A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Conversando com estátuas




       Gosto de estátuas de bronze, dessas sentadas em um banquinho, onde se pode sentar, abraçar a estátua, sorrir e tirar uma foto. E ás vezes, conversar com ela.      
      No Rio tem uma assim, do poeta Drummond, na Avenida Atlântica. Ele passa o dia com pessoas sentadas ao seu lado, tirando fotos e tentando arrancar seus óculos. Ruy Castro, colunista da Folha de São Paulo, na crônica “Papo com a estátua”, conta que observou duas pessoas com uma relação especial com essa estátua. O primeiro sujeito chega bem cedo e bate profundos papos com o poeta. Não se sabe o que fala, mas deve ser importante, porque dá para vê-lo gesticulando ou se inclinado sobre Drummond, como que para ouvi-lo melhor. Lógico, se ele fala com Drummond, porque Drummond não falaria com ele? Já o outro amigão do poeta chega ao anoitecer, quando está esfriando. Tira o casaco ou o que for e joga sobre os ombros de Drummond, para agasalhá-lo. Quando chove, abre um guarda-chuva e protege o poeta. E deve sofrer quando chove em outras horas e não pode cobri-lo.
      Aqui em Uberlândia não tem uma estátua assim, que inspire conversas ou cuidados. Poderia ter talvez uma do Rondon Pacheco, sentadinho num banco na Tubal Vilela. Ele é uma pessoa simpática, eu iria conversar com ele. Mas só tem uma cabeçorra do Juscelino Kubitschek, muito sisudo, olhando fixamente pra frente, não dá nem pra tirar fotos sorrindo ao seu lado.
      Felizmente, em minhas andanças pelo mundo, encontrei duas estátuas de bronze que inspiravam aconchego. A primeira, em Boston, de um senhor simpático, de meia idade, feições fortes, com terno e gravata amassados, segurando dois tubinhos, sentado em um banco comprido onde havia uma bola de basquete embaixo. Não sei quem era, mas causava simpatia e curiosidade. Tirei uma foto sorridente sentada ao seu lado, de braços dados com ele e com o meu filho que morava em Boston.
      A outra estátua, uma das mais famosas de Portugal, encontrei em Lisboa, na região do Chiado, na conhecida cafeteria “A Brasileira”. Lá estava, não em carne e osso, mas em bronze, o poeta português Fernando Pessoa, que foi freqüentador assíduo desse café. Ele tinha um semblante tranqüilo, um pouco sério, magro, com as pernas cruzadas, de terno apertado e gravata borboleta, chapéu tipo Panamá, de bigodinho, óculos redondos e pequenos, sentadinho em uma mesa onde apoiava uma das mãos. Dezenas de pessoas vão diariamente ao local, tirar fotos com ele: fazem poses enlaçando seu pescoço frio, sentadas na cadeira ao seu lado, pegando em sua mão, olhando para o poeta intrigados ou com admiração. E ele ali, impassível, curtindo a movimentação em torno da sua pessoa de bronze.
 Tirei uma foto abraçada com ele, feliz de documentar para a posteridade a minha presença ao lado de um poeta capaz de escrever versos tão singelos como:” eu tenho um colar de pérolas, enfiado para te dar: as pérolas são os meus beijos, o fio é o meu penar”. Ou então: “Tens uns brincos sem valia, e um lenço que não é nada, mas quem dera ter o dia, de quem és a madrugada”. E outros profundos como: “não sei quantas almas tenho, cada momento mudei; continuamente me estranho, nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma, quem vê é só o que vê, quem sente não é o que é.”
Pois é, Fernando, se eu morasse em Lisboa, iria sempre conversar com você, tiraria meu casaco para protegê-lo do frio e abriria o guarda-chuvas quando chovesse.