A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

quarta-feira, 28 de novembro de 2018

A volta da ararinha-azul





            A ararinha-azul, Cyanopsitta spixii, é uma das menores das treze espécies de arara encontradas no Brasil. Foi considerada extinta na natureza em outubro de 2000, quando as últimas sumiram do céu brasileiro, por maior que tivessem sido os esforços feitos pelo "Projeto Ararinha na Natureza" para salvar a espécie.
       Agora, a revista Veja de 21 de novembro, numa reportagem intitulada "Olha elas aí outra vez", traz uma ótima notícia:  as ararinhas-azuis estão de volta. Sairão da Alemanha e da Bélgica e virão para o norte da Bahia, no primeiro trimestre de 2019, para duas áreas de conservação que estão sendo criadas na caatinga, em Juazeiro e Curaçá. Elas se livraram da extinção porque uma parcela das que foram contrabandeadas para a Europa e Ásia, no famigerado tráfego de animais silvestres, acabou sendo resgatada por ONGs de preservação animal e conservada em cativeiro. Hoje restam 158.
         Isso é uma história interessante, que daria um filme. Aliás, já deu. No longa metragem de animação, "Rio", que foi indicado ao Oscar, a estrela é Blu, uma ararinha-azul que caiu do ninho no Rio, foi capturada e levada para os Estados Unidos.  Voltou ao Rio, passou por uma série de apuros, conheceu a fêmea  Jade e viveram felizes para sempre.
        Também as ararinhas-azuis de verdade terão que vencer uma série de obstáculos até poderem viver na natureza, felizes para sempre. As primeiras cinquenta desbravadoras  viajarão de avião de carga viva até Petrolina, em Pernambuco, o local mais próximo da reserva. A viagem dura dez horas. Antes, tomarão medicamentos para viajarem calmamente adormecidas em caixinhas, duas a duas. No aeroporto, passarão oficialmente dos cuidados dos veterinários alemães para a equipe brasileira. Daí, serão transportadas em camionete até Curaçá, onde aprenderão a viver em liberdade. Parece fácil mas não é, será um longo aprendizado. Por exemplo, precisam ser ensinadas a reconhecer e captar na natureza as frutas, folhas e sementes de que se alimentam. Até agora, receberam tudo pronto no bico. Também precisarão encontrar locais apropriados para fazer o ninho. Para isso, faz parte do projeto plantar na caatinga, único bioma exclusivamente brasileiro, pés de caraibeira,  árvore alta na qual os antepassados da ararinha-azul faziam ninhos. Outro problema é que precisam saber reconhecer predadores, como serpentes e macacos (caso contrário, logo estarão todas mortas). Assim, serão usados sons e figuras de predadores, para causar medo e ativar o instinto de preservação. Outra barreira a ser vencida é que as avezinhas são escaladoras, gostam de subir cada vez mais alto nos galhos. Terão que aprender qual galho será capaz de suportá-las, senão será tombo na certa. Além disso, precisam entender que são bichos e não gente como a gente, pois animais criados em cativeiro se percebem mais como humanos do que como seres da sua própria espécie. Mais uma barreira: a população no entorno da reserva precisará ser conscientizada para participar no processo de reintegração.
        Entre tantos obstáculos a vencer, talvez o maior desafio seja a reprodução. Além da necessidade de local apropriado para nidificação, a gestação das ararinhas -azuis, de trinta dias, produz apenas dois filhotes, uma baixa taxa de fertilidade, que contribui para a extinção da espécie. As avezinhas até que se acasalam, mas como a população é reduzida, a infertilidade é alta.
         Com tanto trabalho para se salvar da extinção uma única espécie animal, pode-se pensar que tudo isso é um exagero. Mas cada espécie à beira de desaparecer é indício de que uma parte do meio ambiente, essencial á sobrevivência de outras espécies e do homem também, está desaparecendo.
          Oxalá  a ararinha-azul tenha sucesso na sua reintrodução na natureza e volte a colorir com seu voo os céus do Brasil.


terça-feira, 20 de novembro de 2018

O gato preto




        O Léon é um gato preto que participa da nova novela da Globo, "O sétimo guardião". Ele é misterioso, tem poderes, não é bem um gato e sim uma pessoa transformada em gato. Mas a história que vou contar é sobre um gato normal, bem guloso.
     Tenho uma casa de aluguel e resolvi colocá-la na imobiliária, para evitar desgaste com os inquilinos. Só que eu não sabia da existência do gato preto.
    Acontece que ela foi alugada para inquilinos que possuem dez gatos: brancos, marrons, malhados, pretos. Gatos no sofá, no muro, na sala, no quintal, na cozinha. Tudo bem se eles ficassem por ai. Mas o problema era o gato preto. Não porque dizem que gato preto dá azar, mas porque toda noite o felino saia sorrateiro, lépido, pisando macio, corpo elástico, olhinhos verdes brilhando no escuro. Ia atormentar a vizinhança. Entrava na cozinha da D. Tetê (nome fictício, para proteger a personagem) e atacava a comida de quatro gatos filhotes,  indefesos perante a audácia do gatuno que, além de tudo, ainda batia neles. D. Tetê, indignada, foi reclamar com a vizinha, minha inquilina.
O gato preto, alheio a tudo, continuava suas peregrinações, ora na casa da D. Tetê e ora na casa de uma amiga minha, onde batia no Toninho e na Princesa, seus gatos de estimação. Como se não bastasse, ainda subia no fogão e comia nas panelas destampadas, lambendo os beiços. Minha amiga passou a deixar a cozinha fechada, mesmo quando o calor estava insuportável. Culpa do gato preto.
    Um belo dia, D. Tetê veio na minha porta. Desfilou um rosário de lamentações sobre as traquinagens do felino. Queria providências imediatas, até pensei que teria um ataque cardíaco ali mesmo. Sugeri encurralar o gato na cozinha, colocar num saco e soltar bem longe (fazer o que?). Ela ficou estupefata com a sugestão, disse que eu não sabia como era perigoso um gato encurralado. Até me ofereci para ajudar, mas não chegamos a nenhum acordo. E eu, como bióloga, jamais poderia sugerir algo mais drástico.
    Depois, passeando com minhas cachorrinhas (que, felizmente, nunca foram atacadas pelo malvado) encontro-me com a D. Tetê. Ela me pergunta o que vou fazer. Sem saída, prometo-lhe que vou telefonar para a imobiliária e reclamar dos inquilinos. Ligo e conto o caso do gato. A atendente ri da história, fala que nunca receberam reclamação deste tipo. Promete consultar o departamento jurídico. Enquanto isso, o gato preto, gordo de tanto atacar a comida alheia, continua atormentando.
      Em uma manhã, indo buscar pão quentinho na padaria, vejo o gato preto estendido na beirada do passeio, morto. Mortinho. Sem nenhum arranhão, sem sangue, sem tripa pra fora, sem nada. Os pelos brilhando, olhinhos fechados, patinhas encostadas umas nas outras, bem arrumadinho. Abismada, meu primeiro pensamento foi: -"A D. Tetê matou o gato!"
      Chego em casa, conto o acontecido. Minha amiga liga dizendo que o gato preto morreu. A D. Tetê toca o interfone e pergunta se já sei da novidade. Olho bem para ela, tentando decifrar seus pensamentos. Os olhos estão marejados, a voz entrecortada. Não, não pode ter sido ela, a não ser que seja uma excelente atriz. Mas olhos marejados como, se detestava o gato?
    A vizinhança passou a fazer especulações. Teria sido o gato preto envenenado na calada da noite, com veneno de rato? Teria levado uma paulada ou uma pedrada? Ou foi atropelado por um motoqueiro distraído? Por um carro desgovernado? Mas como foi parar no passeio, assim tão arrumadinho? Mistério.

       Sei que o gato preto se foi. Mas não sei se deixou saudades.