A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2018

Trapalhadas do Papai Noel

Papai Noel com os netos : Maíra no colo, Miguel olhando para o pai, Pedro, Vítor e Théo

      No natal da nossa família sempre tem alguém que se veste de Papai Noel para alegrar a criançada. A roupa é a tradicional, de cetim vermelho e enfeites brancos, casaco com capuz, barba falsa costurada no pano, cabeleira postiça, óculos pretos para disfarçar os olhos, luvas para encobrir as mãos, saco vermelho de cetim para encher de presentes. Acontece que, no penúltimo Natal, toda a indumentária do Papai Noel (que eu mesma confeccionei) tinha desaparecido. Tudo indica que o saco vermelho, com a roupa dentro, caiu da camionete durante a viagem de volta para Uberlândia (imaginem a surpresa de quem encontrou). Assim, no dia do Natal, na pacata cidade de Carmo do Rio Claro, com toda a família reunida, o bom velhinho não pode aparecer para a meninada (Papai Noel sem roupa, pelado, não dá). Foi a sorte dele.
            Na noite de Natal, a criançada comentava o que pediu para o Papai Noel. O neto de cinco anos pediu um laptop do Batman e o de quatro anos, uma pistola do Power Ranger. O pai (meu filho) achou o máximo o pedido da pistola, coisa de macho. Depois, como médico, lembrou-se de que armas, mesmo de plástico, estão em desuso, pois mexem com o hipotálamo e o sistema límbico da criança, desajustam a membrana coriônica do sistema alfa e estimulam a violência. Concluindo: o filho iria virar bandido. Como ele pagou os presentes, já não sabia se era um bom ou um péssimo pai.
            As horas corriam e os adultos, consternados, não sabiam como resolver a ausência do velhinho. De repente, alguém teve uma brilhante idéia e gritou com entusiasmo que o Papai Noel já tinha chegado, escondidinho, e deixado os presentes na árvore de Natal. Completou que ele tinha vindo no trenó puxado pelas renas, que tinha até uma com narizinho vermelho que brilhava, mas ele não pode esperar porque tinha muitos presentes para entregar.
            As crianças, enganadas direitinho, saem em disparada (umas vão devagar, pois tem medo do Papai Noel). O neto mais novo , eufórico, abre o presente com o seu nome e solta um grito de terror: -“O que, uma Barbie? Eu mato este Papai Noel!” E o mais velho, decepcionado e choroso: -“Olha o que eu ganhei, um tapete cor de rosa da Barbie!” O pai olhava tudo, boquiaberto e indignado, pensando: “não dar a pistola, tudo bem, mas uma Barbie! Aí o Papai Noel exagerou!”. Os pimpolhos correm pela casa, tentando encontrar e matar o Papai Noel. Os adultos descobrem que a mãe deles, em Uberlândia, antes da viagem, trocou os presentes com a irmã, que mora em Araguari e tem duas filhas. Tentando contornar a situação, colocaram as crianças para conversar ao telefone. A priminha conta que ganhou a pistola do Power Ranger e a irmãzinha, o laptop do Batman. Eles falam que ganharam a Barbie e o tapete. Com alívio, concluem que o bom velhinho se enganou e que os presentes estavam a salvo. Depois, os netos encontram na árvore uma roupa do Power ranger para cada um. Vestem, incorporam o personagem e esquecem a frustração.
            O maior problema, na verdade, foi o pai, que ficou emburrado, deitado no sofá. Desenterrou da memória um antigo trauma da infância, de um Natal quando tinha seis anos. Na época, escreveu uma cartinha para o Papai Noel e endereçou para o Pólo Norte. Pediu um Rifle Super Tiro, uma arma de plástico espetacular, que espocava 20 tiros fortes em sequência. Ganhou uma Super Mouse, que dava cinco tirinhos fracos. Também queria matar o Papai Noel.

Retratos de infância

Luiz Cláudio com 3 anos de idade

         Em Uberlândia, há 40 anos atrás, a região nas proximidades da atual Avenida Rondon Pacheco, no bairro Lídice, era toda coberta de mato, com inúmeros lotes vagos. No local da Rondon passava um córrego, que muitas vezes era usado como despejo de esgoto. Havia muita área verde, vacas e cavalos soltos. Na época, morávamos na Avenida Professor Mário Porto, dois quarteirões acima do córrego.
           Neste bairro, meus filhos foram criados brincando na rua. Especialmente um deles adorava a vida livre, leve e solta. Sempre estava desaparecido na hora de ir para a escola e eu saia procurando-o pelas vizinhanças. Aos cinco anos, troncudo, pernas grossas, bochechas coradas, roupa suja, encontrei-o suado subindo o morro com uma varinha de anzol em uma das mãos e na outra, uma latinha com minhocas, sorrindo feliz. Estava atrasado para a escola e perguntei-lhe, zangada, onde ele estava. Respondeu com sinceridade: "-Pescando no bosteiro!"
          Em outra ocasião, aos quatro anos, chegou em casa puxando um cavalo branco e magro em uma corda. Explicou que era o cavalo que o seu padrinho , que morava no Carmo, havia enviado para ele. Contou que pediu a um senhor para laçar o cavalo no pasto, pois não tinha conseguido. Espantada, soltei o pobre animal e ele fez um escândalo. O problema é que realmente o padrinho tinha prometido um cavalo para ele, nunca deu e criança não esquece.
          Na frente da escolinha onde ele começou a estudar aos cinco anos, havia um enorme poste de concreto da rede elétrica . Até hoje me pergunto porque aquele poste tinha que estar logo ali. Dia sim e outro também, ele se agarrava ao poste para não entrar na escola. Era uma luta árdua arrancá-lo dali (mãe sofre). Pensei que ele não iria virar gente. Mas Deus é misericordioso, e quando ele fez vestibular para medicina, na UFU, aos 17 anos, foi aprovado em primeiro lugar.
        Pensando em tudo isso, enviei-lhe um email, depois que ele  já era pai de dois filhos, perguntando-lhe sobre as lembranças que tinha da sua infância. Respondeu-me com estas palavras:"ganhei meu Rifle Super Tiro no Natal, tive meu Falcon olhos de águia, dezenas de playmobil, comprei minha primeira espingardinha de chumbinho com o dinheiro que economizei do lanche, pesquei no bosteiro, nadei nele, peguei giardia, bicho-de-pé, oxiuríase, berne na testa, joguei futebol na rua, cortei fundo o pé, levei ponto, finquei prego enferrujado no dedo, chupei manga e bebi leite (e não morri até hoje), brinquei com fogo (e não queimei o dedo), quase morri afogado na lagoa de Formiga, me perdi na praia com o meu baldinho catando conchinhas, caí várias vezes da bicicleta, matei passarinho com estilingue, brinquei de guerra de argila, de mamona e de sal grosso, desci morro com carrinho de rolimã que eu fiz. Mas o principal é que tive bom exemplo dentro de casa e que fui amado".
            E assim, com amor, a vida continua e tudo se repete. Quando os filhos dele eram pequenos, também faziam uma travessura atrás da outra. Um dia, a mãe disse a um que, na época, estava com quatro anos: -"Ah, Vítor, espero que um dia você ainda vire gente!" Ele dormiu e quando abriu os olhinhos no dia seguinte, perguntou:
 -" Mamãe, eu já virei pessoa?"