A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sábado, 24 de fevereiro de 2024

O ano 2100



                                             

                Fiquei pensativa ao ler  algumas reportagens  do jornal Folha de São Paulo, enfocando aquecimento global, avanços da Ciência, corrida à lua, inteligência artificial...Daí, fiquei pensando que tipo de mundo teremos no ano 2.100.

                Por exemplo, o físico Alexandre Araújo, doutor em Ciências Atmosféricas pela Universidade do Colorado, escreveu um extenso artigo sobre o aquecimento global e as ondas de calor que aconteceram no final de 2023. Tem um trecho assim: -"Você pode imaginar que num mundo 4 °C mais quente, vários pontos do Brasil chegariam a 50 °C. Nenhum dos nossos biomas resiste a isso. Nem a caatinga. Olha, está feio. É duro, porque a gente avisou tanto. Faz 20 anos que não faço outra coisa". Outro artigo, intitulado "Vêm aí os furacões força 6", de Marcelo Leite, jornalista de ciência e ambiente, alerta que os superfuracões serão cada vez mais frequentes e devastadores, pois a força deles está diretamente relacionada com a temperatura na superfície do mar, o seu combustível.  E Hélio Schwartsman, cronista , comentando a obra "The  Earth Transformed", descreve o fenômeno " El Niño" e  como o clima sempre foi personagem central da história humana. Afirma que dinâmicas ecológicas já extinguiram vários grupos e civilizações. Só sobraram os que souberam adaptar-se... E  teremos muito trabalho nas próximas décadas.

                Já o artigo "Saúde muda projeção e diz que país pode ter 4,2 milhões de casos da doença" ,  alerta que podemos ter quase três vezes mais casos de dengue em 2024 do que em 2023. As altas temperaturas têm contribuído para a proliferação do mosquito e também as chuvas torrenciais que causam alagamentos (é importante lembrar que uma única tampinha de refrigerante com água é um ótimo criadouro para a fêmea).

                Além de textos,  há imagens impressionantes nesse jornal. Uma do rio Solimões, seco e com enormes bancos de areia devido à seca histórica que aconteceu no Amazonas no final de 2023, é de cortar o coração. Na legenda, explica-se que a crise hídrica é fruto do descaso com a natureza e o planeta.

                Com tudo isso acontecendo, tem gente  que não quer ter filhos . Michael Kepp, jornalista ambiental norte-americano radicado no Brasil, escreveu "Procriar num planeta a caminho do colapso?" Explica que um bebê nascido hoje, quando já tiver envelhecido, em 2100, estará em um mundo onde o derretimento do gelo polar e glacial terá causado a subida do nível dos oceanos, que inundarão cidades costeiras; e o aquecimento global terá transformado grande parte do mundo em  deserto, reduzindo o abastecimento de alimentos e água, conforme alertam os cientistas do clima. Ou seja, os que nascerem hoje poderão sofrer muito. Ele, o Michael , afirma que não quer ter filhos, a criança poderia perguntar:-"Pai, já que não pedi pra nascer e você sabia que este mundo se tornaria cada vez mais inabitável, por que me colocou neste planeta infernal?"

                Concordo que teremos que nos adaptar e que teremos muito trabalho pela frente. Como disse Charles Darwin, "não é o mais forte que sobrevive, nem o mais inteligente, mas sim o que melhor se adapta". Para isso, trabalhos de conscientização serão fundamentais,   desde atitudes individuais como apagar as luzes e tomar banhos menos demorados, até políticas globais  para salvar o planeta. E ao lado disso, o progresso da Ciência será imprescindível .  Como no artigo  "Indonésia tem desafio de cortar carvão." O país, um dos mais populosos do mundo,  é o terceiro maior produtor mundial de carvão e abriga uma das maiores florestas tropicais do planeta. Os três candidatos à presidência na próxima eleição mencionam explicitamente a necessidade de eliminação progressiva do carvão, para preservar as florestas. Precisam da Ciência para saber como fazer a transição energética e ao mesmo tempo salvar a floresta. Outro artigo,  "Usina solar flutuante em SP deve por país entre gigantes", aborda a construção de usina fotovoltaica  na represa Billings, demonstrando a busca  de métodos mais eficientes na geração de energia limpa.

                Felizmente, ao mesmo tempo que espécies entram na lista de extinção, há cientistas, estudiosos e ambientalistas  fazendo o que podem para salvar muitas delas. Por exemplo, no artigo "Em saga por coral de proveta, lua nova vira hora de caça a sêmen". O autor descreve o trabalho árduo da equipe de cientistas para coletar óvulos e espermatozoides do coral Mussismilia harttii,  ameaçado de extinção, que se reproduz nas noites de lua nova apenas de setembro a novembro. Realizam a fecundação "in vitro" e já criaram o primeiro banco de sêmen de corais. Enquanto isso, outros se debruçam nos animais do passado para entender os animais do presente. No artigo "Pele fossilizada com 290 milhões de anos é encontrada nos EUA" , descreve-se que foi encontrado um fragmento de pele fossilizado menor que uma unha dos dedos da mão. Além de conseguirem datar esse fóssil, os paleontólogos consideraram que é uma pele típica de jacarés e crocodilos.  E que tudo indica que foi a partir de estruturas como as encontradas nessa pele fossilizada,  que a evolução trabalhou para produzir as demais estruturas da epiderme dos vertebrados, como o pêlo dos mamíferos e penas das aves.

                Bem, com tanto avanço na Ciência e com tantos países estabelecendo metas para reduzir o aquecimento global, talvez nem tudo esteja perdido.  E se tudo der errado, que Deus proteja os terráqueos em 2.100. Que, aliás, em 2100, poderão ter se transformado em lunáticos. Conforme o artigo "Corrida à lua e Starship marcam ano espacial", uma intensa corrida pela Lua e uma temporada dedicada aos asteroides marcaram 2023 na exploração espacial. O veículo Starship, da SpaceX, empresa de Elon Musk, foi escolhido pela NASA para levar tripulações à superfície da lua. Ainda há muito o que fazer, mas penso que até 2100  estarão circulando como ônibus...

                 E se não der certo na Lua, no artigo "Lua de Saturno abriga oceano propício ao surgimento de Vida", relata-se que Mimas, uma pequena lua de Saturno, possui água líquida abaixo da sua camada de gelo. Os astrônomos concluíram que Mimas reúne todas as condições para a habitabilidade. Assim, podemos ir para lá também. Aliás, eu não! Em 2100 estarei debaixo da terra. Ou no céu, não sei.

 


 

 

               

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

sexta-feira, 17 de novembro de 2023

Paixões sertanejas


                                       

            Não entendo muito de música (gostaria) e o sertanejo não é meu gênero musical predileto.  Mas  não há como negar que as letras das músicas sertanejas são demais:  criativas,  singelas, originais, nostálgicas. Algumas muito divertidas, outras de muita sabedoria, outras cantando as belezas da natureza, outras tratando dos relacionamentos amorosos. Essas últimas são as mais interessantes, tem paixão pra todo gosto.

            Por exemplo, há um grupo de músicas sertanejas em que o apaixonado está bem com sua amada e ela é tudo pra ele.  Como Zezé de Camargo e Luciano cantando "eu não vou negar que sou louco por você, meu doce mel, meu pedacinho do céu, minha doce amada, minha alegria". E esse amor pode ser bastante  fogoso, como cantam Christian e Ralf: "esse amor molhado faz tudo acontecer, você me deixa atiçado, pra te mais prazer, eu cubro com espumas o teu corpo nú". Ou Gian e Giovani: "se a gente se ama, porque não se enrosca, s'imbora, vamos lá pra cama, estamos no clima". Ou Bruno e Marrone, em  "24 h de amor": "e de repente vi você sair com a toalha no seu corpo e se agarrar a mim como nos velhos tempos de um amor tão louco" . Também Chitãozinho e Xororó exaltam esse amor ardente: " minha amada amante, você me enlaça, me enrosca, me amassa, me atiça, me inflama, me abraça e me ama". E tem alguns que ficam juntos, mas sempre brigando: "entre tapas e beijos, morro de amor por ela, eu sou dela e ela é minha, é ódio e desejo, eu saio pra fora, ela me chama pra trás", como cantado por Leonardo. Ah, e tem músicas que o amado faz de tudo pra ficar com a amada. Felipe e Falcão cantam assim: "deixa eu te amar por favor, você pode impor o seu jeito de amar que eu aceito". E Teodoro e Sampaio: "quero alugar uma casa pra poder morar com ela, dizem que ela não presta, não me interessa, eu só gosto dela."

            Em outro grupo, classifiquei as músicas nas quais os dois amantes não estão mais juntos. Alguns ainda têm esperança,  como o Roupa Nova cantando: " volta pra mim, eu te amo e vou gritar pra todo mundo ouvir, sou menino e seu amor é que me faz crescer, esta paixão é meu mundo ". Zezé de Camargo e Luciano também : "aonde você foi parar, aonde a vida te levou, quando você vai voltar, pra ser de novo o meu amor?"  Mas há aqueles que sofrem muito e se apegam a pequenas coisas da amada, que já era, coitados.  Como Chitãozinho e Xororó : "um fio de cabelo no meu paletó, aquele fio de cabelo comprido já esteve grudado no nosso suor'".  E  Teodoro e Sampaio : "meu bem, eu queria que você voltasse, ao menos para buscar uns objetos que você não levou, um batom usado, um vestido velho, o vestido de seda que não tem mais valor". Tentam esquecer a amada, mas não conseguem . João Mineiro e Marciano cantam assim: " se eu não puder te esquecer, mando avisar que o velho amor acordou, esquecer é difícil demais, ninguém é capaz, se amou um pouquinho". Alguns reagem e entram em fúria : "esqueça o meu telefone e não ligue mais porque estou cansado de ser remédio para curar o seu tédio; decidi o meu telefone  cortar, telefone mudo não pode falar" , como na música do Trio Parada Dura . Outros partem para o xingamento: " você abusou demais, já não temos condições de continuar, vá pro inferno com seu amor, você não me amou", do Chitãozinho e Xororó. E tem aquele que chega ao extremo: mata a amada , vai pra prisão  e fica  conversando com o ipê florido que vê atrás das grades: "ela me abraçava, depois me traía, por isso a matei; agora minhas noites não têm aurora" , como cantado  por Liu e Léo.

            Nesse mesmo grupo da separação , tem amante abandonado que parte pra bebedeira. Como Teodoro e Sampaio: " antes de perder você eu não chorava e não sofria, agora bebo e sou fumante, se não conseguir esquecer, amanhã bebo de novo." E Jorge e Mateus : "oh, vida amargurada, oh, que saudades dela, não aguento mais, vou lá na vendinha, vou tomar um pingão". Na música "Boate Azul", o amado entristecido vai procurar outro amor para esquecer o que perdeu, mas se embriaga: "eu bebi demais e não consigo lembrar sequer qual o nome daquela mulher"  Já outros ficam sonhando em banco de praça, como na música de Bruno e Marrone:  "seu guarda, eu não sou vagabundo, eu não sou delinquente, sou um cara carente, eu dormi na praça pensando nela." Ou sonham em casa mesmo: "minhas lágrimas molharam a fronha do meu travesseiro, amor como é triste acordar e não te ver", de Milionário e José Rico. E tem aqueles que deixam claro que nunca, nunca mesmo, vão esquecer a amada: "você me pede na carta que eu desapareça, posso fazer sua vontade, mas esquecer é tempo perdido, ainda ontem chorei de saudades", de João Mineiro e Marciano .

E o ciúme, meu Deus? Tem muitos ciumentos sofredores. Como na música de Almir Rogério: "meu Deus do céu, diga que isso é mentira, se for verdade esclareça por favor, daí a pouco eu mesmo vi o fuscão, e os dois juntos se desmanchando de amor". E o Trio Parada Dura : "esta é a última vez que lhe vejo, não vou nem lhe pedir um beijo, não precisa virar o rosto , sei que no seu coração tem outro" .

            No último grupo, tem as músicas divertidas. Por exemplo, quando o amado "tá nem aí" para o que as pessoas pensam: "tô de namoro com uma moça solteirona, os parentes criticando, não me interessa se ela é coroa, panela velha é que faz comida boa", do Sérgio Reis. Também tem aqueles que contam vantagem , como Gino e Geno: "mulher bonita e gostosa, nóis ganha é de montão, de bobo nóis não tem nada, só a cara de coitado, nóis é bravo e bom de cama, nóis se finge de leitão, pra poder mamar deitado."

            Bem, depois dessa, vou parando por aqui. Mas que os amores e desamores retratados nas músicas sertanejas dariam um livro bem grosso, lá isso daria.

 


quinta-feira, 9 de novembro de 2023

Ao rufar dos tambores




                               

            No domingo, oito de outubro, Uberlândia  encheu-se de cores, de música , de dança e de rufar de tambores. De todos os cantos da cidade chegaram , na Praça Rui Barbosa, os ternos do Congado, uma festa de origem africana. Um ritual do povo negro em homenagem à Nossa Senhora do Rosário e aos santos negros, São Benedito e Santa Efigênia.

            Das janelas do meu apartamento, eu assisti tudo. A Banda Municipal iniciou as comemorações e os ternos desceram pela Avenida Floriano Peixoto. Quando chegavam na praça em frente à igreja do Rosário, acontecia o apogeu das danças, dos cantos e do rufar dos tambores, na apresentação para a imagem de Nossa Senhora do Rosário, cercada de flores.

             Foi tudo bem organizado e de acordo com a tradição  das raízes do Congado.   Cada terno tem os seus componentes, a sua vestimenta, o seu canto, o rei , a rainha, as princesas, o capitão. E anjinhos também. O terno vai devagar, cadenciado, tocando e dançando em louvor à santa. O tipo de movimento e de dança é sempre o mesmo: saltitante, marcada pela ginga e pelo cruzamento de pernas e de pés. A direção é  horizontal, com deslocamentos laterais, dois passos pra lá, dois pra cá, certinhos. O capitão, que é o líder,  vai na frente, cantando os versos e os demais respondem em coro. Os cantos são destinados a tirar o grupo da ação das forças ruins e a invocar a proteção de Nossa Senhora. Falam dos sofrimentos da escravidão, dos lamentos de um povo arrancado de sua terra. Ao mesmo tempo que  invocam os santos e as forças do alto, também são cantos de redenção , de esperança de uma vida melhor. São espontâneos, curtos e singelos, como alguns exemplos de cantos do Congado que encontrei na internet: "trabalha nêgo, trabalha direito, a Senhora do Rosário merece o nosso respeito";  "ora viva, cai sereno, na aba do meu chapéu, a bandeira hoje ela sobe, pra ficar perto do céu; " ô viva nosso rosário, ô viva São Benedito, eu danço este reinado, danço porque acredito". Também há cantos de gratidão à Princesa Isabel, pela libertação dos escravos: " no tempo do cativeiro, preto não tinha valor, salve a Princesa Isabel, que o preto libertou". "no dia 13 de maio, eu amarrado na corrente, veio Princesa Isabel, nêgo véio libertou, foi Nossa Senhora, que esse nego véio salvou."

            Assim, cantando , dançando, tocando tambores, tamborins , cuícas, pandeiros e  as latinhas amarradas nas pernas dos homens, devagar os ternos iam passando. Os tambores soando alto na rua, invocando de um modo africano e selvagem, os santos católicos e a coroação dos reis congos. Os ternos do Congado são divididos em  grupos distintos, como os guardas de Congo, que se vestem de verde e de rosa, significando o caminho para a Senhora passar, com galhos verdes e flores. E os do grupo de Moçambique, que se vestem com as cores de Nossa Senhora, azul e branco. Passam cada um com sua bandeira colorida, enfeitada de fitas e bordados. Com o nome do terno de um lado e do outro, de N.S. do Rosário, São Benedito ou Santa Efigênia, lembrando a proteção que estes santos deram aos escravos negros. Carregadas por moças bonitas que rodavam a bandeira sem parar e sem cansar. Bandeiras com fitas grandes seguradas nas pontas por mulheres com vestidos rodados e confortáveis, e com sandálias brancas novas, dançando sem parar. Com tranças verdadeiras e tranças falsas. Muitas crianças pequenas, vestidas com esmero, com as cores do terno. Algumas carregavam e tocavam tambor, outras dançavam com habilidade e faziam acrobacias.  Os homens, com chapéus e capas enfeitados de contas, miçangas, franjas e bordados, um luxo só. Alguns de branco impecável, outros com cores vivas e brilhantes. Cores e mais cores (e também suor e mais suor, pois estava um calor escaldante, mais de 30 graus). Levavam cajado, bastão ou espada, que são elementos materiais, investidos de magia,  que funcionam como fetiche, centralizando o poder e a força sobrenatural. Colocavam o cajado com a ponta no chão e dançavam em volta, em círculo e curvados.  Mulheres com vestidos enfeitados com rendas, crochê, bordados.  Com passinhos pra lá e pra cá, na cadência da música, tudo bem ensaiado. Cabelos enfeitados ou com panos enrolados. Algumas com criança de colo, outras amamentando o bebê vestido com a roupa igual a da mãe.  Tinha cadeirante e muitos idosos ágeis, que cantavam com entusiasmo  e faziam acrobacias com o tambor. Ah, os tambores! Grandes, médios, pequenos, tocados com vigor e no mesmo ritmo o dia todo: tá-tá-tum, tá-tá-tum (á noite, mesmo depois que todos se foram, os tambores continuaram retumbando na minha cabeça).  Algumas pessoas ajoelhavam com o tambor e choravam na frente da Santa, que decerto consolava cada um deles. Ela, Nossa Senhora do Rosário, deve ter ficado feliz com tanta demonstração de fé, alegria e empolgação. Ouvi bem um terno cantando com estardalhaço: "Adeus Nossa Senhora, estou indo embora", muitas e muitas vezes. E depois se foi, dobrando a esquina. Os reis e rainhas dos ternos eram mesmo majestosos, com capas pesadas de veludo enfeitadas de dourado e coroas enormes e pesadas, lembrando a opulência dos reis africanos.  Novos reis e rainhas são coroados a cada ano, no final da festa. Existe também o rei e a rainha vitalícios. Segundo o porteiro do meu prédio, que é capitão do terno Amarelo Ouro, situado no Bairro Santa Mônica, os reis vitalícios são o casal D. Darci e o Sr. Zé do cinema. Vi os dois sentados durante a festa ao lado da imagem da Santa, majestosos em suas vestimentas. Curiosa, perguntei ao capitão do terno Amarelo Ouro qual era o canto deles: "dormi a noite no sereno da madrugada, sou amarelo ouro com amor, felicidade é de ouro , é de prata, a Mamãe do Rosário também é de ouro"; "rei, cadê a rainha, rainha, cadê o rei, nós viemos visitar, a rainha do nosso rei"; "na gaiola tem um canarinho, na gaiola tem um sabiá, só eu, só eu, só eu que não sei cantar". Achei lindo...

            Além do desfile dos ternos, teve hasteamento de bandeiras, procissão com as imagens de Nossa Senhora do Rosário e de São Benedito; missa com o Padre Fábio; coroação dos reis e rainhas para o próximo ano. E no entorno da praça via-se de tudo: barraquinhas de cachorro quente, churrasquinhos e bebidas, muita bebida; pessoas embriagadas fazendo algazarras ou caídas no chão; anjinhos sentados, cansados e segurando as asinhas; princesas com coroas e vestidos brancos descalças e carregando as sandálias; homens com carrinhos catando latinhas; público cantando e dançando junto com os ternos; crianças brincando com os tambores; grupos fazendo pose para fotos. E lixo, muito lixo, de dar tristeza. Enfim, tudo entrelaçado: a festa, a fé, a alegria das cores, a bebida, a tradição do ritual africano, o rufar dos tambores, a despedida para o próximo ano.

            Que Nossa Senhora do Rosário e São Benedito abençoem a todos.  Até o próximo ano, se Deus quiser.

         

quinta-feira, 31 de agosto de 2023

Banho de floresta e a casinha na árvore



              

            Fiquei encantada com uma entrevista publicada em julho agora, na Folha de São Paulo. O entrevistado é Marco Aurélio Carvalho, 63 anos, psicólogo clínico , presidente da Sociedade Internacional de Ecopsicologia, doutorado em Desenvolvimento Sustentável pela UnB, entre outros títulos. Mas o que gostei mesmo foi dele atuar como professor de terapia do banho de floresta. E de descobrir que penso como ele, que é uma pessoa tão culta e qualificada.

            Em uma longa entrevista, ele explica que o banho de floresta é uma terapia já muito difundida no serviço público de saúde do Japão, chamada "shinrin-yoku", e pouco conhecida do lado de cá. A prática é muito simples: caminhar em meio á natureza e contemplá-la. Os benefícios se mostram grandes, conforme estudos realizados. Cita vários deles, como a pesquisa realizada pela Universidade de Stanford, que revelou que as árvores têm efeito sobre o nosso cérebro, inclusive em regiões associadas à depressão, ou seja, o contato com árvores é um antidepressivo. Mesmo uma só árvore já provoca um efeito restaurador importante no organismo. Por exemplo, na ampliação da atividade do sistema nervoso parassimpático, nas reações de relaxamento, na regulação da pressão arterial e dos batimentos cardíacos.

            Continuando, Marco Aurélio explica  que um grupo de pesquisadores e ativistas  está trabalhando  para que o poder público seja estimulado, pelas evidências científicas, a gerar políticas públicas na área de medicina preventiva. Por exemplo, o Sistema Único de Saúde-SUS poderia oferecer banho de floresta como parte das suas práticas integrativas e complementares de saúde. Conta que o Instituto Brasileiro de Ecopsicologia - dirigido por ele- e a Fiocruz, assinaram uma parceria para a pesquisa da prática do banho de floresta nos biomas brasileiros: na mata atlântica, na floresta amazônica, no pampa, no cerrado.

            Assim, lendo a entrevista, entendi melhor porque gosto tanto de árvores e porque sinto falta delas. Boa parte do meu mestrado e doutorado, sobre a interação abelha-planta, passei caminhando debaixo das árvores do cerrado e foi muito bom.  Sempre fiz caminhadas debaixo de árvores, sentia essa necessidade, e tomava banho de floresta sem saber.

            Mas o apogeu  mesmo foi a minha casinha na árvore. A realização de um sonho.  Simples, singela, de madeira de eucalipto, com uma porta, duas janelas, uma varandinha. Na frondosa e forte árvore de baru, bem em frente à varanda da sede da fazenda. Um local de paz e beleza, de onde se avista o por do sol nas montanhas ao longe, as árvores do cerrado , os pastos verdinhos, as vacas com os bezerros. O cheiro do mato. O vento nas folhas. As cores e as nuvens do céu. Onde se sente a harmonia de tudo que Deus criou pra gente e se faz uma prece silenciosa de gratidão.

            Enfim, estou pensando em convidar os pesquisadores do instituto do Marco Aurélio para realizarem as pesquisas sobre a eficácia do banho de floresta no bioma cerrado, lá na minha fazenda. E oferecer a casinha na árvore para eles descansarem, contemplar a natureza e acabar com o estresse. Indo um pouco mais longe, quem sabe unimos tudo e realizo outro sonho: fazer trilhas ecológicas com as crianças dos povoados vizinhos entre as árvores do cerrado, o que na verdade é um banho de floresta. Até já tenho uma equipe que se dispôs a ajudar, mas somos todos velhinhos, inclusive eu, e vamos precisar de um desfibrilador...

            Sonhar é bom, ainda mais com as árvores por perto. Aproveitando, 21 de setembro é o dia da árvore;  parabéns e vida longa para elas.  


 

quinta-feira, 17 de agosto de 2023

O sumiço do Príncipe Houdini

                                                      

                                                      Príncipe Houdini com um ano e meio
                        O boizinho                                                                O Aladin (o maior)
                                                      O Sansão

                      

                Como já contei anteriormente, tenho uma fazenda nas proximidades de Pirapora. Não dá lucro nenhum, só despesas. Mas é uma fonte íncrivel de histórias para contar, todas baseadas em fatos reais, como a que se segue.

                Eu tenho algumas vacas e precisava de um boi. Depois da morte do Diamante, o boi bonito e caro que comprei e que morreu uma semana depois da compra por ingestão de ervas venenosas, tive que tomar uma decisão. Resolvi deixar o Príncipe Houdini, um bezerro nelore puro, filho da Daisy ( a vaca de estimação da minha neta, a Lia)  crescer e ser o reprodutor e pai de todos os bezerrinhos que nascessem por lá. Ele fará dois anos em 05/09/23. Tem o sobrenome de Houdini , o maior mágico de todos os tempos, por causa do nascimento dele, que foi um espanto e ninguém esperava (mas o sumiço foi mais espantoso ainda).

                Acontece que resolvi colocar um brinco amarelo de identificação com o número e nome de cada vaca e bezerro na orelha deles, para ter um controle melhor. E também fazer uma ficha de cada um. Por exemplo, na ficha da Castanha escrevi: "Número 2. Escura, comprada do vizinho em março/22, já prenha. Chifruda, bate nas outras vacas. Deve dar á luz em set/ ou outubro /22. Sem raça boa, vender quando puder. Observação 1: Ficou bonita depois. Serramos o chifre dela. Bezerro Aladin nasceu em 5/9/22. Grande, branco, mancha na testa, primeiro bezerro nascido na fazenda. Obs 2. Entrou no cio em final de outubro, mas não tinha boi. Obs 3: Cruzou com o boi emprestado do vizinho em julho 23."

                É assim, tudo organizado. Por isso, certa vez quando fui na fazenda e era outro o funcionário encarregado, escrevi em três brincos o nome dos bezerros maiores e pedi para ele colocar: Príncipe Houdini, Ouro Verde e Aladin. Hoje, o Aladin, o filho da Castanha, está com 11 meses. O Ouro Verde é um boizinho de dois anos e oito meses,  filho da Mixirica, uma vaca sem raça, mas uma mãe dedicada. O pai é desconhecido, provavelmente um boi gabiru. E o Príncipe faz dois anos em setembro.

                Acontece que semana passada fui na fazenda e como sempre, fui conferir o rebanho no curral. Vi um boizinho com o brinco amarelo escrito "Aladin". O encarregado da fazenda ( é outro, não é o que colocou os brincos), disse que aquele era o reprodutor e  já estava cobrindo as vacas. Completou que não sabia como eu deixei um boi tão ruim para reprodutor, um boi gabiru, feio, sem raça, de cabeça larga e corpo curto. Argumentei que o reprodutor que deixei era bom, um nelore puro, o Príncipe. E que aquele também não era o Aladin. Procurado, lá estava o Aladin, sem nenhum brinco e correndo feliz em volta da Castanha. Céus, o que tinha acontecido? Como o Príncipe virou o Aladin? Ou melhor, como virou um Aladin falso?

                Passei boa parte da noite pensando, consultando minhas anotações e fotos dos bezerros. De repente, entendi  tudo! O encarregado anterior foi o verdadeiro culpado da tragédia toda. Colocou o brinco "Ouro Verde'' no Príncipe; o brinco "Aladin" no Ouro Verde e deixou o Aladin sem brinco. Quando em abril comprei umas vacas,  o verdadeiro Ouro Verde entrou na negociação, que fiz por telefone. O mesmo caminhão que entregou as vacas, levou o bezerro com o brinco "Ouro Verde", mas que na verdade era o Príncipe. O encarregado atual, que tinha acabado de ser contratado, não conhecia o gado e  seguiu minhas instruções de entregar o Ouro Verde. E como não fico na fazenda, não vi o problema e nem me despedi do Príncipe... Entrei em contato com o comprador, pedi para ele destrocar os bezerros. Ele ficou comovido com a história, disse que sabia sim qual era o Ouro Verde-Príncipe e que faria o possível para destrocar. O problema é que o bezerro tinha sido vendido para um fazendeiro em Três Marias, bem longe,  e só para um caminhão  buscá-lo ficaria em R$2.400,00, o preço de um bezerro. Daí, com o coração dilacerado, desisti do Príncipe, pois com tanta confusão, nem sei se seria ele mesmo que voltaria. Que seja feliz por lá. Nem posso contar para a Lia que o Príncipe Houdini fez jus ao nome e desapareceu num passe de mágica.

                O pior é que surgiu outro problema. O que fazer com o boizinho que está por lá, feliz e cruzando com as vacas? O que está com o brinco "Aladin", mas que na verdade é o Ouro Verde e que está se passando pelo Príncipe. Agora, além de não ter raça, não tem identidade, nem sei como chamá-lo.  Transformou-se em um impostor, sem querer. Aliás, o nome desta história poderia ser "O sapo que virou príncipe". Ou "O príncipe que virou sapo". Ou então, "Impostor por acaso". Ou mesmo "Um sonho acabado"... Até " O triste fim do Príncipe Houdini", parafraseando o clássico da literatura "O triste fim de Policarpo Quaresma", de Lima Barreto, ficaria bem como título...Enfim, atendendo a orientações,  vou ter que castrar o boizinho (arrancar os testículos, coitado) e deixar engordar pra vender. Oh, mundo cruel!

                E continuarei sem boi, pois o Diamante morreu e o Príncipe Houdini desapareceu. No momento, vou investir meus sonhos no Sansão, um bezerro nelore puro, acinzentado, de nove meses, filho da Sofia. E seja o que Deus quiser, até os próximos capítulos!

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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sábado, 8 de julho de 2023

Visitando a Turquia Parte 3- Pumakkale, casa de Maria, Éfeso e Chios

                                                                 O teatro em Hierápolis
                                                               Nas piscinas de Pumakale
                                                      Na casa de Maria
                                                     A biblioteca de Celso em Éfeso


          Logo após o passeio de balão, entramos no nosso ônibus e seguimos para Pamukkale. Foram dez horas de viagem, passando por cidades pequenas, com prédios baixos, padronizados, de cores neutras.  O novo guia era o Ricardo. Claro, olhos azuis, tranquilo, de meia idade, falava sete línguas. Às vezes se confundia, como quando falou: "Atenção, damas e camelos!" Falando em línguas, li em propagandas e  nas ruas várias palavras turcas parecidas com o português, como polis (policia); kursu (curso); pastaneleria(pastelaria); taksi (táxi); tunelli(túnel); sandiviç (sanduiche). Mas é impossível entender algum turco falando.

             Confusões de línguas à parte, no caminho fizemos uma parada. A Genoveva  (minha amiga que tem nome de santa) e eu, aproveitamos pra visitar o Sultanhani-Kervansaray, uma construção enorme, quadrada, com portão gigantesco. Uma antiga pousada para camelos e seus donos, um tipo de hotel do século XVIII. Existiam a cada 30 Km, por toda a Turquia, pois um camelo só conseguia andar esta distância em um dia.

            Mas nós não, e continuamos viajando. As paisagens ao longo da estrada eram maravilhosas. Campos e campos de trigo; plantações de romã, de figo, de pêssego; oliveiras; viveiros de morango. Tudo muito verde, com rebanhos de ovelhas no meio e cavalos. Estradas em perfeito estado de conservação, sem buracos nem solavancos. Torres de energia eólica, com os braços girando lentamente. Enquanto isso, alguns dormiam de roncar dentro do ônibus e outros ouviam o Ricardo falar dos mares, dos lagos salgados, dos rios, da indústria, do comércio, das importações e exportações ...

            Chegando, dormimos o sono dos justos no Hotel Richmond, quatro estrelas. No dia seguinte, fomos visitar o complexo Pumakkale- Hierapolis, um Patrimônio da Humanidade. De um lado, as ruínas de Hierapolis, cidade construída durante o império romano e do outro, as piscinas termais- de origem calcária- de Pumakkale. Vimos o teatro, dos séculos II e III, conservado e na forma de um semicírculo. Ao longe, via-se o local onde está a tumba do apóstolo Felipe e onde ele foi martirizado.  Depois, a piscina térmica de Cleópatra, com sua estátua, árvores e  colunas em volta, onde as pessoas compram ingresso e podem nadar. Indo para o outro lado, mais elevado, nos  deparamos com uma sequência de piscinas com chão branco de carbonato de calcio solidificado em mármore travertino, com águas azuis e quentinhas. Centenas de pessoas descalças caminhando entre elas e crianças nadando. Em volta, muitas rochas brancas, um cenário incrível. 

            À tarde, aproveitamos para nadar na piscina de água quente do hotel e no outro dia seguimos para Izmir. Foram 3,5 h até chegar no alto de uma colina, na casa da Virgem Maria, onde ela teria vivido com o apóstolo João. Uma casa de pedras com dois cômodos, um altar, um local para comprar velas. Uma fila enorme de pessoas entrando na casinha por uma porta e saindo por outra. Algumas se emocionavam e choravam. Do lado de fora, muito verde, paz e tranquilidade. Uma oliveira onde as pessoas tiravam fotos, fontes de água benta, um local para acender as velas. Um muro onde os visitantes amarravam papéis com pedidos e agradecimentos à Virgem. Muito a agradecer mesmo, só de estar ali já era uma uma benção.

            Na sequência, rumamos para Éfeso. Almoçamos no caminho por 10 dólares, comida  à vontade e saborosa. Paramos em uma fábrica de couro que era um luxo,  um deslumbre. Nem sabia que existia tanta coisa bonita em couro...Fizeram um desfile para nós, serviram vinho e chá, convidaram dois do grupo para desfilar. Em seguida, abriram as portas de uma loja imensa e nos perdemos entre tantas peças coloridas, de qualidade e caras. Na promoção, uma blusa de couro preta de homem saia por 300 dólares. Pechinchando, talvez um pouco menos.

            Chegamos em Éfeso, uma cidade que foi fundada quatro vezes. A primeira, por mulheres Amazonas, 2.000 a.C. , num local onde hoje está o túmulo de São João Evangelista. A segunda, por atenienses, 1.500 a.C; a terceira, por Lisímaco, um general do Alexandre, o Grande, 280 a.C., hoje o sítio arqueológico e local turístico que visitamos. A quarta cidade durou até 1.300 d.C e foi importante para o cristianismo. São Paulo viveu dois anos nesta cidade e nela escreveu muitas cartas. Era a quarta maior cidade do mundo naquela época: Roma, Alexandria, Antioquia e Éfeso. Ao longe, avistamos , no alto de uma colina,  as ruinas desta quarta cidade, onde São Paulo teria ficado preso.

            Andamos a tarde toda pelo sítio arqueológico e vimos as três atrações principais:  o Templo de Artemis, com a estátua da deusa;  a Biblioteca de Celso, imensa, chegou a guardar 12.000 pergaminhos, é toda de mármore e só tem a fachada, o restante foi destruído; e o Grande Teatro, onde lutavam os gladiadores e comportava 25.000 pessoas.  Há muitas outras ruinas, algumas bem conservadas: as Termas Romanas, o Palácio da Justiça, o Caminho da Vestais, o Templo de Adriano. O caminho de Mármore, com pedras enormes e escorregadias. As casas da população nobre, com mosaicos, afrescos e pinturas. E as latrinas públicas daquela época,  interessantes demais:  um quadrado grande, com uns 30 vasos enfileirados um ao lado do outro, acima de um pequeno canal onde corria água e levava as fezes para o esgoto da cidade. No meio, uma fonte, para abafar os barulhos característicos. O cemitério dos ricos, com vários mausoléus. O que mais me impressionou foi o Grande Teatro. Ainda hoje é usado para alguns shows, como o de Elton John. Enfim, um lugar fascinante pela sua história e grandiosidade.

            Cansados, entramos no ônibus e dormimos em Kusadasi, no Hotel Signature, com uma linda vista para o mar Egeu. Chegamos justo na hora do por do sol e foi lindo ver o sol se pondo sobre o mar .

            Continuando a saga, fomos para a ilha grega Chios. Duas horas de ônibus por uma rodovia com canteiros centrais com espirradeiras floridas na cor rosa. No porto de Çesme, entramos numa balsa e navegamos 40 min pelo Mar Egeu e mais uma hora de fila no controle da imigração. A guia grega, Despina, nos esperava. Tiramos fotos ao lado de quatro moinhos de vento e almoçamos carne de porco (na Grécia pode). Fomos para a vila de Mesta e a Despina  foi explicando sobre a Grécia: tem 11 milhões de habitantes, 2.000 ilhas e Chios é a quinta em tamanho, com 55.000 habitantes. Falou dos filósofos gregos, da mitologia, de Homero, do mar Egeu, da salada e churrasco grego, da produção de azeite de oliva. Das estátuas gregas fortes, musculosas e com pênis pequeno, que mostram força e virilidade sem destacar a parte sexual.  Contou que Chios é a única ilha onde se cultiva a mastica, exportada para 45 países e usada na fabricação de cremes, pasta de dente e outros.

            Chegando à vila de Mesta, andamos pelas ruas labirínticas da época bizantina e visitamos uma igreja ortodoxa cristã , com lustres de cristal imensos e com os Arcanjos Gabriel e Miguel representados em muitos quilos de prata. Uma vila pequenina, do sec. XIV, cercada por grandes muralhas e com 165 moradores. Desta vila, partimos para outra, Pyrgi, chamada de Aldeia Pintada porque as casas possuem arte em grafite preto e branco. Os moradores idosos deixam a chave do lado externo da porta, porque têm medo de que aconteça algo com eles e ninguém os encontrem. Depois disto, voltamos para o barco. As duas vilas são interessantes sim, mas esse passeio não compensa, é muito longe e resta pouco tempo pra conhecer a ilha.

            No domingo foi a volta para Istambul, levantamos às 5 da manhã, oito horas de ônibus. Paramos em Bursa, a quarta maior cidade do país e com dois milhões de habitantes. Visitamos uma das mais belas mesquitas da Turquia. E também o Mercado da Seda, com 3 andares e mercadorias luxuosas, lindas e coloridas. No caminho até Istambul, o Ricardo falou de diversos aspectos da Turquia: 84 milhões de habitantes ,  formada por diferentes povos,  várias culturas e várias religiões. A taxa de desemprego é muito alta; apenas 10% possuem curso de graduação e muitos graduados estão desempregados; apenas 2 % do orçamento familiar é gasto em educação ; 9 % falam outra língua; há muitas mulheres analfabetas; a inflação disparou e está em quase 80%. Dados tristes para um país tão bonito e tão hospitaleiro.

            No último dia, no ônibus, na ida para o aeroporto, a Synai fez uma oração agradecendo a viagem e as amizades conquistadas. A Raquel cantou a Ave Maria. A Mônica, Secretária de Cultura de Uberlândia, ressaltou a necessidade de conhecermos e participarmos mais da vida cultural da nossa cidade. Em todos, ficou aquele sentimento de despedida de uma coisa boa que ficou para trás.

            Enfim, foram muitas as experiências. De pessoas boas, fazendo gestos de bondade, como a Lílian, que me emprestou o xale de cashmere , quando perdi minha mala e estava com frio. A Pamela e o Vanilson, sempre tão solícitos e com vontade de ajudar. De conversas agradáveis , como da Genoveva. Conversamos tanto que, em São Paulo, de pernas pra cima e relaxadas porque chegamos ao querido Brasil, perdemos o voo pra Uberlândia! Daí ficamos a tarde toda no aeroporto e resolvemos classificar a turma da excursão. O motorista foi eleito o mais bonito. Teve também o mais comunicativo, o mais atrasado, a mais charmosa, os mais reclamadores, os mais comilões e daí por diante.

            Depois de tudo, termino com um trecho da Oração do Turista: "... e quando a viagem terminar, dai-nos a graça de encontrar alguém que queira ver nossos filmes, nossas fotos e ouvir nossas histórias, para que nossa vida de turista não seja vivida em vão. Amém"


            

 

quarta-feira, 14 de junho de 2023

Visitando a Turquia Parte 2: Capadócia: Goreme, monastério, safari, passeio de balão

                                                      Vista do mirante em Goreme
                                                      Monastério
                                                      O passeio de balão

                                                      A paisagem vista do balão


             Fomos de avião de Istambul para a Capadócia, uma região da Anatólia Central. As malas deveriam ir no ônibus da excursão, com o qual visitaríamos vários locais. Acontece que o Arhmed, o primeiro guia, aprontou a maior confusão quando foi buscar as malas no hotel.  Ninguém quis entregar, apenas um grupo que tinha chip dentro da mala (nem sabia que existia) e poderia acompanhar a viagem. Daí, na troca desencontrada de informações e dificuldades da língua, justo a minha mala e da minha amiga, companheira de quarto, ficaram esquecidas no hotel. Nós duas tínhamos preparado tudo direitinho, as roupas combinando, cada dia um conjunto. Ficamos três dias com a mesma roupa, até as malas aparecerem. A minha amiga até queria usar a saia do avesso , pra variar...

            Bem, confusões à parte, levamos o dia todo para chegarmos na Capadócia, embora o voo fosse de apenas uma hora. Desembarcamos em Kacire e fomos recebidos pelos guias Maria, brasileira, e o esposo turco, Savas. Ela maranhense, bonita, agradável e elegante numa calça preta de couro, blusa vermelha e chapéu. Fomos no ônibus para o hotel Alf, em Havana, uma cidade com muitas fábricas de cerâmica.  Esse hotel não era bom, era feito de pedras para se harmonizar com as outras edificações. Os quartos tinham cheiro de mofo e várias pessoas tiveram alergias e dor de cabeça. Aliás, sempre tinha alguém sentindo alguma dor: no nervo ciático, na coluna, no joelho, no pé; dor de barriga, dor de garganta (mas dor de dente, não). Também sempre tinha alguém perdendo alguma coisa: celular, garrafinha d´água, óculos, sacola com todas as compras do Duty Free...Mas o recorde penso que foi meu: perdi meu passaporte português (mas encontrei), perdi a mala (mas apareceu) e perdi o voo de São Paulo para Uberlândia (mas cheguei sã e salva).

            Voltando à excursão, saímos cedo no ônibus e atravessamos paisagens de origem vulcânica. Muitas montanhas e rochas claras, bem bonito. Paramos em um mirante com vista para o Parque Nacional de Goreme, uma vista de tirar o fôlego: centenas de rochas claras, na forma de cones, torres e chaminés de fada, esculpidos pela erosão, parecendo uma paisagem lunar. No meio delas, ao longe, viam-se vários hotéis de pedras e casinhas escavadas nas rochas. Ninguém mora no local, é só turístico e patrimônio da humanidade. Tiramos fotos e mais fotos. E compras, nas lojas estrategicamente situadas nos locais turísticos.

            Do mirante, seguimos no ônibus para visitar o Monastério, o segundo lugar mais visitado da Turquia (o primeiro é a Mesquita de Santa Sofia). O Monastério é um grande museu a céu aberto, com casinhas nas rochas para as freiras, de um lado, e   para os monges, do outro. Igrejinhas dentro das rochas, com pinturas coloridas: Igreja de São Jorge, de Santa Bárbara, da Maçã, escavadas entre o séc. VIII e XIII. O guia ia explicando que os cristãos lá chegaram nos sec. II e III, eram perseguidos e tinham que se esconder para rezarem. Falou dos governadores Augustus, Maximiliano, Emiliano; de Constantino... Séculos e séculos de história, não é possível aprender correndo atrás do guia, se desvencilhando das centenas de turistas e tentando observar os monumentos. Confundi tudo. Mas me maravilhei com a pintura da Santa Ceia, com os apóstolos com sandálias delicadas de tirinhas amarradas. Entramos no ônibus e o guia continuou explicando: já passaram 13 nacionalidades na formação da Turquia; a terra vulcânica é muito bem aproveitada; existe muito comércio de pedras preciosas, como  de turquesa; 36 sultões governaram a Turquia na era Otomana; passou a ser República Tcheca em 1923; Capadócia significa a terra dos belos cavalos, etc. Aliás, vimos muitos cavalos pelo caminho. Ovelhas também. Porco, nem pensar. É proibido comer carne de porco na Turquia. Mas,  boi e vaca, será que não existem por lá? Não vi nenhum.

            Paramos em uma fábrica de joias. Serviram vinho e chá de romã e mostraram joias com a pedra sultanita, que muda de cor conforme o ângulo. Os sultões presenteavam suas amadas preferidas com esta joia. Alguns homens da excursão aproveitaram a história, compraram joia para a esposa e se declararam para elas, ao som dos aplausos da plateia. Também visitamos uma fábrica de tapetes. Maravilhosos, tecidos à mão. Nos sentamos em um grande salão, bebemos chá e vinho e desenrolaram, com grande habilidade, dezenas de tapetes para ver se alguém comprava.

            Depois, paramos em um restaurante imenso com comida gostosa: abobrinha e pimentão recheado, carneiro, coalhada seca, doces divinos...O melhor é que foi grátis. Aliás, as bebidas eram pagas: uma cerveja, 160 LS (liras turcas; 40 reais) e uma coca, 50 LS (12 reais). Ganhamos o almoço como cortesia da empresa de turismo, se desculpando por causa das confusões do guia Arhmed.  

             Do almoço, saímos direto para jeeps quatro por quatro, para participar de um safari. Quatro pessoas em cada veículo, podendo ser com emoção ou sem emoção. O motorista, um turco bonito que com certeza já tinha feito plástica no nariz, não explicava nada, pois só falava turco.  E o safari não era para ver bicho não, só se fosse gato, pois havia gatos em profusão em todo local turístico, comendo salame que as pessoas levavam. Era para ver "three points: first, second, third", andando em  estrada lamacenta, esburacada e escorregadia, debaixo de chuva forte e frio intenso (pra andar em estrada lamacenta, ando na Bahia mesmo,  quando vou na casa da filha). No " first point", não deu nem pra descer do jipe. No "second point", paramos em um mirante e tiramos fotos de uma paisagem bonita, com rochas vulcânicas brancas. No "third point", paramos em um local alto pra tomar café, todos tiritando de frio. Não gostei deste safari... Talvez seja porque pedimos sem emoção.

            Á noite, fomos para uma casa de festas, com bebidas á vontade e alguns aperitivos. Teve várias apresentações de danças.  Uma bailarina, que dançava muito bem e com um gingado especial, era bem desinibida e sabia se entrosar com a plateia. Chamava pessoas que estavam assistindo, para dançarem a dança do ventre com ela . Demos boas risadas ao ver como os homens eram desengonçados para imitá-la. Foi a atração do show.  

            No dia seguinte, acordamos às 4:00 h para  o famoso passeio de balão (por 275 dólares). Muitos carros levando turistas, mas tudo bem organizado. Primeiro esperamos ao lado do nosso balão até ele ficar cheio. Usam o gás propano. Uma moça, a baleeira, e um ajudante, ligavam e desligavam o fogaréu . Dentro do balão o ar precisa estar mais quente do que o ar externo, para ficar mais leve que o ar e subir. Tudo pronto, entramos 20 no cesto e lá ficamos, apertadinhos. Subir na cesta é difícil, quase como ficar no alto de um muro  pensando se pula ou não.  É muito lindo olhar as terras vulcânicas esbranquiçadas, lá do céu, parecendo paisagem lunar. O sol nascendo, cerca de 130 a 150 balões colorindo o céu, cidades pequeninas passando devagar, gratidão por estar ali naquele momento. Depois de uma hora , a baleeira foi diminuindo o fogo e não sei como, a  cesta com todos nós pousou exatamente em cima de um tablado  puxado por uma camionete que estava seguindo o balão. Aterrissamos em um local com barro e tivemos que andar bastante até chegar no carro.   Valeu o passeio, as emoções , a beleza e a paz lá no céu.

            No próximo e último capítulo, tem muito mais:  visita à casa de Maria, às ruínas de Éfeso e à uma ilha grega.