A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

Um presente de Natal

           
Muitas vezes associamos nossa infância a um brinquedo ou passatempo favorito. Na minha, tive larga experiência em  construir casinhas e cabaninhas, que geralmente terminavam em tragédia. 
Algumas bem simples, como a construida debaixo da mangueira frondosa, no enorme quintal de minha casa, na cidadezinha de interior. As amigas de infância e eu varríamos o chão e separávamos os cômodos com as montanhas de folhas. Mas a gente sempre brigava e sentava a vassoura na cabeça da outra. Algumas mais criativas, como a inventada por mim e meu irmão, em cima dos galhos da mangueira. Metade dos galhos era a casinha dele, a outra era a minha. As duas, unidas por uma “pinguela” (tábua). Um dia, ele foi tomar cafezinho na casa da “cumadre” (eu) e despencou da tábua. Bateu a cabeça numa pedra e levou uns sete pontos (meu pai ficou uma fera, mais do que já era).
Partimos então para cabaninhas mais elaboradas, como a que eu e os dois irmãos construímos em cima de outra mangueira, de tábuas pregadas, cobertas por folhas de coqueiro, um primor. Mas eles gostavam de fazer experiências lá dentro. Um dia, usaram fósforos junto com vários ingredientes e a cabaninha incendiou-se (cascudos do pai bravo na cabeça de todos). Partimos então para algo mais seguro: uma casinha subterrânea. Juntamente com amigos, passamos bom tempo cavando um buracão embaixo da terra (tipo túnel). Um dia, o pai, checando as cercas do quintal, passou em cima do teto da casinha, que desabou e ele quase foi soterrado (cascudos na cabeça de novo e castigo). O bom mesmo era a casinha das minhas amigas. O pai delas construiu, de tijolo e cimento, com portinha e fogãozinho de verdade. Eu nunca tive inveja de nada, mas daquela casinha eu tive.
Depois, vieram as construções de cabaninhas com os filhos, feitas com lençois, colchas e papelão. Mas sempre desabavam. A mais duradoura foi dentro da caixa de papelão da geladeira. Quando ela despencou de vez, o filho pequeno olhou e disse: “nossa, o lobo mau soprou”.
Agora, já na terceira idade, resolvi aderir às maravilhas do século XXI e comprei uma casinha prontinha, de presente de Natal para mim. De plástico grosso, com teto e janelas azuis, paredes amarelas e 1,65 m de comprimento. Para curtir com os netos e talvez com os bisnetos  (dizem que esta casinha não acaba nunca, resiste ao sol e à chuva). O único problema é que a porta é cor de rosa e o fogãozinho também. Como todos os seis netos são homens, pode ser que discriminem a casinha.
De qualquer forma, estou realizada. Nestes tempos atuais, em que se almeja a paz mundial, mas que perdura a guerra nos lares, é bom ter uma casinha no quintal. No entanto, por precaução, sempre dou uma olhada para ver se a casinha colorida continua lá, firme e forte. Ando com medo de aparecer algum lobo mau e soprar com força.
Assim, para o Natal, já tenho o meu presente. Mas o maior presente é sempre o Menino Jesus, que se deu para nós, na forma de amor que se fez criança. E que continua, através dos séculos,  procurando um lugar para morar. Que nós saibamos transformar nossos corações em uma casinha acolhedora para o Menino Deus e que nela, deitado em sua manjedoura, Ele encontre aconchego, paz, amor, ternura e bondade. 

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O atalho

            
Tenho trauma de atalhos. Tudo porque, na década de setenta, passei pela experiência que passo a relatar.
Costumávamos passar o Natal com a família do Zé, meu marido, e certa vez estávamos indo de Carmo do Rio Claro para Paraisópolis. O Zé, compenetrado, dirigia um Opala branco de seis cilindros. A minha sogra, gente boa mas espaçosa, toda confortável no banco da frente. Eu, espremida no banco de trás com quatro crianças com idade entre dois e oito anos. Chegando em Machado, o Zé resolveu atalhar o caminho para Pouso Alegre (atalhar: encurtar, abreviar, resumir). Saiu do asfalto e entrou em uma estrada em construção, de puro barro vermelho e grudento. O Opala descia deslizando, debaixo de uma chuvinha fina. Depois de meia hora, chegamos a uma lagoa. Do outro lado, a estrada lamacenta continuava. Impasse sobre entrar ou não na lagoa. O Zé então perguntou a uma mulher, debruçada na janela de uma casinha próxima, se dava para passar. Ela balançou a cabeça de forma afirmativa e o Zé foi. Foi e ficou. O Opala afundou na lagoa, que felizmente era bem rasa. Retiramos as crianças do carro, mas a sogra se negou a descer no barro. Arrumei uma pinguela para ela, uma tábua velha que ia do carro ao barranco. Para desatolar o Opala, alguns homens com enxadas fizeram um canal para esvaziar a lagoa. Depois, o empurra-empurra e eu no meio, com barro nos “zóio, zóvido e zóreia”. Mas o Opala nem mexia. Alguém teve idéia de arranjar uns bois, que foram atrelados ao carro e então ele saiu. Mas era preciso voltar, ou seja, subir o tobogã de lama. Atolamos novamente, com a chuva caindo por cima e a noite também (a viagem começou de manhã e sem o atalho, seria pertinho, pertinho). Saí com o filho corajoso de sete anos para pedir socorro ou algum cantinho para passarmos a noite. Como mineiro é desconfiado, ninguém ajudou. Pensei no restante da família que devia estar desesperada, nos julgando desaparecidos ou mortos (não havia celular)e animei o Zé para tomarmos alguma atitude. Deixamos as crianças no carro com a sogra e saímos na noite escura e chuvosa, eu já sem sapatos. Como Deus é grande, encontramos o acampamento da empreiteira que fazia a estrada. Batemos na porta de uma casinha com luz acesa e apareceu um homem que, acreditem se quiser, se chamava Salvador. Encharcados e tremendo de frio, relatamos o ocorrido (ele deve ter pensado que éramos loucos, aliás, eu não, o Zé, a idéia do atalho foi dele). Salvador subiu em uma patrola amarela enorme,com uma lâmina de uma tonelada na frente,o Zé dependurado de um lado e eu do outro, tentando me equilibrar nas alturas e com a chuva fustigando meu rosto, pronta pra cair e ser soterrada no barro e compactada pela máquina. Quando a patrola se aproximou do carro, com a sua luz possante, as crianças começaram a gritar, pensando que fosse um disco voador (a esta altura, já tinham comido duas caixas de bombons que seriam dos amigos invisíveis). Enfim, o Opala foi puxado com cabo de aço até chegar ao asfalto. Paramos no posto Fernandão para avisar a família e limpar um pouco do  barro. Joguei minhas roupas no lixo, vesti um robe amarelo com florzinha e chegamos em Paraisópolis de madrugada.
De tudo isto, restou um consolo: minha sogra passou a me considerar uma heroína e contava a história para quem quisesse ouvir. Quanto ao Zé, entrou no atalho para chegar mais cedo e assistir ao jogo Cruzeiro X Internacional. Perdeu o jogo. Bem feito.

As profissoes

              
Estava eu em paz e concentrada, preenchendo um formulário eletrônico para renovação de passaporte. Cliquei na setinha para abrir o quadro de “profissão” e um mundo novo se descortinou para mim.
      Apareceram centenas de profissões, organizadas de A até Z. Algumas bem comuns e tradicionais, como professor, médico, engenheiro. Comecei a ler cada uma, para saber em qual delas me encaixava. Lí, com estes olhos que a terra há de comer, profissões como bobinado, biscateiro, broqueiro, baptista (na letra b); caçador (meu Deus, de que?), calafate, calculista, caldeireiro, campeiro, cartorário (isto só na letra c, imaginem no alfabeto todo). Encontrei a nobre e comum profissão “do lar” , e outras nunca antes imaginadas, como “garota de programa” e “prostituta” (será que alguém coloca estas e envia para a Polícia Federal?).
Passei a divagar e a imaginar o que seriam profissões como pracista (será alguém que senta na praça e fica vigiando? Se for, quero ser isto); vulcanizado (relativo a vulcão? Ou próximo a galvanizado?); tanoeiro (será que tem algo a ver com canoeiro?); plainador (aquele que passa plaina em móveis ou sai por aí, voando em um planador?); pizzaiolo (quem faz pizza? Esta é bonitinha e gostosa);passador (será passador de roupa? Só conheço passadeira...Ou será alguém que prepara as pessoas para passar desta vida para outra?); peleteiro (quem mexe com pele? Em curtume, ou que prepara pele de porco para fazer pururuca bem crocante?); guincheiro (quem dirige caminhão de guincho?). Havia também algumas pomposas, como “produtor na exploração agropecuária” (será fazendeiro? Agricultor? Ou explorador sem coração, que acaba com o meio ambiente?).
Listaram até uma profissão especial para o Lula, somente para ele, o único brasileiro que vai marcar isto no formulário: presidente da república. Mas as campeãs das profissões foram : guilhotinado, jubilado e desempregado. Prá mim, com meus parcos conhecimentos, quilhotinado é quem teve a cabeça cortada, coisas lá do tempo da Revolução Francesa (quem, em sã consciência, vai marcar que é guilhotinado e enviar para a Polícia Federal?). Jubilado, prá mim, é aquele aluno que não conseguiu terminar o curso no tempo normal e foi convidado a se retirar da faculdade. E desempregado, eu nunca, jamais poderia imaginar que seria uma profissão.
      Mas, divagando ou não, eu tinha que escolher uma profissão para mim, tinha que ser alguém. A esta altura, já tinha entrado em crise existencial e não sabia mais o que eu era. Nem sabia se profissão é a formação profissional ou se é aquilo que a gente faz. Fiquei entre biólogo e professor de ensino superior. Mas, como sou aposentada, e não existe essa profissão na letra a (se existe desempregado, deveria existir aposentado), pensei em “ocupação não classificada” e “sem ocupação”. No entanto, como faço mil coisas, como todas as mulheres, achei absurdo colocar “sem ocupação”. Se tivesse “desorientado” na letra d, com certeza ficaria com essa. Como não tinha, optei por “biólogo”, pois o sou de coração e de formação. Mas agora, acho que vou ser “prisioneira”, por estar escrevendo assim de um formulário da Polícia Federal e nem vou conseguir renovar meu passaporte. Por falar nisso, quem será que elaborou esta lista das profissões? Se eu for “prisioneira”, ele terá que ser “acompanhante”.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O que dizem os moais

            
     Ainda sobre o livro “A longa marcha dos grilos canibais”, o autor  Fernando Reinach explica que a seleção dos assuntos foi ao acaso, refletindo seus interesses ao folhear revistas científicas. Por exemplo, a crônica “O que dizem os moais”, foi baseada no artigo “Collapse. How societies choose to fail or succeed”.
    Os moais são gigantescas estátuas de pedra, com até 20m de altura e em número de 900, encontradas  na Ilha de Páscoa, no Pacífico. Essa ilha foi descoberta em 1722, a 3500km da costa do Chile, o local mais isolado do planeta. Na época, possuia vegetação rasteira e era habitada por poucos índios que se alimentavam de ratos e praticavam canibalismo. De onde teriam surgido os moais? Os arqueólogos conseguiram reconstruir a história da ilha, estudando as camadas de lodo acumuladas nos pântanos e as camadas de lixo deixadas pelas gerações anteriores. Concluiram que os primeiros habitantes lá chegaram por volta do ano 900, quando a ilha possuia florestas de árvores grossas, palmeiras gigantes, muitos pássaros e tartarugas marinhas. Algum tempo depois,vieram ratos de outras ilhas da Polinésia. Os habitantes utilizavam as árvores para fazer canoas e pescar peixes e golfinhos. Depois, desmataram as florestas para a agricultura, o que permitiu o aumento da população, que chegou a cerca de 30 mil no ano 1200. Nessa ocasião, a população se dedicava à produção dos moais, que eram transportados por até 500 pessoas, utilizando cordas de palmeiras e rolos de troncos. As florestas desapareceram e em 1600 não havia mais árvores. Sem árvores, não havia pássaros, nem canoas, nem peixes. Fome, querras e canibalismo reduziram a população a cerca de 2000 pessoas, isoladas no meio do Pacífico por falta de canoas. Num período de 800 anos, o homem chegou à ilha, criou uma civilização, destruiu o ambiente e quase se extinguiu. Mas os moais permaneceram, como a nos dizer que precisamos cuidar da Terra, pois a mesma está isolada no espaço, assim como a Ilha de Páscoa está isolada no Pacífico.
      Vários textos do livro abordam a extinção de espécies. Por exemplo, a acidificação dos oceanos (causada pelo aumento de gás carbônico na atmosfera)pode dissolver ou dificultar a formação dos esqueletos dos animais marinhos, diminuindo a biodiversidade. E até mesmo atitudes tomadas pelo homem para proteger as espécies pode ter efeito perverso: as listas de animais ameaçados de extinção podem aumentar a procura por essas espécies. Como em 1970, quando um pássaro de Bali foi colocado na lista. Seu preço aumentou rapidamente entre os colecionadores e hoje só existem seis na natureza. Em 1990, foi a vez do peixe chinês bahaba, quando cerca de 100 barcos passaram a dedicar-se exclusivamente à sua captura após o seu nome ser listado.
 Não há como negar que o homem tem um papel importante na extinção de espécies. Também é fato que cerca de 99,9% de todas as espécies de plantas e animais que já habitaram o planeta estão extintas. Ou seja, de mil que existiram, apenas uma está hoje entre nós. Assim, o destino das espécies é a extinção. E não será o bicho homem que vai escapar disso. Aliás, o comportamento predatório da espécie já determinou o início do nosso processo de extinção. Resta o consolo de que o desaparecimento da raça humana pode permitir que novos e melhores seres vivos ocupem nosso lugar no planeta. Por isto, façamos o bem enquanto há tempo.

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A marcha dos grilos canibais

           
     O biólogo molecular Fernando Reinach, Ph.D. pela Cornell University e pesquisador da USP, escreveu o livro “A longa marcha dos grilos canibais”. É uma coletânea de quase 400 textos abordando assuntos diversos como ambiente, sexo, comportamento, política. Todos baseados em artigos científicos recentes, publicados em revistas  de renome, como Nature e Science, traduzidos para uma linguagem acessível e bem humorada, porém respeitando-se o rigor científico.
Por exemplo, o texto que deu nome ao livro é baseado no artigo  “Cannibal crickets on a forced march for protein and salt”. Os grilos Anabrus, que vivem nos Estados Unidos e não voam, se organizam aos milhões, em fileiras de até 10km e avançam rápidamente, cerca de dois km por dia. São atropelados quando atravessam as estradas e os de trás param para comer os mortos. Os que param também são atropelados e comidos pelos seguintes. Descobriu-se que a motivação que inicia a marcha é a busca por comida, principalmente sal e água. Como o corpo dos grilos é formado principalmente por estas substâncias, ocorre o canibalismo. Mesmo assim, os grilos não abandonam o bando, pois seriam comidos por pássaros. Entre o medo dos pássaros, o medo do grilo que vem atrás e a vontade de comer o da frente, o jeito é caminhar cada vez mais rápido. 
 Os títulos dos textos são criativos, como “Caçar ratos é mais fácil que cassar ratos”; “O inimigo do meu inimigo é meu amigo”; “Uma vaca que não fica louca”. Outros instigam à leitura para saber como o autor vai conseguir ligar os fatos, como “A voz, o ciclo menstrual e as cartomantes” e “A dinâmica da obesidade e as armas nucleares”.
O livro mostra, entre outros, que mesmo o homem tendo domesticado centenas de animais e plantas para uso próprio, está longe de controlar a natureza, que possui vários recursos engenhosos e sofisticados. Por exemplo, elefantes machos  conseguem atrair as fêmeas por meio de  feromônio, usando apenas dois isômeros de uma mesma molécula. Bactérias são capazes de se intercomunicar, organizar estratégias de sobrevivência e ainda demonstrar alguma forma de altruísmo. Até morrem sem deixar cadáver, pois uma mãe simplesmente deixa de existir se partindo em dois filhos. Já as plantas podem fazer sexo a grandes distâncias, com o pólen viajando quilômetros antes de fertilizar outra planta. Há também casos de espécies que usam incríveis estratégias de sobrevivência. Como o cachorro, um parasita do afeto humano. Desde que o homem se espalhou pela Terra, os grandes carnívoros tem sofrido com nossa presença. A exceção é o cão, que entregou seu destino ao homem, seu pior inimigo, e teve a astúcia de desenvolver uma relação direta com nossa capacidade de criar laços afetivos(talvez por seu olhar meigo ou por sua capacidade de balançar o rabo).
 Outro ponto forte são as reflexões de como o conhecimento científico afeta nossas vidas. Por exemplo, cientistas suiços demonstraram que o cérebro, em suas escolhas, prefere utilizar informações obtidas em contato direto. Por isto os políticos andam pela rua cumprimentando os eleitores. Na falta do contato direto, a imagem da face passa a ser a principal fonte de informação. Daí os candidatos fazem plástica.
Ao lado de tudo isto, fica clara a mensagem que devemos ter muito cuidado com a Terra. Textos sobre este assunto e outros serão explorados na próxima crônica. Aguardem.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A tromba do elefante

          
            Na Tailândia, um elefante fêmea de 48 anos, Motola, voltou a caminhar depois de 10 anos. Ela perdeu a pena dianteira na explosão de uma mina terrestre e agora recebeu uma perna mecânica, conseguida com fundos arrecadados por defensores dos direitos animais. Fiquei feliz por ela.
Comecei então a pensar nos elefantes. Doze toneladas e quatro metros de altura de pura maravilha da natureza. O maior vertebrado terrestre. Com pele grossa (daí o nome paquiderme), orelhas grandes que abanam para refrescar o corpo, patas grossas parecidas com pilares de sustentação, grandes almofadas nos pés, dentes incisivos superiores transformados em presas (ou marfim), olhos pequenos e dóceis. Com cérebro complexo e boa memória, capazes de comportamentos notáveis, como demonstrar sofrimento pela morte de parentes: acariciam o corpo com a tromba e tocam suavemente o cadáver com as patas.
Mas o mais espetacular no elefante é a tromba. Um apêndice versátil, sem ossos, que funciona como um nariz, uma mão, um pé extra, um dispositivo de sinalização, uma ferramenta para recolher alimento e água (jogam na boca ou sobre o corpo). A tromba também tem funções sociais. Serve para acariciar, fazer investidas sexuais, tranquilizar o companheiro, trocar cumprimentos e abraços. Quando está levantada, é sinal de aviso ou ameaça. Abaixada, é sinal de submissão. Entre os machos, pode se tornar uma arma durante a luta. Se há intrusos por perto, podem bater nos mesmos ou agarrá-los e atirá-los no ar. Podem também usá-la como periscópio e pelo cheiro, determinar a presença de amigos, inimigos e de fontes de comida. Equipada com cerca de 50.000 músculos, pode arrancar e empurrar com força de toneladas. Mas é também capaz de operações delicadas, como pegar um amendoim e colocá-lo na boca.
Richard Dawkins, biólogo e influente cientista da evolução, em seu livro “A escalada do monte improvável”, explica que foram necessários milhões de anos para se criar esta maravilha da evolução. A tromba dos elefantes começou como um simples nariz. Os ancestrais desses animais devem ter incluído uma série contínua de intermediários com narizes mais ou menos alongados, parecidos com antas, macacos narigudos ou elefantes marinhos (nenhum desses animais é parente próximo do elefante). Assim, a partir de um ancestral de nariz curto, surgiram outros com narizes cada vez mais longos, músculos cada vez mais espessos e nervos mais intricados. É provável que a tromba tenha se tornado progressivamente mais eficiente em seu trabalho, a cada centímetro aumentado.
E aí vem o homem e mata brutalmente os elefantes, para a retirada do marfim, terminando com milhões de anos de evolução. Existem grupos criminosos por trás deste comércio violento. Além da matança, exploram os laços de família do sofisticado sistema social dos elefantes: atiram primeiro no elefante jovem para atrair a mãe aflita, depois a matam e retiram suas presas. Todo o enorme corpo fica lá, estirado no chão, numa poça de sangue. Na África, foram 700 mil elefantes mortos de 1979 a 1989, mesmo em áreas protegidas. Muito triste.
Mas felizmente existe o outro lado, pessoas lutando para proteger os elefantes, como as que conseguiram a prótese de uma perna para Motola. E tem povos que gostam tanto do animal, que o tratam como deus: na Índia, Ganesh, o Deus da sabedoria, tem cabeça de elefante.

A laranja: um outro olhar

           
Alguém fez as contas e descobriu que o litro de tinta de impressora custa R$13.630,00 (cálculo: o cartucho de tinta colorida da Lexmark, com 5,5 ml de tinta colorida, custa R$75,00=R$13,63 o ml X 1000=13.630,00). Mesmo considerando-se que aí está incluído o cartucho e o “chip”, o preço é inacreditável, um absurdo, uma quantia que daria para comprar três TVs de plasma de 42̓̓ ou um UNO Mille 2003. Por outro lado, o quilo de laranja no supermercado, com cinco laranjas, custa R$1,80 ou seja, R$0,36 cada laranja.
Sou muito mais uma laranja, não só pelo preço, mas por tudo que ela representa. Para que exista uma simples laranja, são necessários vários processos biológicos: germinação da semente, crescimento da planta, aparecimento das folhas e flores, polinização, transformação do ovário em fruto, amadurecimento do fruto. Capazes de inspirar poesias, como escreveu Henfil: “se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu o esforço da semente”. E também livros, como “Meu pé de laranja lima”, de José Mauro, onde o menino Zezé encontrava refúgio no pé de laranja lima do seu quintal.
Além disto, com uma simples laranja, é possível ministrar uma interessante aula de biologia, despertando a capacidade de observação dos alunos (como já fiz várias vezes; também já dissequei muitas baratas para mostrar coração, traquéia, ovários, papo). Ou seja, com a laranja inteira, explorar odor, cor, dureza, circunferência, formato, peso, altura, localização do pedúnculo. Com a laranja descascada, descrever a casca; contar os gomos e as sementes; verificar se todos são iguais; destacar um alvéolo, explorando esta célula gigante; testar o gosto da laranja. Na discussão, enfocar os sentidos utilizados; a importância da semente se encontrar no interior do fruto e da laranja ter sabor e aspecto agradável; como ocorre a reprodução de laranjas sem sementes; no ensino de qual conteúdo poderia ser utilizada esta aula, etc.
 Além do aspecto biológico e de ser fonte importante de vitamina C, laranja é bom demais. Laranja lima, pera, bahia, seleta, qualquer uma. Chupar laranja quando estamos sedentos, tem coisa melhor? Suco com gelo, açucar e espuma. Pato com laranja. Fatiada, com feijoada. Na salada saudável. Bolo, mousse, torta, doce em compota, geléia, que delícia. Isto sem falar nos milhares de empregos gerados pelo cultivo da laranja, principalmente para produção de suco, e o que representa na economia de diversos países. Em New Orleans, por exemplo, todo ano é realizada a festa em homenagem à laranja, com desfile de esculturas imensas, todas esculpidas com laranja.
Voltando à tinta da impressora, não há como negar que a mesma se tornou vital neste mundo informatizado e globalizado, assim como tantos outros itens a serviço do nosso conforto e progresso. Mas também não é preciso assaltar o cidadão com preços exorbitantes. É necessário harmonia entre ciência, tecnologia, ser humano, outros seres vivos e meio ambiente. Dando um simples exemplo: a invenção dos óculos. O que seria de nós sem eles? E vejam a interação entre  natureza e tecnologia, expressa na frase do Jô Soares: “a prova de que a natureza é sábia é que ela nem sabia que iríamos usar óculos e notem como ela colocou nossas orelhas.”