A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Conversando com estátuas




       Gosto de estátuas de bronze, dessas sentadas em um banquinho, onde se pode sentar, abraçar a estátua, sorrir e tirar uma foto. E ás vezes, conversar com ela.      
      No Rio tem uma assim, do poeta Drummond, na Avenida Atlântica. Ele passa o dia com pessoas sentadas ao seu lado, tirando fotos e tentando arrancar seus óculos. Ruy Castro, colunista da Folha de São Paulo, na crônica “Papo com a estátua”, conta que observou duas pessoas com uma relação especial com essa estátua. O primeiro sujeito chega bem cedo e bate profundos papos com o poeta. Não se sabe o que fala, mas deve ser importante, porque dá para vê-lo gesticulando ou se inclinado sobre Drummond, como que para ouvi-lo melhor. Lógico, se ele fala com Drummond, porque Drummond não falaria com ele? Já o outro amigão do poeta chega ao anoitecer, quando está esfriando. Tira o casaco ou o que for e joga sobre os ombros de Drummond, para agasalhá-lo. Quando chove, abre um guarda-chuva e protege o poeta. E deve sofrer quando chove em outras horas e não pode cobri-lo.
      Aqui em Uberlândia não tem uma estátua assim, que inspire conversas ou cuidados. Poderia ter talvez uma do Rondon Pacheco, sentadinho num banco na Tubal Vilela. Ele é uma pessoa simpática, eu iria conversar com ele. Mas só tem uma cabeçorra do Juscelino Kubitschek, muito sisudo, olhando fixamente pra frente, não dá nem pra tirar fotos sorrindo ao seu lado.
      Felizmente, em minhas andanças pelo mundo, encontrei duas estátuas de bronze que inspiravam aconchego. A primeira, em Boston, de um senhor simpático, de meia idade, feições fortes, com terno e gravata amassados, segurando dois tubinhos, sentado em um banco comprido onde havia uma bola de basquete embaixo. Não sei quem era, mas causava simpatia e curiosidade. Tirei uma foto sorridente sentada ao seu lado, de braços dados com ele e com o meu filho que morava em Boston.
      A outra estátua, uma das mais famosas de Portugal, encontrei em Lisboa, na região do Chiado, na conhecida cafeteria “A Brasileira”. Lá estava, não em carne e osso, mas em bronze, o poeta português Fernando Pessoa, que foi freqüentador assíduo desse café. Ele tinha um semblante tranqüilo, um pouco sério, magro, com as pernas cruzadas, de terno apertado e gravata borboleta, chapéu tipo Panamá, de bigodinho, óculos redondos e pequenos, sentadinho em uma mesa onde apoiava uma das mãos. Dezenas de pessoas vão diariamente ao local, tirar fotos com ele: fazem poses enlaçando seu pescoço frio, sentadas na cadeira ao seu lado, pegando em sua mão, olhando para o poeta intrigados ou com admiração. E ele ali, impassível, curtindo a movimentação em torno da sua pessoa de bronze.
 Tirei uma foto abraçada com ele, feliz de documentar para a posteridade a minha presença ao lado de um poeta capaz de escrever versos tão singelos como:” eu tenho um colar de pérolas, enfiado para te dar: as pérolas são os meus beijos, o fio é o meu penar”. Ou então: “Tens uns brincos sem valia, e um lenço que não é nada, mas quem dera ter o dia, de quem és a madrugada”. E outros profundos como: “não sei quantas almas tenho, cada momento mudei; continuamente me estranho, nunca me vi nem acabei. De tanto ser, só tenho alma. Quem tem alma não tem calma, quem vê é só o que vê, quem sente não é o que é.”
Pois é, Fernando, se eu morasse em Lisboa, iria sempre conversar com você, tiraria meu casaco para protegê-lo do frio e abriria o guarda-chuvas quando chovesse.


terça-feira, 21 de agosto de 2012

Medo de ladrão

Vista da casa onde o "ladrão" apertou o interfone

Meu marido, o Zé, tem muito medo de ladrão (de rato também). Aliás, todos nós temos medos diversos: de escuro, de altura, de perder os dentes, de ficar careca, de barata. Mas, voltando aos ladrões, certa vez aconteceu uma situação inusitada.
Por volta das 23 horas, o interfone tocou e o Zé atendeu. Era um homem pedindo comida. De imediato, o Zé deduziu que era um ladrão, pois ninguém jamais iria pedir comida a uma hora dessas. Ficou aflito, andando de um lado para o outro na varanda. Gritou ao pedinte (ou ladrão?) que iria chamar a polícia. Mas o telefone da casa estava ocupado (não existia celular). Era um dos filhos que, no andar superior, falava com o irmão, mas o Zé pensou que ele falava com a namorada. Nervoso, ficou resmungando que os namoros andavam insuportáveis. E ele ali, correndo risco de ser assaltado. Com a confusão, o homem foi embora (sem o prato de comida). O Zé, já calminho, ficou assistindo TV. O problema é que o filho, no andar de cima, ouviu as palavras “ladrão e policia” e avisou ao irmão que parecia que estávamos sendo assaltados. Como não ouviu mais nada, pensou que o Zé e eu estávamos amarrados e amordaçados. Não sabia se descia as escadas para acudir, pois poderia acabar amordaçado também. Daí, elaborou um plano com o irmão: esse deveria ligar e falar a palavra chave que tínhamos no sistema de alarme. Se estivesse tudo bem, quem atendesse (o Zé ou eu) diria a outra palavra combinada. Isso porque, quando o alarme da casa dispara (mas só nesses casos), o pessoal da segurança liga e fala “estrela”. A pessoa que atende deve responder “céu”. Assim, o filho ligou da casa dele e eu atendi. Ele falou um “mãeeeee” prolongado e a palavra “estrela”. Não entendi nada, pensei que ele não estava bem, ligando quase meia noite e falando “estrela, estrela”. A essa altura, eu nem me lembrava mais do provável ladrão. Claro que não falei “céu” e ele se desesperou do outro lado. Nisso, o outro filho veio descendo as escadas devagar, olhando de soslaio pra ver se o ladrão estava por perto. Viu o Zé sentadinho no sofá e eu ao telefone, espantada . Pegou o telefone e explicou ao irmão que não era nenhum assalto. Ele, o irmão, ficou um bom tempo esbravejando comigo, dizendo que quase teve um ataque cardíaco (no final, a culpa foi minha). Ficou indignado por eu nem saber responder “céu” e eu, mais indignada ainda, por eles terem elaborado uma estratégia tão boba, fadada ao fracasso.
Assisti a uma cena no cinema, semelhante a esse caso. Um homem de meia idade chega a uma praia isolada, deixa o carro na estrada e fica tranquilamente se bronzeando. Um carro azul e velho estaciona perto do seu e desce um jovem bem moreno, que se senta na areia e fica observando o mar. O homem de meia idade, vez ou outra, olha desconfiado para o homem moreno. Começa a imaginar coisas e a suar frio. Pega seus apetrechos, sobe a ladeirinha de areia, entra no carro e vai embora pela estrada deserta. Dirige um pouco e o pneu fura. O homem desce apressado e começa a trocá-lo. Aí, olha para longe e vê o carro azul e velho  vindo em sua direção. O coração dispara, as mãos ficam trêmulas, não consegue apertar os parafusos do pneu. Estava a ponto de desmaiar, e o carro azul se aproximando cada vez mais. Vagarosamente, o carro passou por ele e foi embora! O homem ficou encostado no carro, se recuperando do medo do provável assaltante.
Resumindo, existe mesmo ladrão pra todo lado, mas não é preciso exagerar no medo...

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Como nascem os pais



                                Djalma com Yuri, Chris com Lia e Luiz Cláudio com Pedro, Vítor e Théo


     Renato Kaufmann escreveu os livros “Diário de um grávido”, no qual aborda com humor a gravidez do ponto de vista masculino, e “Como nascem os pais”, sobre os dois primeiros anos de sua filha Lucia.
Explica que a vida de um pai é cheia de pânicos, desesperos, muito sono e lágrimas de alegria. Pensava que o desespero ia terminar quando o bebê nascesse e ele contasse os dedinhos, vinte ao todo. Mas descobriu que o parto não é uma conclusão, é só um começo que dura a vida toda. Aprendeu coisas surpreendentes, como: os bebês precisam tomar banho porque não são autolimpantes como os gatos; o choro do bebê é um som de partir o coração; o primeiro cocô, uma tal graxa preta chamada mecônio, depois vira cocô de verdade e ser pai é ter orgulho até de cocô. Ficava fascinado com os olhos da Lucia, parecidos com bolinhas de gude, bonitos como fotos de astronomia. Impressionava-se como um bebê tão pequeno podia ser tão complexo, sabendo até espirrar. E como cabia dentro dela um choro tão forte. Aos quatro meses, virava o rostinho pra ele e abria um sorriso como um sol nascente, acompanhado de uma expressão tão gostosa que dava vontade de chorar. Um sorriso completamente desprovido de interesses lácteos, pois ele não tinha leite como a mãe, a Ana. Aprendeu também que nada, nada no mundo se comparava ao jeito que Lucia olhava pra ele: “sou arrancado do eixo do meu umbigo e subitamente me vejo capaz de ouvir e de entender estrelas.”
Quando ela começou a engatinhar, tudo na casa passou a ser um perigo em potencial, incrível como os bebês são atraídos por tudo que quebra. Ela parecia um bebê de dar corda, com a corda toda, engatinhando atrás dos gatos. Um dia, ela encontrou um teclado da Hello Kitty no chão e ficou descobrindo os sons. Ele pensou: “ela era um espermatozóide entre milhões, à procura de um óvulo e agora está ai, fazendo o maior som. Uau”.
Outra coisa que aprendeu é que ser pai é cheirar a Hipoglós o tempo todo. Por isso, cegos e cachorros são os primeiros a reconhecer os pais. Quando chegou o seu primeiro dia dos pais, pensou no que iria ganhar da pequenina:”fraldas sujas e olheiras, talvez?” Ganhou um delicioso perfume, mas ficou com receio de sufocar seu cheiro de Hipoglós e não ser mais reconhecido pela Lucia.
Aos onze meses, ela aprendeu a dar abraços. E como é bom abraço de filho...Depois da festinha de um ano, ela se transformou em um bebê mais evoluído, com vários “fonábulos” novos. As descidas dos móveis se tornaram mais desesperadoras, como um campeonato de tombo ornamental. Ele descobriu que a combinação de paranóia paterna com imaginação fértil é horrível, horrível.
   Na sequência, Lucia foi para a escolinha, munida de um sorriso radioativo de apenas dois dentes (que coisa impressionante um bebê fazer dentes, soltando fios de baba).E o dia em que, ao buscar a Lucia, teve de levar um peixe ensacado pra casa? Não queria, mas a diretora insistiu. Depois ele se arrependeu de não ter aberto o saco e engolido o peixe vivo, ali, na hora.
No final, o autor escreveu: “quando você veio, eu me preocupava pensando se eu saberia lhe ensinar, e mal desconfiava quanto teria pra aprender”. Sentiu-se também maravilhado como, de todas as coisa deste mundo, ele nasceu pra ser pai da Lucia. Concluiu que esse é um processo que vai se internalizando, derrubando tudo que é árvore no caminho. As mães não, elas já vêm prontas, mas os pais são obrigados a nascer.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Experiências na China

Vista da Grande Muralha da China

Cidade chinesa
Tenho um irmão especialista em siderurgia. Sempre viaja para a China para intermediar importações de coque (carvão mineral) e acaba vivenciando cenas interessantes.
Certa vez, em Pequim, estava em uma kombi com cinco chineses e três brasileiros (bem apertadinhos), procurando uma fábrica de refratários (tijolos para serem usados a 1700 ºC). A certa altura, a kombi quase foi arrastada por centenas de estudantes que saiam das escolas ao mesmo tempo: bicicletas voando, meninos correndo, balbúrdia em chinês, uma multidão incrível. Em outra ocasião, viu uma velhinha atravessar, de bengala, uma pista de seis vias. Ela simplesmente resolveu e foi. Todos os carros pararam para ela passar, depois de muitos pneus derrapando e gritos de terror. Ele descobriu mais tarde que, se alguém atropela um velho na China, passa o resto dos dias atrás das grades. E se for estrangeiro, simplesmente somem com ele.
Em cidades menores, como em Vuxi, viu uma fila de velhinhos se alternando para furar o chão de concreto, usando uma furadeira. Todos alquebrados, magros, enrugados. Quando um se cansava, passava a vez para o outro e ia para o fim da fila. Tudo em troca de um prato de arroz por dia, mas se sentiam valorizados pelo trabalho.
Em Pin Yao City, visitou um castelo de 4500 anos e andou por uma rua da mesma idade, já afundada pelo peso dos anos e da multidão de chineses transeuntes. Lá, ficou observando chineses carregando água, em baldes dependurados em um pau, retirada de um poço profundo e límpido, de 2500 anos, onde se chegava descendo escadas tortuosas.
Em Tianjin, no Teda Internacional Hotel, no café da manhã, roubaram sua pasta com 6000 yuans, passaporte, passagem, cartões de crédito, máquina fotográfica (ele carrega tudo). No vídeo que registra as cenas do hotel, apareceu um chinês alto, bonitão, de terno preto e gravata berrante, aproximando-se da mesa. Ele agarrou a pasta calmamente e saiu do restaurante. Voltam o filme várias vezes e concluem que tem mesmo um ladrão no hotel. Espanto geral, chineses correndo pra todo lado. Chamam a polícia e chegam vinte policiais pequeninos, com fardas principescas. Uma garçonete reconhece que o ladrão é um hóspede do hotel e encontram a pasta roubada no quarto dele. Meu irmão toma litros de chá, de todos os tipos, pra se acalmar. No final, os policiais explicam (com gestos, mímica, inglês fajuto e chinês), que foi tudo um engano, o hóspede pensou que a pasta era do seu amigo, e que ele, o amigo, a tinha esquecido na cadeira (se fosse ladrão mesmo, teriam cortado a mão dele, na China é assim).
Na província de Wuxi, lá no fim do mundo, os chineses ficaram encantados com a chegada dos estrangeiros (ele e um amigo) e ofereceram um jantar de 36 pratos. Quanto mais importante a pessoa, maior o número de pratos: 12, 24 ou 36. Este último é um luxo, tem de tudo: pato, ganso, peixe, cachorro, cobra, escorpião. Os convidados devem experimentar todos, para não serem descorteses. Mas o problema mesmo foi um pratinho com um molho vermelho. Meu irmão pensou que era catchup, molhou o peixe e comeu. Pra que! Era pimenta da brava. Ficou vermelho, a garganta fechou, os olhos esbugalharam, perdeu a fala e a respiração. E o amigo dele também. Chinezinhos correram na cozinha e buscaram sal pra eles engolirem. Não morreram, mas ficaram bem tristinhos e quietinhos em um canto.
Pretendo um dia ir com ele, sentir de perto a magia da Grande Muralha da China. Mas sem comer pimenta.

segunda-feira, 16 de julho de 2012

A culpa é sua

      Há pouco tempo, comprei um aparelho de som principalmente para ouvir Cds, mas o toca Cds nunca funciona. Reclamei na loja, levei para revisão e nada. Conclui que a culpa é do meu filho, que fez questão do modelo mais sofisticado. Mas ele afirma que a culpa é minha, pois avisou antes para eu não comprar aquela marca, pois ela não prestava. Então, a culpa é do vendedor insistente. Ou da loja, que vende produtos ruins. Ou da fábrica, que usa material de segunda. Ou da assistência técnica, que não sabe consertar. Mas minha, a culpa não é.
      Depois do incidente, fiquei pensando nessa mania que temos de jogar a culpa de algo indesejado nas costas de outra pessoa, o chamado bode expiatório. Li um artigo interessante sobre esse assunto, “A arte de culpar os outros” (Veja, maio/2012). Segundo o mesmo, a prática é muito comum na sociedade, pois cada ser humano tende a se considerar melhor do que realmente é, e por isso tem dificuldades de admitir os próprios erros. Vem desde os tempos em que Adão culpou Eva e Eva culpou a serpente, e assim continuamos até hoje. Há casos bizarros, como o de Hugo Chávez, que no ano passado culpou os Estados Unidos por terem provocado câncer nele e em quatro outros presidentes, inclusive em Dilma e Lula (o pior é que tem gente que acredita). Tem também o caso trágico de Andrés Escobar, zagueiro da seleção colombiana de futebol. O coitado fez um gol contra, na partida com os Estados Unidos e seu time foi eliminado da Copa do Mundo de 1994. Quando voltou à Colômbia, foi assassinado a tiros, foi o bode expiatório da derrota, mesmo o time tendo onze jogadores.
      O artigo também cita exemplos de governantes que, ao longo da história, nunca admitiram sua culpa (como vemos até hoje). Mas um exemplo de retidão moral foi dado pelo general americano Dwight Eisenhower, que dias antes da invasão da Normandia, fator decisivo na II Guerra Mundial, deixou preparado um discurso assumindo toda a culpa se a operação fracassasse (felizmente, não precisou usá-lo).
      Outra coisa que descobri é que a culpa de um casal se separar pode ser da sogra, transformada em bode expiatório. Segundo pesquisas realizadas, os motivos campeões da separação dos casais são: traição, ciúme, dinheiro, educação dos filhos, violência doméstica, a genérica “incompatibilidade de gênios” e a chatice da família do parceiro, ou, mais especificamente, da sogra. Como é preciso achar um vilão, encontraram a sogra (fiquei preocupada, sou sogra).
      Também existem casos em que a culpa é tão óbvia que a pessoa não é bode expiatório, é culpado mesmo. Como aconteceu com o meu netinho Yuri, de três anos, que mora na Bahia. Dia destes, estava eu de cabeça quente com tanta balbúrdia que quatro netos pequenos estavam aprontando aqui em casa. Resolvi levá-los para o clube, para brincarem na areia e se acalmarem. Tenho uma sacola rosa choque de prontidão, com todos os apetrechos necessários: pazinhas, peneiras, baldinho. Mas na hora de sair, ela desapareceu. Pergunta daqui e procura dali, o Yuri falou: “Vovó, agora eu não sei, mas a sacola estava aqui, no meu cangote.” Surpresa com aquela palavra, que eu sabia que existia, mas que nunca tinha ouvido ninguém pronunciar, perguntei: “Onde mesmo?” E ele, mostrando as costas com as mãozinhas: “Aqui, na minha cacunda.”  No final, a sacola foi encontrada na garagem e ao lado dela, a prova do crime, as sandalinhas havaianas do Yuri. A culpa pelo sumiço da sacola foi dele mesmo.

sexta-feira, 15 de junho de 2012

Havaí

Vista da praia de Waikiki, em Honolulu

Mar azul visto da varanda do hotel

Montanhas em Kauai
            Incrível, mas fui parar no Havaí. Dezesseis horas de voo até a Califórnia e mais cinco sobrevoando o oceano Pacífico. Estava acompanhando a minha filha, o marido e os dois filhos (ela foi participar de um congresso internacional de ortodontia). Eu passeava e cuidava dos netinhos, de um e três anos. 
            Aprendi e vi muita coisa interessante. Por exemplo, o Havaí é um conjunto de oito ilhas. A maior se chama Hawai’i Big Island e juntamente com Mauai, Kaua’í e O’ahu, são as ilhas mais visitadas pelos turistas. Nessa última se encontra a capital, Honolulu, com cerca de 340 mil habitantes, prédios enormes, hotéis deslumbrantes e nomes de ruas esquisitos, na língua nativa, como Kanekapolei, Aina Haina e Namahana. Ficamos hospedados na famosa praia de Waikiki, freqüentada por surfistas do mundo inteiro, que adoram suas ondas de tamanho ideal e que se quebram de forma perfeita. Nessa ilha também está a base naval de Pearl Harbor e a praia onde ocorrem as maiores ondas do mundo. Como beleza natural, um mar muito azul, morno (pensei que o Pacífico era frio) e límpido, onde as pessoas fazem snorkel e observam  peixes coloridos em águas rasas. Montanhas imponentes que parecem desembocar de forma abrupta na beira do mar. Vulcões em atividade, chuva fininha e arco-íris diários. Como atrações turísticas, tem de tudo: lições de surfe e de mergulho; caminhadas em trilhas com cachoeiras e cavernas; passeios a cavalo, em helicóptero, submarino, caiaque, em barcos para observar baleias, em trens pra ver plantações de abacaxi. Shows de hula-hula com havaianas requebrando, luau com muito fogo e dança, exibições das mil maneiras de se vestir um sarongue, demonstrações da cultura do povo da Polinésia no Centro Cultural. Tem até mergulho em gaiola para ver tubarão. Não cheguei a tanto, mas o passeio de submarino eu fiz (ganhei de presente do genro, que ganhou de brinde). O submarino ficava submergido durante uma hora, com 68 passageiros observando o fundo do mar por meio de enormes janelas transparentes. Deslizava por entre recifes de corais localizados em navios e aviões afundados e que serviam de abrigo para centenas de peixes coloridos, arraias e tartarugas gigantes. Achei emocionante, mas meu netinho e companheiro de aventura ficou decepcionado porque não viu tubarão.
            Além disso, havia pérolas por toda parte e de todas as cores, bolachas deliciosas, café saboroso, muitos colares de flores artificiais e multidões de japoneses (o Japão está a 7 h de voo de Honolulu). Japonesas elegantes, sofisticadas e comprando de tudo em lojas de grife, que aceitam o iene e os vendedores falam mandarim (português, nem sabem que existe, muitos perguntavam que língua era aquela que falávamos).
            Depois de Honolulu, fomos para Kaua’i, a quase uma hora de voo. Uma ilha linda, de um verde exuberante, muitas montanhas e cachoeiras e onde chove todo dia, dizem que é o lugar mais úmido do planeta. Lá foi filmado o Parque dos Dinossauros, e a cena de abertura é a magnífica cachoeira Jurassic Falls, que só pode ser vista de helicóptero.
            Enfim, cada viagem é um aprendizado. Lembro-me do entusiasmo de minha mãe, quando foi a Salvador, em um ônibus de excursão. Levou dois dias para chegar e ficou exausta. Quando alguém perguntou se era a primeira vez que ia lá, respondeu secamente: “primeira e última”. Assim digo eu, a viagem ao Havaí foi ótima, mas foi a primeira e última, longe demais. Agora prefiro curtir as lindas praias do Brasil.

quarta-feira, 4 de abril de 2012

O "cola rato"


            Tudo começou quando encontrei um camundongo nadando na vasilha de beber água da Mel, a nossa cachorrinha yorkshire. O mamífero roedor, da espécie Mus musculus, com dentes incisivos desenvolvidos, orelhas e caudas longas, pêlos cinzentos e macios, tentava desesperadamente subir pelas paredes escorregadias. Olhando a cena, fiquei num terrível dilema: matar o camundongo (ratinho), salvá-lo, fingir que não vi nada, chamar a Mel para estraçalhar o roedor, esperar até ele morrer afogado. Vendo que era valente e esforçado e pensando no bem que presta à ciência como cobaia de laboratório, resolvi salvá-lo. Coloquei a vasilha na poltrona do carro e fui devagar até um terreno baldio, que já deveria mesmo estar cheio de ratos, mais um não faria diferença. A cada solavanco, a água mexia e o ratinho quase saia (se saísse, poderia me dar umas mordidas, transmitir doenças  ou eu poderia trombar o carro quando atacada). Joguei a água com o ratinho no chão e ele saiu correndo, rápido e encharcado.
Teria sido uma história com final feliz, se não tivesse aparecido vários outros ratinhos na cozinha (provavelmente vindos de um lote vago perto de casa) e se eu não tivesse contado o episódio para o Zé, meu marido. Ele tem nojo, asco, aflição, medo, pavor, histeria, repulsão e repugnância de ratazana (Rattus norvegicus), rato (R. rattus) e camundongo (Mus musculus), qualquer espécie. Ficou chocado por eu ter salvado o ratinho. Depois disso, a cada dia surgia outro na cozinha, correndo para debaixo do fogão e desaparecendo como por encanto. A Mel, a cachorrinha, entrou em desespero. Latia sem parar e passava noite e dia de tocaia, olhando debaixo do fogão e da geladeira. O filho adolescente e os netos também faziam plantão, quietinhos na cozinha, esperando os ratinhos, armados com vassouras e rodos (até acenderam o forno, para ver se torravam os pequeninos e nada). Conseguiram, com ajuda da Mel, desentocar e matar três, a pauladas, uma carnificina.  
Com tudo isso, o Zé foi ficando estressado. Saiu e voltou com um arsenal de pegar ratos: uma ratoeira, uma gaiolinha incrementada com um fundo falso (que abaixava quando o ratinho ia comer a isca), e um “cola rato”. Esse último é genial: um papelão dobrado, “made in China”, com instruções de uso e desenho de um rato enorme, com bigodinhos salientes. Dentro, uma cola poderosa, grossa e amarela (conforme descobri, colava tudo mesmo: mão, sapato, cachorro, rato). O papelão deveria ser colocado aberto no caminho dos ratinhos, de preferência com isca de queijo ou banana. Os roedores, quando passassem por cima, ficariam grudados na cola. O arsenal foi todo montado e ficamos aguardando os resultados.
A ratoeira e a gaiolinha não funcionaram, os ratinhos pressentiam o perigo e nem se aproximavam. Mas o “cola-rato”, colocado debaixo do fogão, grudou um ratinho. Ele esperneou, o papelão veio pra frente, a Mel terminou de puxá-lo com as patinhas, pulou no papelão, abocanhou o ratinho e ficou presa. Quando vi a cena, quase desmaiei, mas fui acudir. Depois de muitos gritos (meus), latidos (da Mel) e grunhidos (do ratinho), consegui desgrudá-la, mas os lindos e sedosos pêlos do lado esquerdo do corpo ficaram na cola. O ratinho foi pro lixo e a Mel foi tosada.
Bem, contei toda essa tragédia para ajudar, com essa experiência, as pessoas que talvez passem por uma invasão de ratinhos. Usem o “cola-rato”, é eficiente e custa cinco reais, mas retirem gatos e cachorros de perto.

sexta-feira, 16 de março de 2012

GenÉTICA

          
Na novela “Fina estampa”, tem despertado interesse o caso de Esther e Beatriz, que disputam o bebê Vitória, gestado no útero de Esther, mas gerado com os óvulos de Beatriz. Afinal, quem é a mãe?
            Um caso igual a esse está acontecendo na vida real (Folha de São Paulo, 26/02/2012). Um ex-casal de lésbicas disputa na justiça a guarda de um menino. As enfermeiras Gisele e Amanda viveram juntas seis anos e decidiram ter um bebê por meio da fertilização in vitro. Gisele cedeu os óvulos, que foram fecundados com o esperma de um doador anônimo e transferidos para o útero de Amanda. As duas terminaram o relacionamento e Amanda ficou com o menino. Gisele entrou com um pedido de maternidade, julgado improcedente pelo juiz, que considerou que doadora de óvulos não é parente. Gisele ficou indignada, afirmando que o menino tem os seus gens e a sua cara. Recorreu da decisão e a briga continua.
            Também mereceu destaque o nascimento de Maria Clara, o primeiro bebê brasileiro selecionado geneticamente para salvar a irmã, Maria Vitória. Essa tem cinco anos e sofre de talassemia major, doença hereditária que pode causar grave anemia, necessitando de transfusões sanguíneas freqüentes. A única forma de Maria Vitória se manter viva é receber transplante de células tronco de medula espinhal ou de cordão umbilical de um doador compatível. Na falta de doador, seus pais decidiram ter um “irmão salvador”, que deveria ser livre da doença e ter o sangue compatível com a filha doente. Com fertilização assistida, numa primeira tentativa conseguiu-se seis embriões, que foram descartados porque tinham a doença ou não eram compatíveis. Numa segunda tentativa, conseguiu-se mais 10 embriões, dois deles viáveis. Implantados no útero da mãe, um se desenvolveu e nasceu Maria Clara. Não há dúvida de que o nascimento foi emocionante, mas surgem perguntas como: ao custo de quantos embriões descartados é válido o nascimento de “irmãos salvadores”? Como fazer para resguardar a dignidade humana da pessoa gerada, para que não sinta sua existência  voltada para a cura da outra? E se no futuro essa técnica for utilizada para escolher embriões com determinadas características, como cor de olhos, estatura, beleza?
            São questões éticas decorrentes do avanço científico na área de genética e da tecnologia reprodutiva. Mayana Zats, professora e pesquisadora da USP, em seu livro “GenÉTICA: escolhas que nossos avós não faziam”, relata como a genética envolve não apenas ciência e técnica, mas também dramas humanos, filosóficos, éticos e morais. Conta das lições de vida e exemplos de grandeza que vivenciou junto a famílas com pessoas afetadas por doenças graves e sem tratamento. Conta casos como o de Sônia, casada há 10 anos e cujo pai tinha uma doença incurável, hereditária e neurodegenerativa, que se manifesta depois dos 40 anos. Ela queria ter um filho, mas temia passar-lhe o gene da doença paterna. Vivia um dilema: se fizesse o teste e desse positivo, teria de conviver com o drama de saber que desenvolveria a doença. Se não fizesse, não teria coragem de engravidar. O que a geneticista deveria aconselhar?
            Enfim, os avanços são tantos e tão rápidos que Mayana Zats coloca uma questão assustadora: quem garante que não há malucos por aí tentando gerar clones humanos às escondidas? Sem necessidade de óvulos, bastaria reprogramar uma célula adulta para se comportar como embrionária e inseri-la em um útero, que nem precisa ser humano.

quarta-feira, 29 de fevereiro de 2012

Diferenças e contrastes

Karine e Djalma no dia do casamento

Yara com um ano e oito meses

Tim sentada na rede

Recebi uma encantadora foto por email. Nela, cerca de 30 crianças indianas, com pele escura, cabelos pretos e lisos e roupas  coloridas, fazem um círculo em volta de uma garotinha de uns dois anos, muito branca, loira e de olhos azuis. Estão rindo, com olhares curiosos, algumas tampando a boca de tanto rir, outras agachadas para darem lugar às crianças que estão atrás. Encantadas com aquela menina tão branca, de cabelos cacheados, e que não entende nada do que está acontecendo. Junto com a foto, a frase: “o estranhamento diante da diferença não precisa ser vivido na forma de racismo; é possível vivê-lo com encantamento”.
Vendo a foto, não pude deixar de pensar na minha netinha Yara, de quase dois anos. Ela se parece com a garotinha da foto e está na Índia. Ficará em Rishikesh, a capital da yoga, no Himalaya, por dois meses e meio, com a mãe, o irmãozinho e o pai. Os indianos ficam impressionados com sua brancura e com os cabelos loiros. O pai, Djalma, meu genro, também anda famoso. A pele dele é escura, como a dos indianos, mas os cabelos são do tipo dreadlocks, em longas tranças e todos querem passar as mãos e tirar fotos com ele. É mesmo uma forma de encantamento pelas diferenças.
Já escrevi sobre esse meu genro. Ele vivia em um quilombola na Bahia, junto com os pais e dez irmãos, trabalhando na extração de borracha. Vida dura, sem energia elétrica e sem água encanada. Quando foi descoberto pela minha filha, nunca tinha viajado, ido a um shopping, tomado um cerveja. Agora, a família toda entrou em um Boeing 747 e foi para Madri. Direto do calor da Bahia para os dois dias mais frios dos últimos anos na Europa, acrescentado de uma nevasca terrível na escala em Londres. De lá, desceram em Nova Deli. Imagino o Djalma, saindo da natureza sossegada para cair no turbilhão de pessoas, vacas, porcos, bicicletas, carros e toda aquela loucura que é a Índia. E sem entender o que falam. Aliás, ele não sabe nem ler (a minha filha tentou ensinar, mas não deu certo). Faz parte dos 16 milhões de brasileiros analfabetos. Até freqüentou algum tempo a escolinha do quilombola. Trabalhava o dia todo e percorria 8 km na floresta para assistir aulas que não ensinavam nada. Os sobrinhos ainda hoje continuam tentando, assim como sua irmã, carinhosamente chamada de Tim. Calada, sempre sorrindo, cabelos escovados e enfeitados, braços troncudinhos de carregar água no balde (ela tem 28 anos mas parece uma menininha, pois não cresceu). Somente agora, na sétima série, desistiu de estudar. Durante muito tempo, foi de canoa, estudar em Maraú, para quase nada (iguais ao caso dela, conheço vários).
E aí, de repente, leio um artigo de Roberto Pompeu, na revista Veja, intitulado Homo connectus. Ele descreve essa nova espécie,  formada por pessoas que carregam o smartphone pra todo canto e que partilham a vida com ele. Que olham para seus iPhones muito mais do que umas para as outras, receando perder uma notícia importante, uma mensagem, deixar de fazer uma consulta no Google. Por isso, cada pessoa fica partida ao meio: metade dela se comunica com as pessoas em volta, metade afaga o smartphone com os dedos. Um olho na pessoa, outro olho na telinha, em uma conexão total com o mundo inteiro.
Realmente, parte da humanidade já passou (ou evoluiu?) de Homo sapiens para Homo connectus. Mas o contraste é enorme entre o mundo digital e o mundo que não sabe nem ler.

quinta-feira, 9 de fevereiro de 2012

A melhor idade?

Turma da melhor idade fazendo pose em Madri

      Existem muitas frases interessantes e bem humoradas sobre a meia idade, como: “você sabe que está chegando na meia idade quando tudo dói ou o que não dói não funciona”; “meia idade é quando sabemos todas as respostas e ninguém nos pergunta nada”; “os anos começam a aparecer na cintura e a cintura começa a desaparecer”; “você tem vontade, mas não se lembra de quê”; “primeiro começa a esquecer os nomes, depois os rostos, depois de fechar o zíper”; ‘meia idade é  quando você tem vontade de fazer exercício físico e dorme mais, esperando a vontade passar (o Zé, meu marido, faz isso).  As minhas preferidas são: “podes viver sem sexo, mas não sem óculos” e a frase daquela garotinha, que tentava explicar o que são os avós: “quase todos são velhinhos, usam óculos e já vi alguns tirando os dentes e as gengivas”.
            Realmente, é uma fase na qual os óculos são vitais (eu, sem óculos, nem escuto). E só quem usa sabe como é, sem eles a gente não é nada. O pior é que os óculos sempre desaparecem, são esquecidos nos lugares mais estranhos, são pisoteados, amassados, carro passa por cima. Mas ruim mesmo é quando você troca os seus óculos com o de outra pessoa. Certa vez, fui dar uma voltinha no quarteirão com minha mãe, já velha, gorduchinha e que usava óculos de grau com aro marrom. Peguei os óculos em cima da mesa, ela colocou, segurou apertado no meu braço e lá fomos. No meio do quarteirão, quando foi subir o degrauzinho do passeio, tropeçou e foi caindo devagar. Mas caiu direitinho, sentada. Ficamos rindo, ela amoleceu e não conseguia se levantar. Voltamos depois de um bom tempo e ela sentou-se na varanda. Apareceu a minha cunhada, desesperada, procurando os óculos dela, que estavam em cima da mesa e que desapareceram. Perguntei como eles eram, ela olhou para o rosto da minha mãe e disse: “uai, igualzinho a este, de aro marrom”. Resultado: os óculos não eram os da minha mãe e ela caiu porque não conseguiu enxergar a altura do passeio, culpa minha.
            As dentaduras também são problemáticas (já vi dentadura caindo quando a pessoa riu). Tenho até um tio que perdeu a dentadura no mar. Quando a onda veio, bem forte, ele, que não tinha costume com mar bravio, não sabia se segurava o calção ou firmava a dentadura. Não conseguiu fazer nem uma coisa nem outra. Saiu do mar enrolado numa saída de praia e banguelo.
     Lembrei-me do Zé, quando aquela garotinha disse que já viu uns avós tirarem os dentes e as gengivas. Ele teve que fazer uma ponte móvel com seis dentes e agora é um ritual de tirar, escovar, colocar no copo com água. Os netos andam horrorizados, mas pelo menos estão ótimos para escovar os dentes. É só falar: ”se você não escovar direito, seus dentes vão cair, como os do vovô”.
            Apesar de tudo e das definições como “a velhice não é uma batalha, é um massacre”, estar na “melhor idade” tem suas compensações. Por exemplo, não é preciso preocupações com o que seremos, pois já o somos. Nem ficar pensando com quem vamos nos casar e como conseguir um bom emprego. E tem pessoas que ficam mais charmosas e interessantes com a idade. Como escreveu Ruth de Aquino, colunista de Época: “a sociedade estabelece que idoso é quem tem mais de sessenta anos, mas é preferível empurrar o calendário pra frente. Hoje, para os sessentões, velho é quem tem mais de 80 anos. Os octagenários produtivos acham que velho é quem passa dos 90. No fim, velho mesmo é quem já morreu e não sabe”.

sábado, 4 de fevereiro de 2012

A prova


Para renovar a carteira de motorista, eu precisava fazer a prova teórica. Poderia escolher entre participar de um curso presencial e fazer a prova lá mesmo ou então, estudar sozinha e fazer a prova no DETRAN. Em 30 questões objetivas, deveria acertar no mínimo 21. Pensando que seria moleza, optei por não participar do curso.
Assim, consegui um livrinho que tinha “tuudo” sobre legislação de trânsito, infrações, penalidades, sinalização, direção defensiva, primeiros socorros. Explicava a diferença entre apreensão, retenção e remoção de veículos (pra mim, era tudo a mesma coisa); o que era frenagem (pensava que era quando o carro derrapava na água); os problemas dos retrovisores convexos; a necessidade de manter uma distância de dois segundos entre dois veículos; o comportamento sub e sobre-esterçante (nunca tinha ouvido falar). As normas de conduta: mil infrações gravíssimas, graves, médias e leves, com as penalidades em cada caso. Um horror. Pulei essa parte.
No dia da prova, cinco pessoas participando. Primeira pergunta: parar o veículo na contramão da direção é infração: leve, média, média com multa, grave. Puxa, nem sabia que era infração. Depois: usar o carro para jogar água nos pedestres é: falta de educação; infração leve; média sem multa; média com multa. Tinha certeza de que era falta de educação. Aliás, deveria ser mais que isso e marquei “infração leve” (errei, era média com multa). Em seguida, perguntaram o tipo de gás existente no extintor de incêndio. Nem desconfiava. Marquei o gás ACC porque achei o mais interessante, mas nem sei se existe. Apareceram também questões bem óbvias e pensei: “essas eu acerto”. De repente, a pergunta: “se aparecer vaca e cavalo na pista, qual o procedimento a ser tomado?” Deveria decidir entre acender ou não os faróis e entre buzinar ou não. Pensei na reação dos bichos e optei por não assustar os pobres animais. Mas como as más línguas dizem que sou má motorista (acredito que é por causa do preconceito contra as mulheres ao volante), perdi a segurança e assinalei que iria acender os faróis. Lembro-me de outra difícil: “se acontecer um acidente na pista com orientações para afastar as pessoas e não acender fósforos, o acidente envolve”: incêndio; óleo na pista; fios elétricos caídos do carro; atropelamento. Concluí que não era incêndio, pois o foguinho do fósforo não faria diferença. Quanto ao óleo, pensei que não se incendiaria assim tão facilmente. Fiquei com os fios elétricos, mas sem muita convicção.
Passei as respostas para o gabarito, com capricho, preenchendo as bolinhas. Contei as questões nas quais eu “tinha certeza” que a resposta estava correta: 23. Nas outras sete, como cada questão tinha quatro alternativas, eu ainda tinha 25% de chances de acertar, mesmo sem saber nada. Tranqüilo.
Passado um tempo, o examinador leu as notas: 20, 21, 23, 24 e 26. A nota 20 era a minha, só eu “tomei bomba”, que vergonha! Ainda tive a audácia de perguntar: “Moço, você corrigiu direitinho?” Ele nem respondeu. Eu não sabia se ria, se chorava, se me escondia. A primeira “bomba” de minha vida. Não sei se foi por excesso de confiança, falta de estudo ou burrice mesmo.
Agora, estou com a carteira vencida. Aprendi no bendito livrinho que dirigir com carteira de habilitação vencida, por mais de 30 dias, é falta gravíssima, com multa e sete pontos na carteira (isso eu sei). Tenho que fazer outra prova, mas desta vez não vou contar pra ninguém se for reprovada.

sábado, 21 de janeiro de 2012

Ingresso na UFU

            Não gosto de escrever sobre temas polêmicos, mas não me contive. E sinto-me à vontade para escrever sobre o assunto, pois participei da vida acadêmica da UFU como professora, coordenadora de curso, aluna de doutorado, membro de conselhos superiores, etc e tenho paixão pela universidade. Atuei vários anos na elaboração e correção de questões de vestibular. Como esposa do José de Paulo, presidente da Comissão Permanente do Vestibular durante 13 anos, vivenciei cada etapa do processo. E agora, em 2012, como mãe de vestibulando de 17 anos, acompanhei o primeiro processo seletivo na UFU com ingresso por meio do Sisu, utilizando a nota do Enem.
            Analisei vários aspectos numéricos e muitos são preocupantes. Exemplos: o número de candidatos inscritos na UFU saltou de cerca de 11.000 no último vestibular para quase 50.000, com candidatos das mais diversas regiões do país. Ou seja, está muito mais difícil para um bom e mesmo ótimo aluno de escolas de Uberlândia ingressar na UFU. E como o aluno podia ir mudando sua inscrição de acordo com as notas de corte, que foram bastante altas, muitos foram aprovados em cursos que não eram os desejados e sim, onde conseguiriam aprovação. Isso poderá causar mais desistências e desajustes nos cursos e mais vagas ociosas. Só para se ter uma idéia do problema, ao lado dessas 1789 vagas oferecidas para ingresso em 75 cursos da UFU, estão sendo ofertadas 1161 vagas para transferência externa e para portador de diploma de curso superior, oriundas de desistências, abandono de curso, etc. No Campus Santa Mônica, só no curso de Matemática são 171 vagas ociosas,  no de Física 68, no de Ciências Econômicas, 50. As chances das vagas serem preenchidas são pequenas e isso é muito grave, vagas sobrando em universidade paga com o dinheiro do povo.
Outro fato preocupante é que as turmas de ingressantes são preenchidas por meio do Paaes, destinado aos alunos de escolas públicas e pelo processo seletivo (vestibular). Com isso, vem ocorrendo ao longo dos anos uma distorção na relação candidato vaga. Por exemplo, a turma de Medicina de 2012/1, será formada por 20 alunos que ingressaram numa relação de 100,2 candidatos/vaga (vestibular) e por 20 alunos que ingressaram numa relação de 7,8 candidatos/vaga (Paaes). No Direito noturno, a proporção é de 145,3 para 4,65; na Administração, noturno, é de 114,15 para 4,65; na Engenharia Civil, de 92,5 para 5,95. Não há projeto pedagógico eficiente capaz de resistir a tal disparidade. Por outro lado, dos 78 cursos que reservam vagas para o Paaes, 18 já começarão o semestre com vagas ociosas, pois o número de candidatos do Paaes foi menor que o de vagas. Outros 11 cursos têm um candidato por vaga ou menos de dois.  Ou seja, o certo é investir na melhoria do ensino médio público e não reservar vagas que não serão preenchidas. È necessário que alunos da rede pública e privada possam competir com igualdade.
Quanto ao meu filho vestibulando, lógico que ficou entre os 2940 candidatos reprovados no curso de Direito noturno e não entre os 20 aprovados (mas teria chances em um vestibular “normal”). Conversando com ele, disse que achei engraçado tanta falta de sorte: terminar o ensino médio logo quando a UFU está implantando uma nova forma de seleção; participar “de cara” do vestibular mais concorrido da história da UFU e, pior, escolher o curso que foi o mais procurado de todos. Muito sério, ele respondeu que não achou graça nenhuma.