando pra todo, galos cantando, lindos pintinhos piando. Muitos ovos, muitas galinhas chocando, muitos compradores para os frangos. Era só esperar o lucro. Mas começou a faltar comida natural (minhocas, bichinhos, etc) e a ração ficou muito cara, o milho também. Apareceram pássaros que bicavam e destruíam os ovos. Pintinhos nasciam aos montes, mas também morriam aos montes: com a “doença do caroço”, pisoteados pelas galinhas, afogados nas enxurradas, mortos de frio durante a noite. Uma mortandade de fazer dó. Os poucos frangos que sobravam não tinham mais tantos compradores. Por fim, acabaram-se as galinhas e os compradores. Restou para o Zé uma lição, que sempre passa para os filhos, pedindo para que eles, em qualquer investimento, se lembrem da conta das galinhas, pois nem tudo é o que parece ser.
            Outra coisa que o Zé gosta muito é de futebol. Assiste direto na TV e durante muitos tempo, jogou “racha” com uma mesma turma, no Clube Cajubá. Usou para jogar, por muitos anos, o mesmo tênis preto de lona. Um belo dia o tênis rasgou e o Zé só viu na hora do jogo, quando foi calçar o tênis. A última coisa que ele faria na vida seria deixar de ir ao “racha” simplesmente porque o tênis estragou. Não teve dúvidas: calçou o pé direito com o tênis preto que estava bom e o pé esquerdo com um tênis branco , que ressuscitou. E lá se foi, todo feliz, com um tênis de cada cor. No princípio, a turma do “racha” achou engraçado, depois se indignou: “assim não dá, você está confundindo todo mundo, a gente não sabe se você é um ou dois jogadores!” No próximo jogo, levaram um tênis de presente pra ele e o Zé saiu lucrando.
            Uma outra situação engraçada aconteceu quando fomos visitar o filho engenheiro que morava em Toronto, Canadá. O Zé estava mancando e com a perna inchada, conseguência de uma torção muscular. Nós dois fomos almoçar num shopping imenso, na praça de alimentação lotada. Esqueci de pegar guardanapos, levantei-me da mesa e fui buscar. Nisso, apareceu uma mulher pequenina, apanhou minha bolsa dependurada na cadeira e saiu rapidamente. O Zé ficou de pé, mas não conseguia correr atrás. Pensou em gritar “help” (uma das poucas palavras em inglês que sabia), mas ficou encabulado de gritar em pleno shopping. Além disso, não saberia explicar a situação, em inglês, para quem acudisse. Permaneceu parado, boquiaberto, pensando em como foi sair do Brasil para ser assaltado no primeiro mundo, por uma mulher. Voltei tranqüila, com os guardanapos, sem saber de nada. A mulher veio correndo atrás de mim e me entregou a bolsa. Ela pensou que eu a tinha esquecido. Quando olhei para a cara do Zé e entendi a situação, tive um “ataque de risada”. Mineiros no exterior é assim mesmo, um apuro atrás do outro.
            Tem também outra situação interessante, do telhado, mas essa o Zé não me deixa contar. Vou levá-la comigo para o túmulo.
 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Crianças com fome

Criança africana morrendo de fome

              As imagens da África mostrando crianças desnutridas e famintas sempre me chocam. Sei que não é preciso ir tão longe, temos muitas crianças passando fome no Brasil. Li, há tempos, uma crônica na Folha de São Paulo sobre crianças morrendo de fome no nordeste. Uma delas, nos últimos momentos, perguntou: “mãe, no céu tem pão?” Nunca me esqueci dessa frase.
            Mas a situação da África também me preocupa. Quando pequena, perguntavam-me o que eu seria quando crescesse e eu respondia: “missionária na África”. Inesperado para uma criança de cidade de interior, sem acesso a informações, sem TV e sem conhecer nada da situação mundial. Assim, na primeira oportunidade que tive, fui conhecer a África. Emocionei-me ao pisar no solo africano, ao atravessar a savana cheia de avestruzes, ao visitar Soweto, a maior cidade da África do Sul com população só de negros.
            Hoje, fico angustiada com as fotos que vejo. Em uma delas, bastante divulgada na internet e em jornais, há uma criança africana de sexo e idade indefinidos, ajoelhada e encurvada sobre o chão árido e seco. Sem roupas, braços longos e fininhos. É possível contar o número de costelas, pois ela está com a pele sobre os ossos. Enfeitando o pescoço, um colar de contas brancas (ela não tem nada, só o colar). Bem perto da criança, à espreita, um abutre espera pacientemente sua morte para se alimentar do corpinho frágil. A criança está morrendo de fome e o abutre simplesmente espera.
            Decerto ela nunca teve um prato de comida decente, um sapato, uma roupa. Com certeza, nunca tomou um sorvete, chupou um pirulito ou teve um brinquedo. E agora está morrendo, de fome. Fico pensando no fotógrafo que tirou a foto: será que ele retirou a criança de lá, ou deixou para o abutre? Ou será que Deus, em sua infinita misericórdia, carregou a criança em seus braços?
            Ver uma criança morrendo de fome é um dos fatos mais tristes da humanidade. E essa dor não é só minha, é de todos nós. Dor misturada com sentimento de impotência, por não sabermos como repartir o pão. Com sentimento de culpa, por termos tanto o que comer, quando outros não tem nada. Com sentimento de desespero, por sabermos que este não é um fato isolado. De acordo com dados da ONU, um em cada seis habitantes do planeta sofre de desnutrição grave e permanente. A cada cinco segundos, morre uma criança de fome no mundo, são mais de seis milhões por ano. Há 815 milhões de crianças subnutridas nos países em desenvolvimento.
            Os dados são alarmantes e é preciso lembrar que, na Terra, somos todos irmãos. A dor de um é a dor de todos. O chefe indígena Seattle, em 1854, já sabia disso. Em uma carta ao presidente dos Estados Unidos, que queria comprar suas terras, escreveu: “a terra não pertence ao homem, o homem é que pertence a terra. Todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma família. O que ocorre com a Terra, recairá sobre os filhos da Terra. O homem não tece a teia da vida, ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizermos ao tecido, fará o homem a si mesmo”.  Assim, cada um de nós morre um pouquinho junto com essas crianças.
            Por isso, admiro Angelina Jolie, que adotou três crianças e está fazendo a sua parte. Dentre milhões de crianças morrendo de fome, apenas três salvas não faria diferença. Mas para aquelas três que Angelina salvou, ela fez toda a diferença.
           

quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Vivendo e aprendendo

Olhando o artesanato em uma feirinha

          A vida é um verdadeiro laboratório de ensino. A gente vai vivendo, convivendo e aprendendo. Com experiências singulares em vários locais e com várias pessoas. Por exemplo, em um supermercado.
            Fazendo compras, encontro-me com uma conhecida que não via há tempos. Pergunto-lhe pelo marido, que sempre está doente: “E o Oscar, como vai?” Ela me olha começando pelos sapatos, depois a roupa, me encara e diz: “O Oscar? Morreu há um ano, não sabia?” Engulo seco (o pior é que eu sabia, mas me lembro perfeitamente de ter esquecido disso). Depois, encontro-me com outra conhecida. Dou-lhe um tapinha amigável nas costas e pergunto: “Você é a irmã da Neide, não é?” Pelo olhar estranho que ela me lança, descubro que não é. Mas responde gentilmente e fala que muitas pessoas a confundem com a irmã da Neide (será?). Aprendo que não se deve ficar perguntando pelas pessoas. E fico torcendo para não encontrar alguém que me pergunte: “Você está se lembrando de mim?” Tenho vontade de correr quando ouço essa pergunta. De acordo com Luiz Fernando Veríssimo, há três caminhos a seguir, nesse caso: 1) responder com um curto, sincero e grosso “não” ; 2) dissimular e dizer algo como: “desculpe, deve ser a velhice, mas...” e esperar que, mais cedo ou mais tarde, a pessoa se identifique; 3) responder ”claro que estou me lembrando de você”. Esse é o menos recomendado e o mais escolhido, e leva à ruína e à tragédia.
            Encontro outro conhecido na seção das frutas (desse eu me lembro perfeitamente, embora tenha esquecido o nome da esposa dele). Conta que somente ele vai ao supermercado porque a esposa (Eufrida, Esméria, Estela, algo assim), só gosta mesmo é de fazer tricô e bordar. Sei que, um dia, também vou ficar em frente á TV, bordando. Mas, por enquanto, vou adiando.
            Na seção dos doces, troco receitas com outras mulheres. Ensino a fazer ambrosia (doce de leite com ovos, uma delícia). Uma fala que o marido gosta mesmo é de pão de sal com doce de leite (cada um na sua). As conversas soltas também são ótimas: “gosto de cheirar as maçãs”; “gosto de ler as embalagens em espanhol, vou aprendendo”; “esta marca de óleo é boa, não tem colesterol”.
            O momento de ensacar as compras é o mais empolgante, pois aproveito para fazer meu discurso ecológico (não uso as sacolas plásticas). Explico para as moças do caixa “tudo” sobre as sacolas plásticas: os anos que levam para  se decomporem; que o mundo vai acabar em lixo; que há lugares onde multam os supermercados que usam sacolas plásticas; que o plástico e o isopor são engolidos por animais marinhos e matam milhares deles. Falo até do chinês Bao  Xishun, o homem mais alto do mundo, que com seu braço de 1,06 m salvou a vida de dois golfinhos, retirando pedaços de plástico de seus estômagos (li em uma reportagem). Algumas moças nem escutam, outras não entendem nada e algumas poucas dizem que vão tentar fazer a sua parte, mas que as pessoas adoram colocar as compras em muitas sacolas.
            Depois, o eterno drama do estacionamento. Todos os carros são de cor prata, inclusive o meu, e nunca o encontro. Além disso, nos estacionamentos, só indicam os locais com letras e números e sempre esqueço. Deveria ser algo mais marcante, como “Pindamoganhangaba” ou “Um Dois Três de Oliveira Quatro”.
            Enfim, além dos supermercados, existem inúmeros locais onde podemos ter experiências enriquecedoras. Tudo depende do olhar antropológico de cada um.

segunda-feira, 12 de setembro de 2011

Sete de Setembro

            
         No dia da Independência do Brasil, fui com os netos assistir ao desfile na Avenida Floriano Peixoto. Mas antes, curtimos todos os preparativos na Avenida Cesário Alvim: os policiais militares, a tropa de elite, as armas pesadas, os homens e caminhões do exército, as bandeiras, os escoteiros. Passamos no meio dos soldados camuflados, com o rosto pintado de verde e marrom. Conhecemos o Axel e o Blade, dois cães policiais enormes (o primeiro deixa a criançada fazer carinho, o outro  não). Vimos o prefeito Odelmo , num jipe do exército, fazer a revista à tropa, com todos imóveis, durinhos, em posição de sentido e respeito. Em seguida, o desfile começou com a banda tocando o Hino Nacional, esse nosso hino tão bonito, que fala da natureza e do amor á pátria e não fala de guerra. Policiais militares marchavam em compasso, enquanto a banda tocava o Hino da Independência. Alguns cantavam junto: “brava gente, brasileira, longe vá...temor servil, ou ficar a Pátria livre, ou morrer pelo Brasil.” Sentadas na beirada da calçada, crianças entusiasmadas sacodiam bandeirinhas do Brasil. No palanque, as autoridades assistiam ao desfile, sob um sol escaldante, batendo no rosto. A bandeira do Brasil carregada por um militar e o Hino da Bandeira: “em teu seio formoso retratas este céu de puríssimo anil; a verdura sem par destas matas e o esplendor do Cruzeiro do Sul.” O batalhão feminino, marchando com elegância e garbo, registrando 30 anos do ingresso das mulheres na polícia militar. O Corpo de Bombeiros, a Infantaria Motorizada, jipes e caminhões do exército, carros e motos da polícia. Mas faltaram escolas, apenas uma municipal desfilou. Fica a impressão que os educadores tem dificuldades em explicar aos alunos quais deveres temos como brasileiros, que país é esse e o que é amar a terra em que nascemos. A meu ver, falta ao povo brasileiro um pouco mais de paixão pela Pátria.
Mas ainda bem que, num distante 7 de setembro de 1822,  D. Pedro I, português, mostrou que se preocupava com o Brasil e de acordo com suas idéias liberais, gritou  às margens do Riacho Ipiranga a frase que passou para a história:  “Independência ou morte!” Foi quando, revoltado, resolveu romper definitivamente com a autoridade do pai, D. João VI (um caso de filho revoltado com o pai e que deu certo) e proclamou o fim dos laços coloniais do Brasil com Portugal. A cena está registrada em um famoso quadro de Pedro Américo, com D Pedro majestoso, em cima de um cavalo fogoso, cabelos penteados, espada em riste, uniforme elegante e impecável, cercado por inúmeros cavaleiros também garbosos e bem vestidos. Pessoalmente, acho que a cena não foi tão espetacular assim, deviam estar todos cansados e empoeirados (viajavam de Santos para São Paulo). Como escreveu Leandro Narloch em seu  “Guia politicamente incorreto da história do Brasil”: para fabricar um espírito nacional, é normal que se jogue um brilho a mais em certos episódios. Acrescenta que um bom jeito de amadurecer, ao interpretar a nossa história, é admitir que alguns heróis da nação eram simplesmente pessoas do seu tempo.
E agora nós, brasileiros do nosso tempo, precisamos pensar em uma forma de ajudar o Brasil, nossa Pátria amada, a se livrar da corrupção, que nos sufoca tanto quanto o domínio português. Como escrito nos cartazes carregados por pessoas que estavam no desfile, com cara pintada e nariz de palhaço: “sou contra a corrupção, e você?”

domingo, 28 de agosto de 2011

Casa arrumada

Netos lavando a casinha do quintal

Família reunida na sala de jantar, no aniversário do Zé

Carlos Drumond de Andrade escreveu : “casa arrumada é um lugar organizado, limpo, com espaço livre para circulação e uma boa entrada de luz. Mas casa tem que ser casa e não um centro cirúrgico ou um espaço de novela. Tem gente que gasta muito tempo limpando, esterelizando, afofando as almofadas. Não, eu prefiro viver num lugar onde bato os olhos e percebo logo: aqui tem vida. Sofá sem mancha? Tapete sem fio puxado? Mesa sem marca de copo? Tá na cara que é casa sem festa. Casa com vida tem que ter gavetas de entulho, ter a cara da gente e estar sempre aberta pros amigos, filhos, netos, vizinhos.”
Uma casa precisa mesmo ter vida. Ter marcas pra todo canto, ter histórias pra contar, ter aquele aconchego que chama pra ficar. Na minha casa, as portas e janelas estão sempre abertas, tem vasos e plantas por todo lado, enfeites em cima das mesas. Quadros de paisagens bucólicas, de flores, pássaros, borboletas enormes, fotos ampliadas, tudo sem muita estética. Porta retratos em quantidade, registrando as fases da vida da grande família: nascimentos, infância, casamentos, envelhecimento (meu e do Zé: charmosos no dia do casamento, enrugados nos dias atuais). Tem muita gaveta de entulho, com tudo misturado: vela de primeira comunhão, medalhas de natação, boletins escolares, cartões antigos de dia das mães. Sinteco arranhado, antes por causa das correrias e brincadeiras dos filhos, agora por causa das confusões dos netos. Mas como disse Drumond: “se o piso não tem arranhão, é porque nesta casa ninguém dança”. Na cozinha, a pia sempre repleta de louças pra lavar, que se multiplicam do nada. E a mesa, sempre pronta pra quem chegar. A biblioteca, testemunha de tantas madrugadas de estudos. O computador, onde de repente, some tudo, não sei pra onde. A sala de TV, a sala de visitas. No quintal, a casinha de plástico colorida, onde os netos brincam de tudo, menos de boneca. O jardim na frente da casa.  A “minha árvore” na calçada, uma sibipiruna imensa, minha paixão, de onde caiam folhas e florzinhas amarelas o ano todo. Mas ela sofreu uma poda drástica esta semana e agora só restaram seus galhos, como braços abertos ao céu, pedindo socorro. É de cortar o coração. Por isso, ando triste e quieta. Como escreveu Martha Medeiros, “que nos deixem quietos, daqui a pouco a gente volta, a gente sempre volta, anunciando o fim de mais uma dor - até que venha a próxima, normais que somos.”
Debaixo deste teto, tantos acontecimentos se passaram, tantos anos, tanta vida, tanta emoção. Conversas, músicas, discussões, diálogos, choros e risos. A adolescência dos filhos maiores, a infância do filho caçula, as festas de aniversário na garagem, as comemorações das formaturas, dos casamentos. A presença de tantas pessoas, sempre recebidas com alegria (mas minha mãe, que Deus a tenha, às vezes escondia rapidamente as guloseimas que estavam em cima da mesa quando chegava visita). E os bichos, meu Deus, os bichos! O Cravo e a Rosa, sempre gritando “purutaco, tataco” e “Pauliiiinho!” O Willie, o cachorrinho yorkshire que ficou deitado aos meus pés durante todos os meses que escrevi meu trabalho de mestrado. A Susy, que desapareceu; o Teddy, que foi atropelado; a Lua, que está bem velhinha e a Mel, um doce mesmo.
Enfim, em tempos em que impressiona o grande espaço que a violência ocupa na mídia, é bom pensar numa casa arrumada que tenha a cara da gente e que seja o nosso porto seguro.




segunda-feira, 22 de agosto de 2011

Na sala de aula

              Admiro os professores. Mas os alunos são bem mais interessantes. Alguns prestando atenção, outros “tô nem ai”. Com perguntas pertinentes e com perguntas sem sentido. Uns falantes, outros calados e emburrados. Uns limpinhos e cheirozinhos, outros amassados e descabelados. Alguns despertos, outros dormindo até babar. Cada aluno com suas experiências, com sua visão de mundo, com sua história de vida. Cada um aprendendo, à sua maneira, o que o professor ensina. Porque, na verdade, o que importa não é o que o professor ensina e sim, o que o aluno aprende. E no processo ensino-aprendizagem, é necessário ter contextualização: dar significado ao que se ensina, relacionar com a vivência do aluno, dar exemplos práticos.            
            Lembro-me de uma palestra que assisti com o professor Amabis, da USP, um dos papas do ensino de Biologia. Contou que um dia, quando cursava a 5ª série, a professora avisou: “na próxima aula vamos aprender equação”. Gostou do nome equação: pomposo, forte, enchia a boca ao falar. Passou o final de semana sonhando com a aula. Na segunda, a professora escreveu no quadro: “a+b = 2”. Quase caiu da cadeira. Sempre soube que somando número, dava outro número. Agora, somar letra e dar número? Aquilo só podia ser brincadeira. Mas, por precaução, como devia cair na prova, passou o recreio decorando: “a+b=2, a+b=2”. Na quarta, a professora escreveu : “a+b=4”. Quase caiu da cadeira novamente. “Não era 2, agora é 4?” Passou o recreio novamente decorando: “a+b=4, a+b=4”. Levantou a seguinte hipótese: “se na segunda a+b=2 e na quarta a+b=4, então na sexta a+b será igual a 6.” Chegou a sexta feira e a professora escreveu no quadro: “a+b=11.” Caiu da cadeira de vez. Desistiu de aprender equação, aquela coisa de nome tão pomposo e tão sem sentido.
            Outro exemplo sobre a importância da contextualização e da vivência do aluno na aprendizagem, encontrei quando li o livro “Crônicas 6”, de Lourenço Diafária. Ele escreveu sobre o pai de um aluno e um trabalho escolar do filho. O professor mandou o filho, torcedor fanático do Corinthians e membro da torcida “Gaviões da Fiel”, fazer um trabalho sobre o Sócrates (nome de um jogador de outro time). O pai ficou “uma arara”, mas o filho fez tudo direitinho: consultou a revista Placar, artigos esportivos e caprichou. Levou zero. O pai achou que era perseguição e foi com o filho na escola tomar satisfações com o professor. Esse explicou pacientemente que não era aquele Sócrates, era um filósofo grego que tinha tomado cicuta (nessa hora, o filho pensou: “como eu ia saber que ele jogava doidão?). O professor resolveu dar outra chance ao aluno e pediu um trabalho sobre o Guarani. Mesmo ele explicando que era um livro de romance, pai e filho saíram de lá pensando no time Guarani, de Campinas.
            De outra vez, estava eu estudando Ciências com o meu filho caçula, na época cursando a sétima série. Sem mais nem menos, ele disse: “se a professora perguntar na prova apenas assim: “o que é tecido?”  eu vou responder que é um pano usado para fazer roupas.”
            Enfim, a contextualização é fundamental no ensino-aprendizagem. Como um aluno escreveu: “No ensino de botânica, falam-me de sinérgides e de antípodas, mas não me falam do pé de mamona que tenho no fundo do meu quintal”.

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Trapalhadas do Papai Noel

              No natal da nossa família sempre tem alguém que se veste de Papai Noel para alegrar a criançada. A roupa é a tradicional, de cetim vermelho e enfeites brancos, casaco com capuz, barba falsa costurada no pano, cabeleira postiça, óculos pretos para disfarçar os olhos, luvas para encobrir as mãos, saco vermelho de cetim para encher de presentes. Acontece que, no penúltimo Natal, toda a indumentária do Papai Noel (que eu mesma confeccionei) tinha desaparecido. Tudo indica que o saco vermelho, com a roupa dentro, caiu da camionete durante a viagem (imaginem a surpresa de quem encontrou). Assim, no dia do Natal, na pacata cidade de Carmo do Rio Claro, com toda a família reunida, o bom velhinho não pode aparecer para a meninada (Papai Noel sem roupa, pelado, não dá). Pois foi a sorte dele, como se segue.
            Na noite de Natal, a criançada comentava o que pediu para o Papai Noel. O neto de cinco anos pediu um laptop do Batman e o de quatro anos, uma pistola do Power Ranger. O pai (meu filho) achou o máximo o pedido da pistola, coisa de macho. Depois, como médico, lembrou-se de que armas, mesmo de plástico, estão em desuso, pois mexem com o hipotálamo e o sistema límbico da criança, desajustam a membrana coriônica do sistema alfa e estimulam a violência. Concluindo: o filho iria virar bandido. Como ele pagou os presentes, já não sabia se era um bom ou um péssimo pai.
            As horas corriam e os adultos, consternados, não sabiam como resolver a ausência do velhinho. De repente, alguém teve uma brilhante idéia e gritou com entusiasmo que o Papai Noel já tinha chegado, escondidinho, e deixado os presentes na árvore de Natal. Completou que ele tinha vindo no trenó puxado pelas renas, que tinha até uma com narizinho vermelho que brilhava, mas ele não pode esperar porque tinha muitos presentes para entregar.
            As crianças, enganadas direitinho, saem em disparada (umas vão devagar, pois tem medo do Papai Noel). O neto mais novo , eufórico, abre o presente com o seu nome e solta um grito de terror: “o que, uma Barbie? Eu mato este Papai Noel!” E o mais velho, decepcionado e choroso: “olha o que eu ganhei, um tapete cor de rosa da Barbie!” O pai olhava tudo, boquiaberto e indignado, pensando: “não dar a pistola, tudo bem, mas uma Barbie! Aí o Papai Noel exagerou!”. Os pimpolhos correm pela casa, tentando encontrar e matar o Papai Noel. Os adultos descobrem que a mãe, em Uberlândia, antes da viagem, trocou os presentes com a irmã, que mora em Araguari e tem duas filhas. Tentando contornar a situação, colocaram as crianças para conversar ao telefone. A priminha conta que ganhou a pistola do Power Ranger e a irmãzinha, o laptop do Batman. Eles falam que ganharam a Barbie e o tapete. Com alívio, concluem que o bom velhinho se enganou e que os presentes estavam a salvo. Depois, os netos encontram na árvore uma roupa do Power ranger para cada um. Vestem, incorporam o personagem e esquecem a frustração.
            O maior problema, na verdade, foi o pai, que ficou emburrado, deitado no sofá. Desenterrou da memória um antigo trauma da infância, de um Natal quando tinha seis anos. Na época, escreveu uma cartinha para o Papai Noel e endereçou para o Pólo Norte. Pediu um Rifle Super Tiro, uma arma de plástico espetacular, que espocava 20 tiros fortes em sequencia. Ganhou uma Super Mouse, que dava cinco tirinhos fracos. Também queria matar o Papai Noe

domingo, 7 de agosto de 2011

A vaca, o urubu e o Roque

O filho, Luiz Cláudio, com a turma e o Roque ao fundo, planejando pular a janela

Li uma crônica interessante, de Antonio Prata, na Folha de São Paulo. Ele conta que há tempos inventou e escreveu um texto sobre uma vaca que foi colocada em uma canoa para atravessar um rio, nas proximidades do mar. Na praia, olhando a cena , estava um casal de namorados. A canoa virou e a vaca foi arrastada para o mar. A namorada ficou indignada e revoltada com o namorado, pois ele não fez nada para evitar a tragédia. Terminou o namoro.
Dias depois ele, Antonio, recebeu um email do Sidney, de Jequiaçu, no Paraná. Sidney estava convencido de que o texto havia sido baseado em sua história verídica. Estava impressionado, sem entender como Antonio teve conhecimento do seu caso. Contou então que seu casamento terminou por causa de um urubu, como se segue.
Estava ele, Sidney, e a esposa Letícia, assistindo felizes ao “Caldeirão do Huck”, na sala do seu apartamento no 12º andar. De repente, o vidro da janela se estilhaçou em mil pedaços, que caíram no chão junto com um urubu ensanguentado. A mulher começou a gritar para Sidney fazer alguma coisa e quanto mais gritava, mais o urubu se debatia. Ele tentou pegar o urubu com duas almofadas e jogá-lo pela janela, mas ele se libertou e ainda soltou um terrível grasnado, parecendo balido de bode. Pensou que a mulher ia ter um treco. Então ele, que não mata nem barata, agarrou a ave hedionda com as próprias mãos e quebrou seu pescoço. A mulher encarou-o atônita por um minuto. Então, levantou-se, saiu pela porta e nunca mais voltou.
Até hoje Sidney não conseguiu entender como um urubu desgovernado quebrou a janela e acabou com seu casamento. E também como a história chegou aos ouvidos do colunista. Esse termina sua crônica afirmando que foi tudo coincidência e que espera que Letícia, a esposa, se recupere do trauma e volte para ele.
Lendo o texto, não pude deixar de pensar no Roque, o cachorro perdigueiro do meu filho (casado e pai de três meninos pequenos) e as confusões que ele aprontou. O Roque, um cão cativante e endiabrado, foi presente de um amigo. Chegou no apartamento na forma de uma bolinha branca  e fofa, de pintas pretas, sendo recebido com entusiasmo pelas crianças e com frieza pela esposa. Foi crescendo, crescendo, até dominar todo o apartamento. Bagunceiro e brincalhão, mordia as almofadas, babava por todo lado, dava saltos mortais em cima das pessoas, derrubava vasos, arrastava por quarteirões inteiros quem se atrevia a passear com ele na coleira. Passou a ficar preso na varanda, arranhando o vidro da porta e ganindo sem parar, enquanto aguardava com impaciência a chegada do meu filho, a paixão da vida do Roque. A cada dia, crescia a paixão entre eles. Mas também cresciam os problemas, em razão diretamente proporcional ao aumento do tamanho do cocô e do xixi do Roque. A esposa, tal qual a Letícia da outra história, estava quase dando um treco. Até o dia em que ela falou a célebre frase: “você decide: ou eu ou o cachorro” (felizmente não saiu pela porta e sumiu, como a Letícia; pelo menos deu uma chance). O meu filho sentiu uma dor no coração ao pensar que não teria mais os pulos alegres e as lambidas grudentas do Roque quando chegasse em casa. Sem saída, levou o “Roquinho”, como diz ele, para a fazenda. Hoje, o Roque está feliz, rolando na terra e correndo atrás das galinhas, perus e codornas. E o casamento continua firme e forte, mas sem o Roque.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Mistérios da morte

             Li um texto interessante do Pedro Bial sobre a morte. Ele comenta que morrer é ridículo, não sabe de onde tiraram essa idéia. Coloca que você combina de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário e, no meio da tarde, você morre. Obriga você a sair no meio da festa, sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota  mais linda, sem ouvir outra vez a música preferida. Sai de casa sem tomar café e talvez nem almoce; começa a falar e talvez nem conclua o que está dizendo. Vítima de uma artéria entupida, de uma bala perdida, de um carro desgovernado. E ainda obriga os outros a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante a vida inteira. Tendo mais de cem anos, vá lá, o sono eterno pode até ser bem vindo. É hora de descansar e, a esta altura, já não há mais quase nada guardado nas gavetas. Mas, antes de viver tudo, antes de viver até a rapa, isso não se faz, morrer cedo é uma transgressão, um exagero, não tem graça nenhuma.
            Realmente, a morte é um mistério. Um termo tão difícil de definir quanto vida. Do ponto de vista jurídico, “é a extinção do sujeito de direito.” Do biológico, “é a extinção de certos e determinados fenômenos biológicos.” De acordo com a bíblia, “a morte é a passagem para a vida definitiva.” Seja lá o que for, a morte é a única coisa certa que existe na vida. Assim, a vida não é de se brincar, porque em pleno dia se morre. Algumas pessoas encaram isso com naturalidade e convivem bem com a certeza de que, um dia, ela chegará. Mas, como disse Woody Allen, “não que eu esteja com medo de morrer, apenas não queria estar lá quando isso acontecesse.” Ou, como diriam outros, “se a morte é um descanso, prefiro morrer cansado.”
            Há colocações bem humoradas sobre a morte, como “os que mais morrem são os que não tem onde cair morto.” Versos alegres nas músicas, como “quando eu morrer não quero nem choro nem vela, só quero uma fita amarela, gravada com o nome dela.” E a prece genial do Marcello, um menino italiano: “querido Jesus, em vez de você fazer as pessoas morrerem e aí criar outras, porque não fica com as pessoas que já tem? “ Outras são lúgubres, como “cada minuto de vida nunca é mais, é sempre menos: desde o instante em que se nasce, já se começa a morrer.”
            Uma das pessoas que conviveu bem com a morte foi minha mãe. Ela adorava a vida, mas não se desesperou quando pressentiu que a morte estava chegando. O momento de esvaziar as gavetas, como disse Pedro Bial, ela não deixou para os outros, ela mesma o fez (morava comigo aos 87 anos e fez hemodiálise durante um ano). Separou as tralhas que juntou, durante a vida, em cinco partes, uma para cada filho. Cada objeto tinha a sua história, recordava algo (guardou até o meu umbigo, cruzes! E ainda me devolveu!). Ali, sentadinha na varanda, parece que sabia que cada idade tem o seu prazer e a sua dor. Lembrava-me a música de Almir Sater: “um dia a gente chega e no outro vai embora. Cada um de nós compõe a sua própria história e cada ser carrega em si o dom de ser capaz de ser feliz.”
            Assim, a vida passa, a morte chega, mas as lembranças e exemplos que podemos deixar duram uma eternidade.

quarta-feira, 20 de julho de 2011

A briga

Meu irmão, o Fá (diminutivo carinhoso de Luiz Flávio): meu herói e meu ídolo


             Brigas fazem parte do cotidiano, acontecem com todos. Conflitos sempre existiram, são da natureza humana. Há mulheres que brigam com os maridos só pela emoção e prazer de fazer as pazes. Irmãos que vivem como cão e gato, mas não ficam um sem o outro. Vizinhos que trocam palavrões por causa da árvore na calçada ou porque simplesmente não gostam da cara um do outro. Brigas na escola, na rua, no trabalho, no “lar doce lar”, por todo lado.
            Até eu, que sou adepta da paz e da calma, certa vez participei de uma briga homérica. Estávamos o marido, eu e sete crianças (cinco filhos e dois vizinhos) viajando de camionete para as férias na praia de Guarapari. Paramos em Belo Horizonte, para dormir no apartamento do meu irmão. Ele é um homem grandalhão, de mais de cem quilos, de coração bondoso e alma de criança. À noite, meus três filhos, os dois vizinhos e dois primos, todos entre oito e treze anos, desceram para o hall do prédio. Os inquilinos estavam comemorando o aniversário de um dos moradores, no salão. Os sete “penetras” queriam salgadinhos e a meninada da festa não quis dar. Aí, jogaram uma sandália havaiana na cabeça de um dos filhos do aniversariante. Estava armada a confusão. Quando desci para chamar a turma para dormir, encontrei uma pilha humana de meninos se debatendo, uns por cima dos outros. Cabelos arrancados, camisas rasgadas, sapatos perdidos, gritos de “arregaça a cara dele”. Horrorizada, comecei a puxar algumas pernas para dissolver a montanha humana. Os dois primos, espertos, só do lado de fora, atiçando a briga. Nisso, os convidados da festa viram a briga e acudiram em massa. Os penetras saíram em disparada e eu fiquei sozinha no meio da turba assassina. Quase apanhei, mas mantive a dignidade, a postura e a coragem (mas de pernas bambas e trêmulas) e defendi a retaguarda para a fuga dos sete. Assustados, eles se esconderam no quarto e ficaram quietinhos, como santos. No apartamento, todas as outras pessoas dormiam, não viram nada.
            Repentinamente, na calada da noite, soou a campainha. Tremi. Era o aniversariante em pessoa, exigindo a presença do síndico no salão de festas, para as devidas explicações (o síndico era o meu irmão). Fui com ele, para prestar depoimento do que se passou. Rodeada pelos convidados furiosos, comecei a contar o que vi. Um homem enorme, de mais de 120 kg, bêbado, pulou na minha frente e vociferou: “é mentira, não foi assim!”. O meu irmão, do tamanho dele, também pulou na minha frente e bradou, em voz grossa e decidida: “ninguém chama minha irmã de mentirosa!”. Emocionei-me com tal defesa. Seria um duelo de gigantes, de titãs. Mas aí entrou a turma do “deixa disso” e levou cada um para um lado. No final, pedi desculpas pelas crianças terem atrapalhado a festa e ainda tive a audácia de dar os parabéns ao aniversariante. Porém, temendo represálias, acordei meu marido às cinco da manhã (ele não sabia de nada, dormia o sono dos justos) e deixamos o prédio de fininho.
            Bem, toda briga deixa uma lição. Nessa, descobri que meu irmão é um herói. A partir daí, se tornou o meu ídolo.