A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sábado, 16 de maio de 2020

Máscaras e escambo





            As ruas andam mais coloridas, e um tanto exóticas, com o novo visual das pessoas  usando  máscaras  para se protegerem  do coronavírus. Tem máscara de todo tipo e pra todo gosto: brancas, pretas, vermelhas, de bolinhas, estampadas, de flores, listradas. Além do uso normal, também são colocadas no queixo, na testa, no pescoço, dependurada na orelha e no cotovelo. E muitos se atrapalham com o seu uso, como uma senhora que aparece em um vídeo na internet. Está com uma máscara de listras azuis e comendo uma pratada de macarrão. Enrola o macarrão no garfo, enquanto olha para o celular na mão esquerda. Distraída, abre a boca e enfia uma garfada de macarrão na máscara! Pois é, até pra usar máscara é preciso ter estilo; tem gente que consegue ficar  elegante com aquele paninho sufocante tampando o nariz e a boca. Já outros estão se especializando em usar os olhos e as sobrancelhas para expressarem todos os tipos de sentimentos, pois agora, mais do que nunca, os olhos são a janela da alma. Nem adianta mais sorrir para as crianças na rua.
            Outra consequência da necessidade do uso de máscaras é a improvisação, como aconteceu no começo da pandemia. Pessoas com máscaras exóticas e criativas foram fotografadas em um supermercado e foi realizado um concurso para eleger a mais original. Nas fotos, vê-se uma mulher que colocou um chapeuzinho de aniversário de criança tampando a boca e o nariz;  outro furou dois buracos no local dos olhos em um saco de pão e enfiou na cabeça; um senhor de blusa azul cortou uma garrafa Pet de forma estratégica e deu certinho. Já um homem de macacão branco usou uma máscara de borracha na forma de uma cabeça de cavalo. Uma mulher, na moto e carregando as compras, amarrou firmemente uma bucha de lavar prato na frente da boca. Quem ganhou o concurso foi um senhor corpulento que enrolou muito bem um saco cinza de supermercado em volta da cabeça toda (por certo não curtiu o prêmio, morreu sufocado). Eu votaria na máscara de cabeça de cavalo.
        Bem, além do visual inusitado com as máscaras, ando preocupada porque ouvi que estão querendo imprimir dinheiro para fazer frente á crise econômica que estamos atravessando. Uai, como diria o mineiro, é simples assim? Pode? E a inflação? Sei lá, ando com medo é de voltarmos para a época do escambo. Eu mesma já estou praticando. Dia desses, uma inquilina minha deixou o imóvel e não tinha como pagar a reforma. Como ela tinha algumas coisas que não poderia levar, fiquei com uma cama e uma mesa com quatro cadeiras em troca da reforma. Não sei quem saiu ganhando ou perdendo, o tal de escambo é difícil.
         Estou lendo sobre isso no livro "Sapiens", de Yuval Noah, onde tem um capítulo muito interessante chamado "O cheiro do dinheiro". O autor descreve desde a época em que os caçadores coletores não tinham dinheiro e praticavam o escambo simples, até  o surgimento do dinheiro , capaz de converter quase tudo em qualquer outra coisa, tornando-se o mais universal e eficiente sistema de confiança mútua já inventado. Gostei particularmente de um trecho onde o autor explica as dificuldades e limitações do escambo. Exemplifica assim: um agricultor produz as maçãs mais doces da província. Trabalha tanto que os sapatos desgastam. Enche então uma carroça de maçãs e vai para a cidade-mercado à beira do rio, tentar trocar com um sapateiro as maçãs por um par de botas. O sapateiro fica hesitante porque não sabe quantas maçãs pedir. A última vez que trocou maçãs por sapatos havia sido há três meses atrás.  Na época, pediu três sacos da fruta. Mas eram maçãs ácidas e o sapato era feminino, não era uma bota. Além disso, nas últimas semanas uma praga dizimou os rebanhos e o couro estava escasso, os curtumeiros estavam trocando a mesma quantidade de couro pelo dobro do número de sapatos. O sapateiro pensa que isso deveria ser levado em conta, mas não sabe calcular. Além do cálculo, o escambo tem outros problemas. Ambas as partes precisam querer o que o outro tem. E se o sapateiro não gosta de maçãs e se o que ele quer mesmo é um divórcio? O agricultor até poderia encontrar um advogado que gostasse de maçãs e fazer um acordo a três. Mas e se o advogado estiver cheio de maçãs e estar precisando mesmo é de um corte de cabelo?
            Enfim, difícil demais o tal de escambo, melhor mesmo o dinheiro. E quanto às máscaras, ao lado da água e sabão, são as nossas armas mais poderosas nesta guerra contra o coronavírus. Com elas venceremos.  

terça-feira, 21 de abril de 2020

Índios brasileiros





Dia 19 de abril comemorou-se o Dia do Índio. Lembro-me que, há tempos atrás, foi divulgado na TV um possível caso de canibalismo praticado por índios de uma tribo do Amazonas. Filmaram a aldeia e mostraram os costumes dos índios. Interessei-me pelo assunto e procurei  uma coleção de fotos incríveis que tenho, de índios de aldeias no interior do Amazonas, perto da Bolívia. Foram tiradas anos atrás, por minha filha, quando ela lá esteve durante um mês, com uma equipe da Funai, participando dos trabalhos como assistente de dentista. Na época, ela contou-me tudo o que aprendeu e vivenciou.
Partiram de uma cidade chamada São Gabriel da Cachoeira, em um barco, até chegarem no interior da selva. Dormiam em redes dentro do barco e comiam o que levaram. Na outra etapa, entrou em uma canoinha com a dentista, dois ajudantes indígenas e embrenharam-se no meio dos igarapés. Desceram da canoinha e continuaram o caminho à pé, andando dentro da selva, à noite, cortando galhos com facão ( tipo aquele seriado “Lost”),  até alcançarem uma aldeia de etnia hupda.
Os indígenas que moram nessa aldeia têm pouco contato com os brancos, não falam português, usam poucas roupas e não comem açúcar. Vivem em palhoças com parede de barro e existe uma maior, comunitária, onde se juntam para comer biju e peixe. A alimentação é baseada na mandioca. As mulheres trabalham duro, mesmo as grávidas e as idosas. Cuidam da lavoura, plantam, colhem, capinam, carregam coisas, descascam mandioca, fazem farinha. Os homens pescam, fazem redes e canoas. Quando o peixe é abundante, ele é defumado e se transforma em peixe “muqueado”. Em datas festivas, cada família faz a sua bebida alcóolica, em panela própria, de mandioca fermentada, chamada caxiri. Trocam a bebida entre eles, para ver qual está melhor e bebem na cabaça. É um rito social. Ficam bêbados, dançam, pulam e cantam, uma loucura e uma bebedeira geral.
            Os idosos, quando não podem mais contribuir com as atividades da aldeia, são deixados para morrer. Não são tratados e ninguém tenta curá-los. Por sua vez, eles entendem que já cumpriram seu papel e aceitam a morte com naturalidade. Minha filha viu uma velhinha que passava o tempo todo numa rede, numa palhoça afastada, e que só recebia uma sopa ralinha uma vez por dia e mais nada. Ficou chocada, mas compreendeu que o entendimento que os índios têm do fim da vida é muito diferente do entendimento do "homem branco".
            O tratamento dentário é precário, consistindo na extração de dentes e em demonstrações coletivas de técnicas de escovação. Olhei fotos interessantes de todos os indígenas escovando os dentes, mas sem pasta dental. Eles ganham as escovas do projeto da Funai e aprendem também a limpar os dentes com um fio vegetal.
            As crianças indígenas são fascinantes, dóceis e independentes. Nas fotos, há crianças maiores cuidando das menores. Um grupo de meninos e meninas peladinhos, nadando no rio. Correndo na água. Pulando das árvores e mergulhando no rio. Remando sozinhas na canoa. Sentadas na grama. Mamando no peito. Dando birra e rolando no chão. Rostinhos bonitos, parecendo bolivianas. Muitas barrigudinhas, provavelmente cheias de vermes intestinais. Mas o fato incrível e maravilhoso é que as crianças indígenas não apanham de seus pais. Nas aldeias, elas não são castigadas e ninguém bate nas crianças (esse exemplo deveria ser seguido pelos homens “civilizados”).
Ainda sobre costumes em tribos: em certa tribo da África, cada criança que nasce tem uma canção. Cantam a canção para ela em várias ocasiões importantes. Recordam a beleza da pessoa quando ela se sente feia, sua totalidade quando se sente quebrada, sua inocência quando se sente culpada e seu propósito quando está confusa.
Eu gostaria de ter uma canção assim.

sexta-feira, 3 de abril de 2020

Aaatchim!!! Saúde!



         Ai, meu Deus, que saudades dos tempos em que a gente espirrava e as pessoas falavam saúde! Mas tudo isso vai passar. Como dizem alguns memes divertidos, '' quando tudo isso terminar, vou ficar uns 15 dias sem aparecer em casa" ou  "juntos vamos sair dessa: uns gordos, outras grávidas, outros loucos e muitos divorciados, mas vai passar".
           Felizmente o brasileiro tem muito senso de humor, capaz de inventar frases geniais sobre o drama de estar confinado em casa.  Por exemplo: "- Eu comi  11 vezes, dei cinco cochilos e ainda é hoje". "-Mais um dia como as Lojas Pernambucanas: só cama, mesa e banho.". "-Não vejo a hora de passar para o regime semi aberto". Mas a melhor é essa:     "-Hoje vou sair de casa. É minha vez de tirar o lixo. Que emoção! Nem sei que roupa vou usar".
            Também tem piadas implicando com os idosos: "cite o nome de um animal teimoso com a letra V. E o menininho responde: -véio!" E ainda estão dizendo que nos estacionamentos, onde antes estava escrito "idoso", agora está escrito "teimoso"...Até os relacionamentos estão mudando:"homem com álcool gel  procura mulher com máscara para quarentena séria."
              E existe um áudio trágico-cômico que explica bem esse momento de pandemia. Uma mulher, com o nariz entupido e fanhosa, fala de maneira fácil e espontânea: "Nossa Senhora, meu nariz tá entupido e eu tô ficando é doida. Vai trabalhar, fica em casa, morre de vírus, morre de fome; marido em casa, filho pulando, filho gritando, cachorro latindo, gato miando, tudo junto; vídeo de bióloga, vídeo de médico, vídeo de empresário, vídeo de infectologista, vídeo da enfermeira, vídeo do padre, vídeo do pastor;  vídeo do presidente, vídeo do governador, vídeo do prefeito, vídeo do caraia quatro; limpa tudo, fecha tudo, vai morrer, não vai morrer; bate panela contra, bate panela a favor, vai pra janela, faz louvor, chama a pomba gira, vai pro terreiro, joga água sanitária; bate palma pro médico, bate palma pra enfermeira, pro pessoal do supermercado; pede ajuda pro santo, pede ajuda pro orixá; lava a mão, passa álcool, bebe pinga, usa máscara, não usa máscara, vai vacinar, não vai vacinar, tira o véio da rua, joga água no véio, põe luva no véio, leva o vírus pra rua, leva o vírus pra casa..." A mulher termina essa ladainha com voz arrastada, dizendo: -"E o mundo todo acabando!!!"
            Mas bom mesmo foi no Turcomenistão, um país na Ásia Central, ex-integrante da União Soviética e um dos mais fechados do planeta. O ditador de lá resolveu o problema do vírus de uma vez: declarou que no país não existe coronavírus e baniu o uso da palavra. Aquela história de que um problema não existe se você não falar nele. Proibiu o uso pela imprensa e por indivíduos. A polícia pode prender qualquer um que usar a palavra em locais públicos, mesmo que seja em conversa entre amigos. Antes, ele já tinha banido outras palavras do  alfabeto turcomeno, como "problema". O nome do ditador é Gurbanguly Berdymukhamedov. Também, com um nome desses, ele deve pensar que pode qualquer coisa...
           Enfim, cada um tenta superar este tempo de pandemia do coronavírus  a seu modo. Em Santos, conforme li na Folha de SP, uma mulher de 23 anos ficou levemente ferida ao cair de uma janela no primeiro andar. Pular a janela foi a forma que encontrou pra sair de casa e ir visitar a mãe, pois o seu companheiro não deixava. Já Cristiane Gercina, colunista deste mesmo jornal, explica que não tem medo do coronavírus, mas quer sobreviver a ele com sanidade. Está fazendo home office, auxiliando nas aulas online das duas filhas sem ser professora e tentando atender psicólogos e blogueiros que orientam a brincar com os filhos. Enquanto isso, lava, passa, cozinha, faxina, abre mão do salário e ainda tem que pagar as contas em dia. Assim, não consegue nem lavar as mãos. O pior é que  tem malandro tentando aplicar golpes. Em Franca, golpistas pediram por telefone um depósito de R$ 4.900,00 a familiares de pessoa internada com suspeita de coronavírus, explicando que seria para realização de testes. Quando pediram a segunda vez, a família desconfiou e procurou a polícia. Tomara que sejam presos.
             Bem, tudo vai passar, um dia. E aí poderemos nos cumprimentar, abraçar, beijar e falar "saúde" bem alto quando alguém espirrar.



quinta-feira, 26 de março de 2020

Conclusões inconclusivas



   

              Em tempos de pandemia do coronavírus, ando concluindo muitas coisas, de acordo com as mensagens que recebo e com o que vejo na mídia. Primeira conclusão: as responsáveis pelo descobrimento da vacina serão as mães. Tem uma sequência  de fotos mostrando o que as crianças andam aprontando em casa com a falta de aulas, que é de arrepiar. Tem menino grudando ele e o irmão com fita crepe, deixando só os olhinhos de fora. Menininha passando esmalte nas unhas de um pé de galinha. Menino rabiscando ele, o sofá, o cachorro branco e a parede com caneta hidrocor. Turminha concentrada recortando as imagens das notas de dinheiro. E muito mais. As mães, desesperadas, vão encontrar rápido uma solução pro corona. Segunda conclusão: muitas casas devem estar bem arrumadinhas e limpinhas, pois as pessoas têm que arranjar o que fazer.  Tem um áudio engraçado de uma pessoa contando que está lavando suas roupas sem precisar, fazendo comida que nem gosta e que até descobriu uma receita com bicarbonato de sódio que deixa os rejuntes dos azulejos mais brancos que os dentes da Xuxa. Terceira conclusão:  na visão dos homens, a culpa do corona existir é das mulheres. Isso porque, além das mulheres serem menos afetadas, conseguiram cancelar o futebol, fechar os bares e fazer com que os homens não saiam de casa. Quarta conclusão: tem muita gente que vai engordar. Ou por não poder fazer exercícios ou por agonia. Uma mulher explica num áudio que abasteceu a casa dela com medo de passar fome, mas em cada notícia ruim, fica agoniada e vai comendo tudo. Termina concluindo que vai morrer é de gordura. Quinta: os problemas entre os casais que estão confinados em casa deverão aumentar. Em um vídeo, aparece um senhor de meia idade com os dois olhos roxos e um ferimento na testa. Fala, com voz pausada e triste, que precisa dar um conselho para os maridos que estão em quarentena com a esposa:-"Não irritem ela! É muito perigoso!" Sexta conclusão: os idosos estão em apuros. Andam fazendo de tudo pra escapar da quarentena, mas já existe no mercado até gaiola pra prender idoso teimoso. Vi um vídeo engraçado sobre isso. Tem um homem  sentado do lado de fora de uma casinha simples. Sai pela porta uma senhora idosa arrumadinha, segurando uma bolsa. Ele pergunta pra onde ela vai, ela responde que vai pra rua, ele fala que não é para ela ir porque a morte está só esperando ela por o pé na rua. Ela rebate que não tem medo da morte e sai valente, pisando firme com passinhos miúdos. Chega na cerca da casinha, olha para um lado e para o outro. De repente aparece a morte (um cara fantasiado) e ela leva um susto. A morte pergunta: -"Vai pra algum lugar?" E ela: -"Não, "tô" só olhando se os vizinhos estão aqui na porta!" E volta rapidamente.
          Enfim, nestes tempos de pandemia tem acontecido de tudo. Por exemplo, recordes estão sendo quebrados sem querer. A companhia aérea Air Tahiti Nui, no dia 14 de março, realizou o voo mais longo da história,  9.765 milhas sem escalas, de Papeete, no Taiti, até Paris. Devido ás restrições dos EUA, não puderam fazer escala em Los Angeles. Também a produtora de vídeos pornôs, "Brasileirinhas", registrou um número recorde de novas assinaturas no dia 17 de março, com todo mundo trancado em casa assistindo TV.
           Também há gestos de solidariedade de todo tipo. Um grupo que toca cavaquinho criou uma música gostosa ensinando a lavar as mãos. Pessoas postam vídeos ensinando como entreter as crianças em casa. Alguns oferecem serviços grátis, como canais de TV, filmes, cursos de inglês. Outros mostram como se exercitar em casa. Tem até um senhor que coloca água e detergente no piso da cozinha, pra ficar bem escorregadio, e mostra como fazer esteira segurando no fogão e deslizando os pés no sabão.
           Concluindo, nestes tempos de pandemia de coronavírus e  de histeria, precisamos ter coisas boas para falar, rezar muito, ser luz onde estivermos e cuidar do emocional. Caso contrário acabaremos loucos, como o senhor que vi em um vídeo brincando de fazer cócegas em uma barata. Ela estava quietinha, com o dorso para baixo. Ele passava o dedo na barriguinha dela, falando "cute, cute, cute" e a barata mexia as perninhas e a cabeça. Eu, hein!
                Só espero no futuro não ter um bisneto chamado Alcolgelson.

   

domingo, 15 de março de 2020

Grilo recheado





            Quando o assunto é inseto, logo se pensa em insetos nocivos, como mosca do berne, mosquito da dengue, pernilongo, barata, barbeiro da doença de Chagas. Mas inseto é muito mais que isso. Existe cerca de um milhão de espécies descritas e o número de espécies existentes no planeta, segundo diferentes autores, pode variar de cinco a dez milhões. O bom é que a maioria das espécies conhecida é benéfica. Só para dar alguns exemplos: o incrível avanço da genética nos últimos anos se deve em parte aos estudos com a mosquinha da banana, a Drosophila melanogaster, que possui cromossomos gigantes nas glândulas salivares; a maioria das plantas que floresce no mundo depende de insetos polinizadores, como abelhas, vespas, besouros e moscas, para a produção do fruto; os insetos saprófagos decompõem cadáveres de animais e plantas; os insetos do solo promovem aeração e aumento da matéria orgânica; produtos derivados dos insetos, como mel e seda, movimentam indústrias milionárias.
            Além disso, acredita-se que futuramente os insetos terão um enorme destaque na alimentação humana. Atualmente, cerca de 30% da superfície terrestre é destinada à agricultura e à pecuária. Os insetos podem ser criados sem necessidade de áreas específicas para isso e são uma excelente fonte alternativa de proteína. Embora pequenos, são altamente proteicos e podem ser criados em massa, devido à sua alta capacidade reprodutiva e ao ciclo de vida curto. Aliás, a entomofagia, ou seja, o hábito de comer insetos, é bem antigo e surgiu com os primeiros hominídeos. O povo asteca já se alimentava com dezenas de espécies de insetos: assados, fritos, ao molho, fervidos, secos. Hoje em dia são consumidos por diferentes povos em diferentes regiões do mundo. Por exemplo, pupas do bicho da seda são comidas na China e no Japão como biscoito e vespas adultas, na forma de churrasquinho. Ovos de percevejo são o caviar dos mexicanos e os percevejos adultos servem como condimento do alimento, torrados e moídos com pimenta. Lagartas de mariposas são comidas normalmente no Zaire e dez delas são suficientes para suprir as necessidades diárias de um adulto. Gafanhotos africanos cozidos em água salgada são vendidos nos mercados de Marrocos. Tanajuras torradas são usadas como tira gosto em Pernambuco. Larvas assadas de vespas são comidas com farinha pelos índios brasileiros. Insetos enlatados são vendidos nos mercados americanos, mas o preço é alto. As lagartas fritas são comidas como cereal e os gafanhotos fritos são usados em pizza.
            No entanto, muitas pessoas possuem aversão a comer insetos (inclusive eu), o que é muito mais cultural do que científico ou racional. Afinal de contas, outros invertebrados, como ostras e scargots, escorregadios e gosmentos, fazem parte da dieta humana. E a "carne" dos insetos tem os mesmos componentes das outras carnes, mas com muito mais proteínas e vitaminas, representando uma poderosa fonte alimentar para o mundo que passa fome.
          Como tudo é uma questão de hábito, pesquisas mostram que as pessoas podem comer insetos com prazer, desde que apresentados de uma forma disfarçada. Estudantes de entomologia comeram prontamente insetos cobertos com chocolate e também brigadeiros com farelo de grilo. Por outro lado, comemos insetos- ou seus fragmentos- diariamente, e nem sabemos. Alface e couve possuem pulgões diminutos; o arroz é altamente infestado por insetos; a farinha de pão possui pequeninos e inúmeros fragmentos de insetos; massa de tomate, catchup, goiabada, sucos de tomate, maçã, manga e goiaba e outros produtos possuem insetos triturados dentro de um índice aceitável pela saúde publica (isso aumenta o valor nutritivo do produto).
           Assim, como todos nós já comemos insetos mesmo, e deveremos comer mais ainda em um futuro próximo, segue uma receita picante de grilo recheado. Ingredientes: uns dez grilos e amendoins. Retire a cabeça dos grilos e o final do abdômen. Remova o intestino. Insira amendoins torrados no abdômen. Frite os grilos limpos e recheados na manteiga ou no óleo. Polvilhe com sal e sirva quente. Importante: retire as asas e as pernas antes de comer! Bom apetite...
           

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Procura-se

                                 

          Estava eu folheando o jornal " Agora" quando me deparei com duas fotos. A primeira, de uma mulher de meia idade, nem feia nem bonita, se apresentando como viúva, do lar, de bons dotes e procurando um companheiro para se relacionar. A segunda, logo abaixo, de um senhor com cara de mau, explicando seu perfil e querendo se relacionar com mulher de 40 a 50 anos para compromisso sério. Fiquei olhando, pensando, divagando...Quem sabe seria só juntar os dois. Estranho isso, colocar o rosto no jornal pra todos verem, parece meio desesperador, exposição demais...Daí lembrei-me do caso do meu irmão, Geraldo, já falecido, que Deus o tenha. Pessoa culta, inteligente, mas sistemático e de gênio difícil. Por volta do ano de 1965, a sogra dele, Maria Spofia, uma alemã forte e interessante, ficou viúva e foi morar com a filha, esposa do Geraldo, em Blumenau, SC. Ou seja, foi morar com o Geraldo também. Como existe um ditado que diz:  "a melhor distância para a sogra morar é uma distância não tão perto que ela possa ir de chinelo e nem tão longe que ela possa chegar com uma mala", ele teve uma ideia brilhante. Escreveu um texto com o perfil da sogra, explicando que ela procurava um alemão para relacionamento sério. Enviou para um jornal de São Paulo e apareceram vários pretendentes, que enviaram cartas. Ela se encontrou com alguns e gostou do Fritz, um engenheiro alemão que morava no Brasil e tinha uma boa aposentadoria em marco alemão. Casaram-se, ela se mudou para São Paulo, para o apartamento dele, viveram felizes 20 anos e o Fritz ainda levou a Maria para conhecer a Europa toda. Quando o Fritz faleceu, ela ficou com o apartamento, pois ele não tinha filhos. Assim, a ideia do Geraldo deu certo.
           Mas isso foi há 55 anos atrás. Hoje, as pessoas colocam o "procura-se" em sites de relacionamentos, tudo mais evoluído, rápido e com inúmeras possibilidades de escolhas (e de perigos também). Como a história incrível que escutei esta semana, que uma amiga contou-me. O pai dela tem 93 anos. Separou-se da mãe desta minha amiga há muitos anos atrás e casou-se novamente, sendo a esposa bem mais nova que ele. Todos pensavam que ele morreria primeiro, mas não foi assim. Daí ele herdou uma casa boa, vendeu e em agosto passado mudou-se de volta para Uberlândia. A minha amiga providenciou a mudança toda, para poupá-lo, pois está velhinho. Isso numa quinta feira. No sábado, ela foi visitá-lo no apartamento novo. Ele disse que estava sentindo muita solidão e que tinha entrado no aplicativo Tinder para procurar uma namorada. Mostrou para ela fotos de várias que tinham gostado do perfil dele e que tinham respondido, algumas bem mais novas. A minha amiga olhou, deu uns conselhos,  deixou-o  procurando e foi embora. Ligou no domingo e ele não atendeu. Nem na segunda. Preocupada, voltou ao apartamento na terça. Ele estava feliz e contou que tinha arranjado uma namorada. Nisso, a campainha tocou e ela abriu a porta. Entrou uma senhora simpática, de mala e tudo, dizendo que era a madrasta dela e ainda deu-lhe um abraço. Foi um espanto só. Conclusão: estão juntos há sete meses, a namorada é costureira, gente boa, tem uns 70 anos e cuida do pai da minha amiga direitinho. Como recompensa, ele deu para ela, a namorada, uma aplicação de botox, para um tratamento de harmonização facial. Vi a foto dos dois, sorridentes, felizes e bem conservados. Acho que nos tempos atuais a vida começa é aos 90 ...t
            Outro fato que não me esqueço aconteceu há uns quinze anos atrás, no casamento da filha de uma grande amiga. A noiva, radiante e empolgada, fez um pequeno discurso para agradecer a presença de todos. Com um largo sorriso,  explicou que encontrou o seu noivo no site chamado Par Perfeito. Indicou o mesmo pra quem quisesse encontrar um companheiro. Estão juntos até hoje, vivem bem e têm um filho.            Por curiosidade, verifiquei na internet se este site ainda existe. Existe sim. Na página inicial, está escrito que é o melhor site de relacionamento online no Brasil. Basta preencher um cadastro e entrar com um clique. Em azul, em destaque, está escrito "BUSCAR".
            Eu não. Já tenho o meu Par Perfeito.
           


sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

Um milagre chamado Darlene


                                        

             O terremoto de magnitude sete, que arrasou o Haiti em 2010, completou dez anos no domingo,  12 de janeiro. Uma década depois, mesmo com a promessa da comunidade internacional de reconstruir o país do zero, o Haiti continua na pobreza e numa crônica instabilidade política, que se traduz em violentas manifestações de rua.
            Naquela época, escrevi uma crônica sobre algumas pessoas que sobreviveram ao terremoto. Era impossível  explicar a tragédia que aconteceu em Porto Príncipe, mas era possível sentir, sofrer com as pessoas, chorar por elas, alegrar-se quando uma vida era  salva. Como no caso de Darlene Etienne, a adolescente de 17 anos retirada com vida dos escombros após 15 dias, em condições estáveis de saúde. Sua sobrevivência foi inexplicável do ponto de vista médico. Mas milagres acontecem. No caso dela, não um milagre como o acordar de manhã, abrir a janela e ver o dia lindo que Deus coloriu para nós, cada dia de um jeito. Ou de poder desfrutar essa diversidade de flores que Deus planta aqui e acolá, só para colorir e alegrar o caminho da gente. Mas sim, um milagre além da nossa capacidade de compreensão.
Darlene sobreviveu a um pesadelo. De repente, estava viva e soterrada. Sem nem saber por que: seria alguma explosão, algum morro que deslizou, um terremoto (se é que ela sabia que existem terremotos), um prédio por perto que desmoronou? Tudo escuro, o corpo espremido, pedras em volta, terra grudada no cabelo, no corpo todo. Falta de ar, mãos e pés dormentes, músculos doloridos, sem espaço para mudar de posição (e pensar que eu, na minha pequenez, tenho medo de ficar presa no elevador, no escuro e sem ar). A boca seca, a fome lancinante, a consciência indo embora devagarzinho. Cada minuto parecendo uma eternidade (e 15 dias são 21.600 minutos). O medo de se mexer e de tudo desmoronar à sua volta. O pavor de aparecerem vermes, ratos e baratas. A vida passando por sua mente como um filme: as brincadeiras de criança (se é que teve infância), o abraço que queria dar e não deu, a saudade da mãe, do pai, dos irmãos, sei lá. Aquela vontade de gritar, pedir socorro, mas a voz não saia mais. A resignação em ficar quietinha, esperando a morte chegar. Ou esperando um socorro que, no fundo do seu coração, ela sempre soube que chegaria (mas não sabia que perto de 200 mil haviam morrido, que milhares estavam feridos e que à sua volta cerca de 300.000 pessoas precisavam de absolutamente tudo, de abrigo à água, remédio e comida).   Como escreveu Ruy Castro, na Folha de São Paulo, “nenhum livro, filme ou série de TV jamais poderá dar conta da real tragédia de Porto Príncipe. Mesmo a simples reconstituição de um desses dramas individuais está além da capacidade humana de descrever o terror.”
Darlene tinha esperanças e sobreviveu. Miúda, franzina, com olhos opacos, mas capaz de mostrar que o desejo de viver vence a morte. Assim como o pequeno Kiki, que ficou oito dias soterrado e saiu rindo para a mãe, transformando-se no rosto feliz da mais infeliz das tragédias. E Enna Zizi, de 66 anos, que depois de sete dias nas ruínas, cantou firme e forte quando foi salva. Tem também o caso da jovem Widlyn, que depois de gritar e suar muito, deu à luz, no chão do pátio do hospital, ao pequeno Cristopher, que teria como futuro o Haiti destroçado. E depois de tudo, todos precisariam recomeçar. Passados dez anos, fico pensando como estarão Darlene, Kiki, Enna e Cristopher...
Que o Pai desça sobre todos os haitianos com seu amor, citando aqui a prece do teólogo Leonardo Boff: “Pai, desce dos céus, desce, pois morro de fome nesta esquina, não sei para que serve haver nascido, desce um pouco, contempla isto que sou, esse sapato roto, essa angústia, esse estômago vazio, essa cidade sem pão para os meus dentes, a febre cavando-me a carne, esse dormir assim, sob a chuva, castigado pelo frio, perseguido. Pai, desce, toca-me a alma e o coração”.