A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sábado, 15 de outubro de 2022

O boi Diamante





                                     

            Já aceitei o fato de que jamais vou obter algum lucro da minha fazendinha. Mas terei muitas histórias para contar. Por exemplo, o caso do boi.

      Tudo começou quando precisei de um boi para cruzar com as vacas que comprei. São onze: sete já prenhas, duas com bezerros e duas entrando no cio. Não seria possível fazer inseminação artificial, pois é necessário curral adequado, com tronco, e lá não tem (não tem nada, só problema). A vaca pode ficar muito brava e dar coices no veterinário. Como as coisas andam, provavelmente isso iria acontecer. Além do mais, eu queria conhecer o boi que seria o pai de todos os bezerrinhos da fazenda. Saber se seriam  parecidos com o pai, de boa genética, etc. Inseminação artificial é muito vago, muito abstrato. E como vaca não se reproduz por partenogênese,  o encarregado e eu começamos a procurar um boi bom e barato. Um absurdo o preço de um reprodutor: de R$15.000,00 a R$20.000,00 e sem P.O. ( registro que atesta qualidade). Por sorte, encontramos uma fazendeira vizinha que precisava vender um boi. Grande, bonitão, orelhas bem compridas, nelore, todo branco, com 3 anos. Negociei por R$8.500,00,  pra pagar quando entregassem. Fiz uma votação na família para escolher o nome: Araújo, Bumbá ou Sansão. Ganhou Araújo. No entanto, a vizinha contou que ele já se chamava Diamante, era manso e atendia pelo nome. Resolvi não trocar, para não causar confusão mental no Diamante. O tempo foi passando e o boi não chegava. Avisaram que ele estava escondido no pasto do vizinho e não estavam encontrando. Um mês e meio depois da negociação, o Diamante chegou na minha fazendinha. Justo no dia primeiro de outubro, quando eu lá estava, fiquei emocionada. Ele foi sendo tocado pela estrada por dois cavaleiros e junto com duas vacas no cio. Sozinho ele não iria, de forma alguma. Prenderam o Diamante no curral e  tentaram colocar as minhas vacas com ele, para irem se enturmando. Mas as vacas dispararam e ele ficou sozinho. E depois que os cavaleiros foram embora, não tinha como buscar as vacas novamente, pois à pé o encarregado não conseguiria, já que o bendito Canarinho, meu único cavalo, tinha fugido pela oitava vez (ele passa debaixo de qualquer cerca). Apreciei o Diamante, tirei fotos de todos os ângulos; e ele sozinho, bufando no curral. E, não sei o porque, o encarregado abriu a porteira e soltou o Diamante, sem nenhum tipo de adaptação ao novo ambiente. Ele saiu trotando majestoso, olhando pra lá e pra cá, parou perto da casa da sede. Eu da varanda olhei nos olhos dele, ele olhou nos meus. Depois , vagarosamente, virou a traseira para mim e, balançando o rabo, entrou no pasto sujo, cheio de árvores e arbustos e desapareceu. Ainda falei para o encarregado: _"Tião, este boi vai sumir!".  Ele argumentou que não, que o boi iria procurar as vacas e o cocho d'água. Como meu conhecimento nesta área é zero, acreditei. E não é que o boi sumiu mesmo? Desapareceu sem deixar rastros. O pior é que , sem o Canarinho, como procurar o Diamante? Resolvi dar uma recompensa para quem devolvesse o Canarinho. Colocamos a foto dos dois em todos os grupos de whatsApp da região. Em dois dias, o Canarinho apareceu. Paguei uma recompensa de  R$300,00 . Voltou de crina feita e com os cabelos da orelha aparados, bem bonitinho. O encarregado montou nele e andou quatro dias procurando o Diamante. Com a graça de Deus, foi encontrado, junto com vacas no cio, em uma fazenda ao lado. Parece que pulou a cerca e tudo indicava que estava bem e feliz. Quando, em Uberlândia, recebi a notícia que o Diamante tinha sido encontrado, fiquei em êxtase e contei para todos que estavam torcendo para ele aparecer. Regozijo geral. Mas a alegria durou pouco, apenas 3h. Recebi várias fotos do Diamante morto, mortinho, caído no chão! E uma foto tétrica, com um furo perto do pescoço, com sangue saindo (sangraram para ver se podiam depois aproveitar a carne). Contaram que ele estava sendo tocado, junto com duas vacas paridas, para o curral. De repente, ele  começou a tremer as pernas, caiu no chão, estrebuchou, virou os olhos e morreu!! Um filme de terror. Consternação geral. Parece que teve um ataque cardíaco. Especulando-se sobre a causa da morte, foram levantadas 5 hipóteses: estresse por ter deixado as vacas no cio; excesso de ingestão de ureia com sal; paralisia respiratória causada por botulismo; picada de cobra; ingestão de ervas venenosas seguida de excesso de movimento, como corrida.  

            Analisando-se os sintomas e as circunstâncias, a mais provável "causa mortis" é a ingestão de ervas venenosas. Ou então o estresse. O Diamante mudou de fazenda, ficou perdido, deve ter passado sede, foi arrancado dos seus amores (Jesus, será que o boi morreu de paixão?). Descobri que boi pode morrer de estresse sim, tem boi bravo que morre quando é amarrado ao tronco, sofre um ataque cardíaco. Enfim, lá se foi o Diamante, não aproveitamos nem a carninha dele. E ainda fiquei traumatizada e com pesadelos. Lembrei-me do Zé, meu finado marido: mandava para o matadouro 50 bois de uma só vez e dormia feliz, sonhando com o dinheiro que iria ganhar. Eu não, só faltou receber pêsames pela morte do boi...

            Agora, não quero mais comprar boi. Vou alugar algum quando precisar.  E esperar o meu bezerro, o Príncipe Houdini, crescer. Ele já está com um ano, saudável, bem adaptado na fazenda e conseguindo escapar das inúmeras cobras venenosas que rastejam por lá. Quem sabe algum dia nasçam lindos bezerros e eu possa falar:   -"Parece com o pai"! A esperança é a última que morre.

       

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

História de uma árvore




                                      

            Tudo começou em 1985, quando a muda de Sibipiruna- Caesalpinia pluviosa  - foi plantada na calçada em frente ao meu sobrado recém construído, na Rua Johen Carneiro, no bairro Lidice de Uberlândia. Para ter o habite-se da nova moradia, era obrigatório, por parte da Prefeitura, esse plantio de árvore na calçada (ainda é). Ela foi crescendo dentro de um cercadinho que a protegia dos vândalos. Na frente e ao lado dela, havia mais quatro lindas e frondosas Sibipirunas, que formavam um lindo tapete de flores amarelas no asfalto preto. Ao longo do tempo, todas foram cortadas. É assim mesmo, o homem diz amar as flores, mas arranca; diz amar as árvores, mas corta. E cortar dói... É triste ver a beleza que perdemos a cada dia. Solitária, a minha Sibipiruna foi crescendo forte e saudável. A copa ficou frondosa e arredondada. Quando florescia, entre agosto e outubro, os cachos  em forma de espigas, com florzinhas amarelo ouro, contrastavam com o verde escuro das folhas. Lindo de se ver. Depois, surgiam os frutos em forma de vagem, verdes no começo e escuros no final. As folhinhas miúdas caiam, a árvore ficava com os galhos quase nus e começava tudo de novo: folhas nascendo, flores se abrindo, frutos surgindo, sementes caindo. Penso que todos deveriam plantar árvores para ver de quantas vidas é feita uma árvore.  Ou para deixar ao menos uma árvore como herança para o mundo. Rubem Alves escreveu: " Amo aqueles que plantam árvores mesmo sabendo que nunca se sentarão em sua sombra. Plantam árvores para dar sombra e frutos para aqueles que ainda não nasceram".

            Também plantar árvore para que filhos e netos possam brincar e descansar na sua sombra...Para abraçar seu tronco e conversar com ela... Para entender que uma árvore não é "apenas" uma árvore, é todo um ecossistema... Só para dar alguns exemplos, nos seu tronco e galhos podemos encontrar centenas de outros seres vivos:    aranhas, opiliões, pseudoescorpiões, formigas de todos tipo, cupins, larvas de besouros, cogumelos e outros fungos, líquens, trepadeiras, orquídeas, samambaias. Ninhos de pássaros, de abelhas, de cupins, de formigas; casulos e borboletas nascendo. Abelhas, vespas, besouros e moscas nas flores. Lagartixas correndo ligeiras. Micos comendo frutos. Ah, e tem os pássaros cantando! Sabiá, bem-te-vi, pardais. Pombinhas arrulhando.  Ouvi-los cantar faz bem à alma e ao coração. Na minha Sibipiruna, sempre havia uma sinfonia às seis da manhã e às seis da tarde... Era bom dormir de janela aberta olhando a copa da árvore e acordar com o canto dos passarinhos. Era bom também saber que a árvore estava lá, na frente da casa, enraizada. Árvores são assim: ficam onde nascem, são felizes onde estão. Uma presença constante, aquela amiga de todas as horas. Quando chegava em casa, às vezes não tinha ninguém...Mas a Sibipiruna lá estava, majestosa, silenciosa, companheira e cheia de vida.

            Os anos foram passando. A Sibipiruna teve os galhos cortados várias vezes  porque encostavam nos fios elétricos e escureciam a rua. As raízes levantavam o passeio e muitas foram retiradas e o passeio consertado. A tudo ela resistia e continuava com suas flores amarelo ouro, enfeitando o quarteirão. Fez 37 anos em 2022, mas esta espécie pode viver mais de 100. Há quase seis anos, mudei-me para um apartamento e ela continuou na calçada, dando sombra e beleza para o inquilino que mora no local.

            Mas no dia 11 de agosto ela morreu. Foi cortada, restou apenas o vestígio do tronco largo cortado rente ao chão. Simplesmente apareceram, bem cedo, quatro caminhões da prefeitura, com vários homens, guindaste e motosserra. Cortaram a árvore rapidamente,  sem dó nem piedade. Não me deram nem a oportunidade da dor da despedida. Sequer fui avisada e o inquilino também não. Jogaram os galhos imensos nos caminhões e foram embora. Descobri depois que houve uma denúncia, peritos foram ao local e condenaram a árvore porque ela estava com cupins e oferecia perigo de queda. Ainda falaram que eu deveria ter cuidado dela, pois há dois anos foi emitido pelo Horto Municipal um laudo informando sobre a infestação de cupins. Nunca recebi tal laudo. E quando me mudei da casa, não havia sinais externos dos mesmos.

             Os cupins se alimentam de celulose, são silenciosos e discretos, pode levar  anos até serem detectados numa árvore. Talvez o destino da árvore culminasse mesmo com o corte. Mas não é assim que se faz. O laudo é da Defesa Civil da PMU. Que "defesa" é essa? Total desrespeito ao cidadão...Por outro lado, devem existir dezenas de árvores com cupins pelas ruas e nem por isso são cortadas, felizmente. Também não podemos culpar os cupins, pois o homem é igual a eles: vai corroendo o planeta com cortes e podas drásticas desnecessárias de árvores, desmatamentos, poluição de rios e mares, queimadas, aquecimento global e muito mais. E de repente, na calada da noite ou da manhã, tudo vai terminar...Como disse Kalil Gibran: " Árvores são poemas que a Terra escreve para o céu. Nós as derrubamos e as transformamos em papel para registrar todo o nosso vazio".   

             Enfim, só me resta agora plantar outra árvore. Aliás, duas: uma vizinha já consentiu em plantar na calçada dela também. Mas, novamente citando Rubem Alves: "Antes que qualquer árvore seja plantada ou que qualquer lago seja construído, é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardim por dentro , não planta jardins por fora e nem passeia por eles." 

quarta-feira, 17 de agosto de 2022

A Noruega Parte II






           

            Na Noruega, há muita preocupação com as crianças. Existe suporte para elas na área da educação, da saúde, do lazer. Fiquei impressionada com o caso que minha norinha contou-me. Ela conhece uma brasileira, casada com um norueguês. O casal tem um filho de 10 anos. Um dia, o menino caiu de bicicleta e se arrebentou todo: machucou os joelhos, os cotovelos, arranhão pra todo lado. Foi aberta uma sindicância para saber se houve negligência por parte dos pais. Inspecionaram a bicicleta e viram que o freio estava gasto. Daí, uma assistente social foi enviada para ficar na casa do menino durante vários dias, para ver como ele era tratado! Por tudo isso, minha norinha tem muito medo do Benício, meu neto de 10 anos, também se arrebentar na bicicleta. Ele anda na cidade pra todo lado, com um relógio que é também um telefone que pode chamar o pai, a mãe e o irmão. Funciona como um GPS, rastreia e mostra a localização. Também possui um botão de pânico.

       As crianças têm muita liberdade, andam de ônibus sozinhas e passeiam pela cidade. Quando nascem, os pais recebem 80.000 kroners para as primeiras necessidades (o NOK ou Kr é a moeda de lá; um real vale dois kroners). A criança ganha de 1200 a 1.600 NOK, até os 18 anos. A licença maternidade é de 12 meses, compartilhada com o pai. Escolhem quanto meses cada um ficará de licença; o pai também precisa cuidar do pequenino, para estreitar os laços. O nome da criança é automaticamente inserido para  vaga na escola pública até os seis anos, na Barnehage, o jardim de infância de lá. Se a mãe não quiser a escola, recebe uma mesada para ficar com a criança. E o aluno perde a vaga com poucas faltas não justificadas. Por lá existe muita seriedade no processo educacional.

        Também os idosos são tratados com carinho e respeito. Os que desejam viver sozinhos usam um relógio que é um GPS e , se necessário, ligam diretamente para uma central de auxílio. São visitados duas vezes por semana por uma assistente social.

        Quanto à saúde, todo o sistema é público e os hospitais são excelentes. Os impostos são muito caros, mas totalmente revertidos para a sociedade. Cada Komuna (bairro) possui o médico da família. As farmácias não vendem remédio sem receita médica, apenas Paracetamol, para evitar que as pessoas fiquem expostas a muitos remédios. Ouvi sobre o caso de um casal de brasileiros que trabalha por lá. A bebê deles nasceu prematura, com 320 gr e sobreviveu, um verdadeiro milagre. Ela ficou na UTI  durante quatro meses e a mãe também, cuidando da criança. O pai teve licença no emprego e ficou hospedado em um anexo de apoio ao hospital, para revezar com a mãe, pois tiveram que ir para Oslo. Tudo pelo sistema público de saúde. Hoje a menininha já fez um ano, é linda e sem sequelas.

       Outras coisas interessantes : 1) Não existem cachorros e gatos de rua por lá. É muito caro ter um cachorro. Precisam ter chip e seguro saúde. Só saem pra rua com os donos e podem entrar em todo lugar. Os gatos dão umas fugidas e olham pelas janelas das casas. 2) Não existe Uber na Noruega, só táxi.  O governo considera que ser motorista de Uber não é um bom emprego para as pessoas. 3)Todos podem saber o que o outro ganha, existe um site especial para isso. E a pessoa que teve o salário consultado fica informada sobre isso. 4) Bebida alcóolica só é vendida até 22h nos bares e restaurantes. Uma cerveja custa de R$30,00 a R$75,00. 5) Várias palavras do norueguês são parecidas com o inglês. Ex: Welcome é velkommen (mas a gente não entende nada) 5) Não existem clubes recreativos particulares, todos são públicos. O que um pode, o outro também pode. Basta comprar um tíquete para desfrutar. 6) O país realmente funciona. Por exemplo, os ônibus nas cidades passam exatamente no minuto divulgado. As passagens são adquiridas por meio de um aplicativo e mesmo não tendo supervisão dentro do ônibus, as pessoas não andam sem pagar. 7) Ninguém pega as coisas dos outros. Meu neto esqueceu um tênis caro na quadra de futebol; ficou lá alguns dias até ele buscar. 8) Os noruegueses são preocupados com o desperdício. Por exemplo, no prazo de validade dos alimentos, escreve-se "melhor consumir até...". E na construção de casas (são de madeira), realizam-se testes enchendo-as de ar. São pressurizadas para ver se tem algum vazamento que poderia prejudicar a calefação e gastar mais energia no inverno. 9) As casas possuem um ou dois banheiros no máximo, mesmo as casas grandes 10) O governo incentiva a construção de casas com um pequeno apartamento independente, para ser alugado para estudantes a preços módicos. Não é cobrado imposto sobre este aluguel. 11) O caminhão de lixo orgânico passa de 15 em 15 dias, o que de certa forma induz as pessoas a diminuírem o lixo. Possui um guindaste para levantar o contêiner, ninguém fica correndo atrás.12) Não existe filtro nas casas. A água das torneiras é potável. 13) Na escola internacional o ensino é em  inglês. Há aluno espanhol, colombiano, inglês, canadense, brasileiro, egípcio. São os filhos de funcionários das empresas de petróleo e da OTAN. Alunos chineses, japoneses e indianos são raros. 15) O sistema de governo é parlamentar, com monarquia constitucional. O Rei Haroldo V e a rainha Sônia estão por todo lado, sorridentes e cheios de medalhas, em cartões postais.

          Mas nem tudo são flores . A Noruega é um dos países  mais caros do mundo. O litro de óleo diesel custa R$12,00, mesmo o petróleo sendo uma das principais riquezas da Noruega. Na alimentação, uma garrafinha de coca de 500 ml custa R$18,00; um quilo de carne moída R$75,00 e de carne de primeira, R$300,00. Comer em restaurantes é caríssimo. E a gente sente falta de frutas tropicais gostosas como o mamão, banana prata e banana maçã. Tem manga, mas é importada e sem gosto.           

         Outra coisa importante: este sol nosso de todo dia, quentinho, caloroso, gostoso, que aquece a alma e o coração, independente da estação do ano, por lá  praticamente só aparece no verão. E às vezes nem isso... Por do sol o ano todo, lindo como o nosso, nem pensar (é verdade que existe a aurora boreal, mas só ao norte, em condições especiais e temperaturas abaixo de zero). É um país onde tudo tem que se adequar a cada estação do ano. Fiquei pensando: como lá tem muito leite e queijo de cabra, o que será que fazem com as cabras no inverno? Será que ficam presas em barracões?        

        Também vale lembrar o comportamento dos noruegueses. Eles são cuidadosos em demonstrar emoções para os outros e não gostam de ficar muito perto. Parece que precisam de espaço, não querem perturbar e nem serem perturbados. Falam baixo, são educados, não  puxam conversa com desconhecidos. Mas achei que falta algo, talvez calor humano...  

         Bem, meu filho morou  três anos na Noruega, com a esposa e dois filhos. Adoraram morar lá, gostaram de tudo, fizeram muitas amizades. Agora irão morar dois anos em Singapura, pois meu filho precisa acompanhar a construção de um navio para extração de petróleo. Estão partindo com aquele sentimento de perda, de terem deixado algo bom para trás da qual não se despediram direito.  O Benício, meu neto,  não está preocupado com o calor úmido de lá, com o regime de ditadura e nem com a obrigatoriedade do uso de máscara. Depois de ficar indignado quando soube que lá é proibido mascar chicletes, quer é saber se tem lugar para jogar futebol e se na nova escola  terá mais dever de casa que na escola da Noruega. Que Deus o proteja e á família toda.

 

A Noruega- Parte 1




 

            Recentemente, estive em Stavanger, na Noruega. Fui passar 15 dias com o filho que mora nesse país com a família e trabalha na empresa de petróleo Equinor. Vi e aprendi muita coisa.

            Por exemplo, o país é lindo.  Tem montanhas altas com picos cobertos de gelo e por onde descem cachoeiras cristalinas e esverdeadas, formadas pelo gelo que derrete. Trilhas que passam por paisagens de tirar o fôlego. Fiordes, que são braços de mar que entram pelo continente e recortam todo o país.  Rochedos  imensos ladeando os fiordes, onde as pessoas sobem e parecem ficar acima das nuvens, observando  o mar lá do alto. Entre os pontos turísticos destaca-se  a Preikestolen, que fica em Forsand. É uma uma falésia de 604m, por onde se chega após uma subida que leva de 2 a 3 horas, por uma trilha de 4 km cheia de pedras. O topo do rochedo é quadrado, com cerca de 25x25 m, chamado de Púlpito do Pregador. A vista lá de cima é uma das coisas mais incríveis de se ver na vida (eu não fui, mas os filhos e netos foram e contaram). As pessoas mais ousadas sentam-se na beirada da rocha e balançam as pernas. Já o meu neto de 14 anos, bom de bola, ficou no platô, com a camisa do Brasil, fazendo embaixadinha...Tem até uma cena do filme "Missão Impossível" filmada na Preikestolen. É de arrepiar, com o Tom Cruise dependurado no precipício, lutando com o vilão . No inverno não é possível subir, a trilha fica coberta de neve e tem pouca luz, é perigoso.                                                                                                                                               Outro ponto turístico famoso é a Trolltunga, mas não subimos até lá, apenas visitamos a região.  É uma pedra esticada horizontalmente a 700 m de altura, sobre um precipício, com um lago abaixo. Noruegueses e turistas enfrentam uma caminhada de 22 km ida e volta, numa subida intensa, onde tem neve na trilha até no verão. O nome significa "língua do Troll". O Troll é uma figura do folclore da Noruega. Segundo a lenda, é feio, grandalhão, pouco inteligente, mas desperta simpatia. Habita a escuridão das florestas e as cavernas das montanhas. Ele está em toda parte na forma de estátuas, pinturas, histórias. É vendido como cartões postais, bonecos, brinquedos, canecas, etc. Ele e a família toda: filhos, mulher, avô, avó. Troll pra todo lado e pra todo gosto. Esquiando, andando de moto, abraçado no alce. Comprei um pregador de geladeira com toda a família Troll, de lembrança.                                                                                                                                               Vimos uma escadaria de madeira de 4.444 degraus. A maior do mundo em madeira, equivalente a um prédio de 28 andares. Foi construída há cem anos, para os trabalhadores levarem nas costas o material para fazer uma hidrelétrica, hoje desativada. Não subimos, Deus me livre! Olhamos por baixo, quando fizemos um passeio de barco por um fiorde para apreciar as cachoeiras, as rochas imensas, a mansidão azul das águas do mar. E com um vento gelado batendo no rosto, em pleno verão com temperatura entre 7 a 14 graus.

            Também as rodovias e estradas na Noruega são incríveis. Tudo lá é muito intenso. Cheias de altos e baixos, muitas curvas, pontes sobre o mar, túneis imensos. Atravessamos um de 14,6 Km perto de Stavanger. Passa debaixo do fiorde. Primeiro o túnel desce para passar pelas rochas debaixo do mar, depois sobe. Uma loucura, e tudo com qualidade e segurança. Nas estradas que ligam pequenas cidades ou chegam a pontos turísticos, é um eterno zigue-zague , sobe e desce, e precipícios. Ovelhas e cabras pastam nas margens. São estradas estreitas de mão dupla,  mas só passa um carro de cada vez. Quando um  encontra outro, um precisa dar marcha a ré e encostar em local mais largo. A gente reza pra não encontrar nenhum carro na curva. Achei estas estradas perigosas demais, em alguns pontos nem tem proteção perto dos precipícios. No inverno ficam interditadas, cheias de neve e os motoristas não sabem onde é a estrada. Talvez por tudo isso seja muito difícil tirar carteira de motorista na Noruega. Leva de seis meses a um ano. É um processo muito sério, o que contribui para reduzir a quase zero o número de acidentes.   As provas são feitas nessas estradas estreitas e numa pista escorregadia, onde são simuladas situações de risco.

            Mas bonito mesmo é uma ilha que visitamos, a Flor &Fjaere. Ela foi transformada em um imenso jardim e aberta ao público em 1995. Flores, rosas, árvores, arbustos, trepadeiras, cactus, lagos...Tudo misturado em uma emocionante profusão de cheiros e cores. Com o mar e o céu azul ao fundo.

            Outra coisa que chama a atenção na Noruega é o  silêncio . Uma calmaria que faz bem ao espírito. Contemplar e admirar a natureza  em silêncio, para os noruegueses, é quase como fazer uma oração. Mesmo nas cidades, há pouco barulho.  Andando pelas ruas do bairro, não ouvi grito ou choro de criança, música tocando, cachorro latindo . Até os carros deslizam sem fazer barulho, a maioria deles é elétrico. Mesmo os cortadores de grama  foram substituídos por pequenos robôs achatados, pretos luzidios, que podam a grama silenciosamente, com perfeição. Têm até um sensor para não passar no mesmo lugar duas vezes...

            Enfim, além da natureza exuberante, das estradas incríveis, do silêncio e da paz, existem muitas coisas interessantes na Noruega, que abordarei no próximo capítulo.

 

 

sexta-feira, 29 de abril de 2022

Pequenas felicidades e a terceira idade

 

                Existem vários exemplos de pequenas felicidades que podemos ter, a cada dia e a cada hora. Como chegar em casa e calçar um sapato velho, passear com o cachorro, rir com os netos, comer goiabada com queijo ou pão quentinho com manteiga. Acordar de manhã e ver que pode dormir mais um pouco. A alegria quando o avião pousa, quando um amigo se cura, quando o médico diz que foi só um susto, quando rola um beijo, quando o abraço aperta, quando se encontra dinheiro esquecido no bolso, quando o bebê ri. Ou então o cheiro do mato molhado ou do café fresquinho; uma foto antiga no álbum, o banho gostoso no verão quente.

                Acontece que as pequenas felicidades mudam de acordo com a época da vida. Por exemplo, como estou na terceira idade (melhor idade?), fico feliz demais quando tropeço, quase caio, mas não caio! Evito assim esborrachar o rosto no chão, quebrar a perna , quebrar o braço, quebrar a cabeça do fêmur. Fico feliz também quando encontro os óculos perdidos. Ou encontro as chaves do carro,  esquecidas ou perdidas em algum canto. Aliás, tem até aquela  piada sobre esquecimento de chaves e envelhecimento.  Uma mulher  procurava a chave do carro, na bolsa, depois de umas compras no shopping. Não estava lá. Voltou nas lojas e nada. Concluiu que tinha deixado a chave na ignição do carro. O marido vivia brigando com ela para não fazer isso, pois o carro seria roubado. Mas ela achava que era o melhor lugar para não perdê-la. Correu ao estacionamento e o carro não estava lá! O marido estava certo, o carro tinha sido roubado! Ela chamou a polícia, deu todas as informações e fez a chamada mais difícil da sua vida, para o marido. Começou falando "Amooor", pois sempre falava assim em situações difíceis. Explicou toda a situação. Houve um grande silêncio do outro lado e depois um berro do marido: "-Eu deixei você no shopping!!" Envergonhada e feliz, ela pediu baixinho para  ele ir buscá-la . E ele, nervoso: "Eu vou, assim que convencer este policial que não roubei seu carro!"

                Outra pequena felicidade, em qualquer idade, é quando a dor passa. Dor de dente, de ouvido, de coluna, de joelho, de cabeça, de barriga, no nervo ciático-dor de cotovelo também. Mas na terceira idade essa felicidade é maior, pois é aquela idade em que tudo dói e o que não doi, não funciona. Dia desses mesmo, estava eu sofrendo com dores no nervo ciático. Fui mancando até o Banco do Brasil, pertinho de casa, sonhando com uma muleta ou uma bengala.  Sentei-me na primeira cadeira que encontrei , depois de pegar a senha preferencial (ao menos isso). Na frente, um cartaz com os desenhos explicando quem era preferencial. No "idoso acima de 60 anos", um homenzinho curvado, com uma bengala e a mãozinha na cintura como se estivesse sentindo dor. Ô raiva, igualzinho eu!

                Também são pequenas felicidades: apreciar o belo, ouvir e cantar lindas canções, ler textos bonitos. Como o texto do Padre Fábio de Melo, "A inutilidade e o amor". Ele escreve que muitas vezes a gente acha que o outro gosta da gente, mas não. Ele está é interessado naquilo que a gente faz por ele. Por isso a velhice é esse tempo em que a utilidade passa e aí fica só o seu significado como pessoa. Ele afirma que deseja ter alguém que olhe para ele sabendo que ele não servirá para muita coisa, mas que continuará tendo seu valor. Acrescenta que deseja ter a graça, ao final da vida, de ser olhado nos olhos e ouvir do outro: -"Você não serve para nada, mas eu não sei viver sem você!"

                 Essa graça, todos nós desejamos.

 

 

 

segunda-feira, 21 de março de 2022

Sonhos, desvios, mala vermelha e onça



Cookie com os espinhos

Sede da fazenda

            Como já escrevi, estou tentando organizar e manter uma fazendinha, a Ouro Verde, nas proximidades de Pirapora. O verde é sua riqueza: possui belas árvores do cerrado e vegetação conservada na beira do rio. Quero deixá-la de herança para as três netinhas, para a posteridade. Talvez fazer uma casinha para brincarmos, na majestosa árvore de tamboril ao lado da casa. Fazer trilhas ecológicas com as crianças das pequenas cidades próximas. Formar um centro de estudos do cerrado para alunos de Biologia. Organizar um retiro para velhinhos que gostam de pescar e que poderiam ajudar nas trilhas ecológicas. Mas a primeira coisa a levar, nesse último caso, seria um desfibrilador...De qualquer forma, sonhar é preciso. E não basta ter apenas um sonho, é preciso ter vários. 

            Acontece que, entre o sonho e a realidade, existe uma grande diferença. Por exemplo, as dificuldades já começam com a viagem para chegar até lá. Geralmente, vou de carona com o filho que tem uma fazenda por perto.  Na última, em fevereiro, fomos os três filhos, eu, a minha cachorrinha e a perdigueira Dama, no carro Kia Mohave ( que tem costume de estragar no caminho e voltar de guincho). A viagem deveria ser de 5h. Durou 7h e dormimos em um hotelzinho na beira da estrada, para continuar mais 2h no dia seguinte. A ponte estava interditada nas proximidades de Patos de Minas e tivemos que entrar no desvio, uma estradinha de terra. Barro, chuva, escuridão e carros voltando. As pessoas avisavam que só caminhão grande passava na lagoa onde o rio transbordou. Chegando lá, observamos os caminhões imensos e carregados atravessando , as rodas afundando. O filho disse que dava para "ir no vácuo" de um caminhão. Eu não queria ir. Mas, como ficar por lá, sozinha em cima do barranco, na chuva, perdida na noite escura? Fomos. O carro conseguiu sair do outro lado da lagoa, mas passou a fazer um barulho esquisito, de lataria solta. Na volta, saímos às 5h da manhã. Logo depois, na primeira curva da estradinha de terra da fazenda, o pneu do carro caiu em uma cratera feita pela enxurrada.  Mas não quebrou e lá fomos. Pegamos o desvio novamente e , de súbito, o carro travou. Não andava. Estávamos perto de Serra do Salitre e não tinha sinal de celular. A solução foi  pegar carona para a cidade e chamar um guincho. Os três filhos foram pra estrada pedir carona, mas ninguém parou. Peguei minha cachorrinha no colo ( ela charmosa, com lacinho) e fiz o sinal característico. O primeiro carro parou e entrei com um filho. Era um senhor simpático com a filha, que fazia medicina em Divinópolis. Ficaram felizes em nos ajudar e nós, mais ainda. Deixaram-nos no centro da cidade, agradecemos e o filho  desceu do carro, puxando com força a mala vermelha que estava perto de sua perna, presa entre o assento da frente e o banco de trás. Saiu empurrando-a pela calçada rapidamente,  atrás de um táxi velho que tinha virado a esquina. A moça, a estudante de medicina, olhava boquiaberta. Eu também, pois não sabia que ele tinha uma mala vermelha. A moça, constrangida, conseguiu falar que a mala era dela! Ele desculpou-se, sem jeito, explicando que ia chamar o táxi e automaticamente já pegou a mala. Foi um quase roubo. Depois, ele ligou para o motorista do guincho, explicando onde o carro estava e descrevendo a cor do Kia como dourada. Eu disse que o Kia era prateado, que o motorista não iria encontrar um Kia dourado. Daí ele explicou-me que fazia confusão com as cores, pois era daltônico. O pior é que ele é daltônico mesmo e, sinceramente, não sei como ele enxerga a cor do carro...Enfim, nós dois viemos 4h de taxi, com o motorista ouvindo jogo de futebol a toda altura, e chegamos no final da festa de 70 anos do sogro do meu filho. Os outros dois , a cachorrinha e a Dama vieram em cima do caminhão guincho e chegaram à noitinha em Uberlândia.

            Bom, se fosse só a viagem, tudo bem. Mas lá na Ouro Verde acontece cada uma... Isso, sem considerar que tudo que precisa ter em uma fazenda, lá ainda não tem. E o que tem, estraga diariamente. E mesmo tendo só uma vaca, um bezerro, um cachorro e um cavalo, tem muita emoção. Por exemplo, o Cookie, o cachorro perdigueiro, literalmente enfiou o nariz onde não era chamado. Atacou um porco espinho. Ficou de dar pena. O caseiro teve que levá-lo às pressas para o veterinário, que tirou mais de duzentos espinhos da boca, focinho e lingua. Não morreu, mas ficou tristinho, tristinho.  Agora, tem uma onça pintada imensa andando por lá, deixando pegadas pra todo lado. Atacou o bezerro de um vizinho e comeu só a metade, deixou a presa ainda viva. Comeu um veado pertinho da minha casa, o crânio ficou no meio do mato (decerto a próxima vítima serei eu). Andou em volta da casa do vizinho, que mora sozinho e ficou apavorado. O ajudante do meu caseiro, que estava fazendo cerca, foi tirar uns galhos e viu a onça deitada. Correu como louco e ficou branquinho. Ah, e o Canarinho, coitado! Aquele cavalo que vivia fugindo. Está por lá, mas não dorme mais, tem que deixar as luzes das varandas acesas à noite e ele só fica perto da casa.

            Já avisei ao caseiro que não pode matar a onça, o espaço é dela, nós é que somos os invasores. Mas com certeza agora ele vai embora e o Canarinho deverá arranjar outro plano mirabolante de fuga.