A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Experiências na China

Vista da Grande Muralha da China

Cidade chinesa
Tenho um irmão especialista em siderurgia. Sempre viaja para a China para intermediar importações de coque (carvão mineral) e acaba vivenciando cenas interessantes.
Certa vez, em Pequim, estava em uma kombi com cinco chineses e três brasileiros (bem apertadinhos), procurando uma fábrica de refratários (tijolos para serem usados a 1700 ºC). A certa altura, a kombi quase foi arrastada por centenas de estudantes que saiam das escolas ao mesmo tempo: bicicletas voando, meninos correndo, balbúrdia em chinês, uma multidão incrível. Em outra ocasião, viu uma velhinha atravessar, de bengala, uma pista de seis vias. Ela simplesmente resolveu e foi. Todos os carros pararam para ela passar, depois de muitos pneus derrapando e gritos de terror. Ele descobriu mais tarde que, se alguém atropela um velho na China, passa o resto dos dias atrás das grades. E se for estrangeiro, simplesmente somem com ele.
Em cidades menores, como em Vuxi, viu uma fila de velhinhos se alternando para furar o chão de concreto, usando uma furadeira. Todos alquebrados, magros, enrugados. Quando um se cansava, passava a vez para o outro e ia para o fim da fila. Tudo em troca de um prato de arroz por dia, mas se sentiam valorizados pelo trabalho.
Em Pin Yao City, visitou um castelo de 4500 anos e andou por uma rua da mesma idade, já afundada pelo peso dos anos e da multidão de chineses transeuntes. Lá, ficou observando chineses carregando água, em baldes dependurados em um pau, retirada de um poço profundo e límpido, de 2500 anos, onde se chegava descendo escadas tortuosas.
Em Tianjin, no Teda Internacional Hotel, no café da manhã, roubaram sua pasta com 6000 yuans, passaporte, passagem, cartões de crédito, máquina fotográfica (ele carrega tudo). No vídeo que registra as cenas do hotel, apareceu um chinês alto, bonitão, de terno preto e gravata berrante, aproximando-se da mesa. Ele agarrou a pasta calmamente e saiu do restaurante. Voltam o filme várias vezes e concluem que tem mesmo um ladrão no hotel. Espanto geral, chineses correndo pra todo lado. Chamam a polícia e chegam vinte policiais pequeninos, com fardas principescas. Uma garçonete reconhece que o ladrão é um hóspede do hotel e encontram a pasta roubada no quarto dele. Meu irmão toma litros de chá, de todos os tipos, pra se acalmar. No final, os policiais explicam (com gestos, mímica, inglês fajuto e chinês), que foi tudo um engano, o hóspede pensou que a pasta era do seu amigo, e que ele, o amigo, a tinha esquecido na cadeira (se fosse ladrão mesmo, teriam cortado a mão dele, na China é assim).
Na província de Wuxi, lá no fim do mundo, os chineses ficaram encantados com a chegada dos estrangeiros (ele e um amigo) e ofereceram um jantar de 36 pratos. Quanto mais importante a pessoa, maior o número de pratos: 12, 24 ou 36. Este último é um luxo, tem de tudo: pato, ganso, peixe, cachorro, cobra, escorpião. Os convidados devem experimentar todos, para não serem descorteses. Mas o problema mesmo foi um pratinho com um molho vermelho. Meu irmão pensou que era catchup, molhou o peixe e comeu. Pra que! Era pimenta da brava. Ficou vermelho, a garganta fechou, os olhos esbugalharam, perdeu a fala e a respiração. E o amigo dele também. Chinezinhos correram na cozinha e buscaram sal pra eles engolirem. Não morreram, mas ficaram bem tristinhos e quietinhos em um canto.
Pretendo um dia ir com ele, sentir de perto a magia da Grande Muralha da China. Mas sem comer pimenta.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A culpa é sua

      Há pouco tempo, comprei um aparelho de som principalmente para ouvir Cds, mas o toca Cds nunca funciona. Reclamei na loja, levei para revisão e nada. Conclui que a culpa é do meu filho, que fez questão do modelo mais sofisticado. Mas ele afirma que a culpa é minha, pois avisou antes para eu não comprar aquela marca, pois ela não prestava. Então, a culpa é do vendedor insistente. Ou da loja, que vende produtos ruins. Ou da fábrica, que usa material de segunda. Ou da assistência técnica, que não sabe consertar. Mas minha, a culpa não é.
      Depois do incidente, fiquei pensando nessa mania que temos de jogar a culpa de algo indesejado nas costas de outra pessoa, o chamado bode expiatório. Li um artigo interessante sobre esse assunto, “A arte de culpar os outros” (Veja, maio/2012). Segundo o mesmo, a prática é muito comum na sociedade, pois cada ser humano tende a se considerar melhor do que realmente é, e por isso tem dificuldades de admitir os próprios erros. Vem desde os tempos em que Adão culpou Eva e Eva culpou a serpente, e assim continuamos até hoje. Há casos bizarros, como o de Hugo Chávez, que no ano passado culpou os Estados Unidos por terem provocado câncer nele e em quatro outros presidentes, inclusive em Dilma e Lula (o pior é que tem gente que acredita). Tem também o caso trágico de Andrés Escobar, zagueiro da seleção colombiana de futebol. O coitado fez um gol contra, na partida com os Estados Unidos e seu time foi eliminado da Copa do Mundo de 1994. Quando voltou à Colômbia, foi assassinado a tiros, foi o bode expiatório da derrota, mesmo o time tendo onze jogadores.
      O artigo também cita exemplos de governantes que, ao longo da história, nunca admitiram sua culpa (como vemos até hoje). Mas um exemplo de retidão moral foi dado pelo general americano Dwight Eisenhower, que dias antes da invasão da Normandia, fator decisivo na II Guerra Mundial, deixou preparado um discurso assumindo toda a culpa se a operação fracassasse (felizmente, não precisou usá-lo).
      Outra coisa que descobri é que a culpa de um casal se separar pode ser da sogra, transformada em bode expiatório. Segundo pesquisas realizadas, os motivos campeões da separação dos casais são: traição, ciúme, dinheiro, educação dos filhos, violência doméstica, a genérica “incompatibilidade de gênios” e a chatice da família do parceiro, ou, mais especificamente, da sogra. Como é preciso achar um vilão, encontraram a sogra (fiquei preocupada, sou sogra).
      Também existem casos em que a culpa é tão óbvia que a pessoa não é bode expiatório, é culpado mesmo. Como aconteceu com o meu netinho Yuri, de três anos, que mora na Bahia. Dia destes, estava eu de cabeça quente com tanta balbúrdia que quatro netos pequenos estavam aprontando aqui em casa. Resolvi levá-los para o clube, para brincarem na areia e se acalmarem. Tenho uma sacola rosa choque de prontidão, com todos os apetrechos necessários: pazinhas, peneiras, baldinho. Mas na hora de sair, ela desapareceu. Pergunta daqui e procura dali, o Yuri falou: “Vovó, agora eu não sei, mas a sacola estava aqui, no meu cangote.” Surpresa com aquela palavra, que eu sabia que existia, mas que nunca tinha ouvido ninguém pronunciar, perguntei: “Onde mesmo?” E ele, mostrando as costas com as mãozinhas: “Aqui, na minha cacunda.”  No final, a sacola foi encontrada na garagem e ao lado dela, a prova do crime, as sandalinhas havaianas do Yuri. A culpa pelo sumiço da sacola foi dele mesmo.