A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

terça-feira, 9 de abril de 2013

Pôr do Sol


Casapueblo em Punta del Este, Uruguai

          No livro “O Pequeno Príncipe”, o principezinho morava em um planeta bem pequeno. A sua vidinha era melancólica e por muito tempo sua única distração era a doçura do pôr do sol. Podia contemplar o espetáculo várias vezes por dia, bastava afastar sua cadeira para pontos diferentes do planeta. Em certo trecho, ele comenta com seu amigo aviador:-“Um dia eu vi o sol se pôr quarenta e três vezes!” E um pouco mais tarde, acrescentou: -“Quando a gente está triste demais, gosta do pôr do sol...”O aviador perguntou:-“Estavas tão triste assim no dia dos quarenta e três?” Mas o principezinho não respondeu.
            Também gostaria de ver o sol se pôr várias vezes num mesmo dia, não por tristeza, mas pela beleza do espetáculo. Felizmente tive oportunidade de assistir a um pôr do sol inesquecível, valeu pelos quarenta e três do principezinho. Não apenas pela magia e doçura, mas pela singularidade do local de observação, pela história de vida do proprietário e pelo respeito demonstrado pelos turistas. Tudo aconteceu na Casapueblo, em Punta del Este, Uruguai. O lugar é hotel, museu e ateliê do renomado artista uruguaio Carlos Paez Vilaró, de 89 anos. Ele é pintor, escultor, compositor, escritor, muralista e construtor. Casapueblo é a sua “escultura viva” em frente ao mar, toda branca, formada por partes arredondadas que simulam os ninhos de barro do pássaro Forneiro, comum na região. Foi construída à mão, em vários estágios, durante 30 anos, e todos os quartos, salas e varandas são voltados para o mar e ligadas por corredores que  formam um verdadeiro labirinto. Quando Vilaró terminou a construção percebeu, surpreso, que a cidadela havia ficado com a forma do mapa do Brasil. No museu encontram-se quadros e esculturas do artista, com cores vibrantes e que abordam principalmente os temas cultura afro uruguaia e mulher. Cada cor tem um significado: o azul colonial é nostalgia, o branco é ansiedade de ser cor, o verde é vida, o rosado é o amanhecer do amor. Em uma sala, os turistas podem assistir a um filme sobre o artista, no qual Vilaró narra suas viagens e mostra suas obras ao redor do mundo. Conta do acidente em 1972 com o filho, Carlos Miguel, que viajava de avião e este caiu na cordilheira dos Andes, no Chile. Depois de 72 dias, 16 sobreviventes foram encontrados e entre eles estava seu filho. No filme, a descrição que Vilaró faz do abraço que deu no filho, quando o encontrou, dá vontade de chorar. Vilaró nunca desistiu de procurá-lo e conversava com ele todas as noites olhando para a lua(escreveu o livro “Entre mi hijo y yo, la luna”). 
Assim, num local construído por uma pessoa tão especial, centenas de pessoas esperavam o pôr do sol do alto da Casapueblo, olhando a vastidão do horizonte se encontrando com o mar. Matizes de vermelho, laranja e roxo cobriam o céu (eu não sabia que o roxo combinava tanto com laranja). Momento de silêncio, de respeito, de magia. Hora de agradecer a Deus por mais um dia, pelos momentos difíceis e pelos bons momentos, de sentir que a vida vale a pena. Uma foto, um abraço, um afago, o vento no rosto, o barulho do mar, o céu colorido, o sol como uma imensa bola de fogo baixando devagar. Quando desapareceu, as pessoas bateram palmas e algumas brindaram com vinho. Ao fundo, a voz gravada de Vilaró: “tchau, sol, te quiero mucho, gracias por tu encanto”. Tudo muito lindo, até senti a presença do Pequeno Príncipe por lá. 




domingo, 7 de abril de 2013

Redação no Enem


Obs: Texto escrito por mim, com os depoimentos do meu marido, José de Paulo.

Tenho acompanhado com atenção os noticiários sobre as correções das redações do Enem. Fui presidente da Comissão Permanente de Vestibular (COPEV) da UFU no período de 1981 a 1993, quando era obrigatória, por lei, a existência de redação no vestibular. A correção sempre foi preocupante, mesmo com examinadores capacitados, envolvidos e treinados. Embora existissem critérios de correção bem definidos, a nota variava de examinador para examinador. E diferenças mínimas de notas, em cursos concorridos, podem classificar um aluno e eliminar outro. Assim, embora seja inegável que o aluno precise escrever bem ao ingressar na universidade, a redação, em um processo seletivo, não é apropriada para avaliar isso, pois a correção não é confiável.
 Dando um exemplo concreto: os instrumentos de medições de variáveis naturais devem ter precisão, sem a qual esses instrumentos perdem suas finalidadades. Citamos repetitividade, sensibilidade, justeza, confiabilidade. Podemos ilustrar isso com o uso de termômetro para medir a temperatura de um sistema. Se o termômetro possui a característica da repetitividade, deve indicar a mesma temperatura para o mesmo sistema quantas vezes for medida; terá sensibilidade se for capaz de indicar pequenas variações reais de temperatura para o mesmo sistema; terá justeza se indicar o mesmo valor de temperatura para diferentes sistemas de igual temperatura. Ao apresentar essas três características, o termômetro então será confiável. A ausência de confiabilidade compromete instrumentos como medidores de pressão, de nível, de comprimento, de tempo, de umidade relativa, de velocidade e outros.
Fazendo um paralelo com as redações, a falta de confiabilidade na correção das mesmas compromete a redação como sendo uma maneira eficaz de avaliar o conhecimento do aluno de forma quantitativa. A nota atribuída a cada redação deveria ser confiável, aproximando-se o mais possível da confiabilidade ideal. Dessa forma, a correção criteriosa de uma redação resultaria em uma nota que seria sempre repetida, qualquer que fosse o examinador. No entanto, isso não acontece, conforme vivenciei enquanto presidente da COPEV. Na época, testava a correção enviando cópias de uma mesma redação para diferentes bancas. A redação valia trinta pontos e cada banca era composta por três examinadores. Cada um atribuía nota de zero a dez, sendo a nota final a somatória das três notas. Era preocupante como as notas de uma mesma redação variavam muito de uma banca para outra. E, mais espantoso ainda, se a mesma redação fosse corrigida duas vezes por uma mesma banca, as notas seriam diferentes.  Quando a redação deixou de ser obrigatória, propus à UFU a exclusão da redação como instrumento de avaliação do aluno no vestibular, mas não obtive êxito.
Agora, leio na Revista Veja (27/03/2013) que o Enem pode virar piada por causa da correção das redações. Receita de Miojo, hino do Palmeiras e erros grosseiros de português foram bem avaliados. Os 4,2 milhões de redações foram corrigidas por 5.596 profissionais, que gastaram cerca de 1,5 min em cada redação para avaliar itens complexos como o domínio da norma culta da língua e a capacidade de construir argumentações sólidas sobre o tema. Tudo isso vem reforçar minha opinião de que a redação é uma forma injusta de avaliar os alunos ingressantes nas universidades. Deveria ser excluída do Enem e de qualquer outro processo seletivo.

José de Paulo Carvalho