A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

Garrafas quebradas

Os containers de lixo na Praça da Bicota


                Comecei meu domingo com uma cena triste, que se repete diariamente. Em frente à  janela do meu apartamento, na praça Rui Barbosa (praça da Bicota) ficam três containers grandes, verdes, para depósito de lixo doméstico. Mas a grande maioria do lixo ai colocado é formado por garrafas, de todas as cores e tipos de bebida, centenas delas, todas recicláveis. Os bares da praça despejam as garrafas sem nenhuma preocupação com o destino final delas. E a multidão de jovens  que fica na praça à noite, bebendo cerveja no gargalo, deixa  garrafas pra todo canto. Alguns até jogam as garrafas no chão para quebrar e a praça amanhece cheia de cacos de vidro (parecendo o Sérgio Cabral, que quando recebia os amigos para festas espetaculares regadas a vinhos caríssimos, sempre promovia o ritual de chamar os convidados para, todos juntos, estilhaçarem os cascos vazios). De manhã, chegam os varredores de rua e catam pacientemente o lixo espalhado nos canteiros, no chão, nos bancos, na porta das lojas. Depois, à noite, chega o caminhão de lixo da Limpebrás e os funcionários despejam os lixões cheios na caçamba. Muitas garrafas se quebram e o barulho de vidro quebrando, bem alto e perturbador, dura alguns instantes, perturbando os moradores no entorno da praça (no domingo o caminhão passa de manhã). E lá se vai  o caminhão lotado de vidro a ser despejado e compactado no aterro sanitário da cidade, para lá ficar indefinidamente. Uma cena que se repete na cidade toda, acrescida pelos catadores  que acabam remexendo no lixo, todo misturado, para retirar as centenas de garrafas e aumentar sua escassa renda mensal.
         Isso pra mim é um descaso, uma selvageria com o meio ambiente, uma despreocupação com a saúde pública, um desperdício de matéria prima, uma cena de país subdesenvolvido. O vidro é um material valioso, que deveria ser reciclado e assim, auxiliar inúmeras famílias e associações de recicladores de vidro, diminuir o volume de resíduos a ser depositado no aterro e retornar ao ciclo produtivo. Pode ser reciclado inúmeras vezes, conservando suas características. Além disso, os caminhões de lixo são pesados quando chegam ao aterro e o DMAE, empresa responsável pela coleta do lixo urbano em Uberlândia, paga à empresa terceirizada por quilo de lixo coletado. Ou seja, o povo paga pelo desperdício.  
           Bem, depois de ver a triste cena, fui para a missa dominical. O evangelho era Mateus18,15-20, onde há o trecho: “em verdade vos digo, tudo o que ligardes na terra será ligado no céu, e tudo o que desligardes na terra será desligado no céu”. O padre fez um sermão bonito, ressaltando, entre outros, a responsabilidade de cada um por seus atos e a necessidade de envolver a comunidade em diferentes ações, começando  pela conversa com o nosso irmão. Disse que não devemos condenar o outro, que ninguém é dono da verdade, que o amor e a compaixão devem ser os nossos alicerces e que é preciso dar oportunidade aos outros para acertarem. 
           Assim, revigorada pelo evangelho, continuei minha campanha para aumentar a coleta de lixo reciclável nas proximidades onde moro. Já visitei todos os moradores do meu prédio e os donos dos bares por perto. Juntamente com estagiários do DMAE, visitamos três prédios, sendo que dois já separam o lixo.Consegui um contêiner vermelho grande, pra colocar na praça. Fiz adesivos instrutivos, colei e agora fico observando da minha janela se está dando certo. Será necessária uma longa jornada de conscientização das pessoas e de trabalho em conjunto. Como está na lei que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos, deve haver responsabilidade compartilhada dos geradores de resíduos e cada um precisa contribuir para que os mesmos tenham um destino final adequado. Mas, como disse o padre em sua homilia, temos que começar conversando com o irmão.
        E agora meu filho, que está em Marrocos, contou-me que lá não tem como beber vinho, pois é proibido bebida alcoólica.Os bares e pubs são lotados, mas de pessoas bebendo chá. Só o barulhinho do tilintar das xícaras, sem garrafas quebradas. Deu vontade de ir pra lá...   





sábado, 28 de outubro de 2017

A gota

Zé depois da artroscopia, repousando
        De acordo com o dicionário Aurélio, "gota é a porção mínima de líquido suficientemente pesada para cair em forma de esfera ou pera". Temos assim a gota de chuva, de orvalho, de suor, a lágrima.
        Mas não vou escrever sobre nenhuma delas e sim sobre a doença gota, um tipo de artrite que ocorre quando o ácido úrico se acumula no sangue e causa inflamação das articulações. E que dói, dói muito. Curiosamente, também é chamada Doença dos Reis, pois antigamente acometia as pessoas mais abastadas da sociedade que possuíam fartura na mesa (ou seja, os comilões). Uma das causas da gota é o alto consumo de carne bovina, que favorece a produção de ácido úrico no organismo.
          E como o Zé, meu marido, já deve ter comido uma centena de bois ao longo da sua vida, ele é uma pessoa gotosa (não confundir com gostosa). Sofre de gota crônica, que acomete o pé esquerdo, o pé direito, o joelho esquerdo, o joelho direito, vai variando. Ocorre inflamação, dor, inchaço, aumento de temperatura no local. E a articulação pode travar e ele não andar. Um calvário. 
        Acontece que o último e recente ataque de gota na verdade foi um massacre. Ele ficou tão mal do joelho esquerdo que os dois filhos médicos, que lhe dão total assistência, começaram a pensar em outras possibilidades. Pediram uma batelada de exames. E a perna só inchando e doendo. O Zé andando mancando. Depois pulando apoiado em mim. Depois comprei um par de muletas. Depois consegui uma cadeira de rodas emprestada, mas que na verdade era uma cadeira de usar no banheiro, difícil demais de empurrar. E ele imóvel, com a perna inchada e doendo, só pedindo pra mim: traz água com gelo; preciso do óculos;  cadê meu celular; põe minha perna pra cima; preciso ir no banheiro; tenho que escovar os dentes; põe meu celular pra carregar; está na hora de tomar os remédios; preciso de um travesseiro; fecha a cortina pra mim; pega o controle da TV, etc.  Daí, no sétimo dia, eu disse pra ele: "Zé, acho que vou te bater..." Quase fiz como a D. Esperança, uma antiga vizinha que eu tive. Ela era uma velhinha  forte, de pele clara enrugada e bem brava. Cuidava do marido, um velho miudinho que de vez em quando surtava, pulava a janela e fugia. Ela o agarrava e dava-lhe umas boas palmadas. A meninada da vizinhança, que vivia solta pelas ruas, vinha correndo me contar e eu ia defender o velhinho. Quase apanhava também.
           Bem, mas voltando para a gota, o Zé acabou sendo operado pelo filho ortopedista, fez uma artroscopia  no joelho. Estava com o menisco lesionado, com cisto de Baker, acúmulo de líquido gotoso e umas coisinhas mais. Teve que aprender a usar as muletas, pois estava andando errado. Eu também aprendi, caso algum dia precise (foi o filho que ensinou). É assim: coloca-se as duas muletas para a frente, sem abrir muito o espaço entre elas. Depois puxa-se a perna lesionada  para frente até emparelhar com as muletas. Apoia-se o pé no chão. Depois dá o passo com a perna sã. Começa tudo novamente e vai indo...
           Dois dias depois da operação, o Zé deu os primeiros passinhos sem as muletas, até filmei. Os olhos dele ficaram marejados de lágrimas. Talvez estivesse pensando que nunca mais andaria. Lembrei-me daquele vídeo sobre um bebê, com cerca de quatro meses , que não escutava. Colocaram um aparelho auditivo nos seus ouvidos e foi emocionante a expressão do bebê quando ele ouviu a mãe conversando com ele. Ficou quietinho, prestando atenção, com uma carinha maravilhada e incrédula, piscando os olhos. Depois deu um sorrisinho torto.
           Enfim, a vida é bonita, mesmo com suas dores. E cheia de emoções, como o primeiro som que um bebê ouve ou os primeiros passos de um bebê e de um velhinho gotoso entrevado que recuperou a liberdade.