A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

terça-feira, 2 de agosto de 2011

Mistérios da morte

             Li um texto interessante do Pedro Bial sobre a morte. Ele comenta que morrer é ridículo, não sabe de onde tiraram essa idéia. Coloca que você combina de jantar com a namorada, está em pleno tratamento dentário e, no meio da tarde, você morre. Obriga você a sair no meio da festa, sem se despedir de ninguém, sem ter dançado com a garota  mais linda, sem ouvir outra vez a música preferida. Sai de casa sem tomar café e talvez nem almoce; começa a falar e talvez nem conclua o que está dizendo. Vítima de uma artéria entupida, de uma bala perdida, de um carro desgovernado. E ainda obriga os outros a arrumar suas tralhas, a mexer nas suas gavetas, a apagar as pistas que você deixou durante a vida inteira. Tendo mais de cem anos, vá lá, o sono eterno pode até ser bem vindo. É hora de descansar e, a esta altura, já não há mais quase nada guardado nas gavetas. Mas, antes de viver tudo, antes de viver até a rapa, isso não se faz, morrer cedo é uma transgressão, um exagero, não tem graça nenhuma.
            Realmente, a morte é um mistério. Um termo tão difícil de definir quanto vida. Do ponto de vista jurídico, “é a extinção do sujeito de direito.” Do biológico, “é a extinção de certos e determinados fenômenos biológicos.” De acordo com a bíblia, “a morte é a passagem para a vida definitiva.” Seja lá o que for, a morte é a única coisa certa que existe na vida. Assim, a vida não é de se brincar, porque em pleno dia se morre. Algumas pessoas encaram isso com naturalidade e convivem bem com a certeza de que, um dia, ela chegará. Mas, como disse Woody Allen, “não que eu esteja com medo de morrer, apenas não queria estar lá quando isso acontecesse.” Ou, como diriam outros, “se a morte é um descanso, prefiro morrer cansado.”
            Há colocações bem humoradas sobre a morte, como “os que mais morrem são os que não tem onde cair morto.” Versos alegres nas músicas, como “quando eu morrer não quero nem choro nem vela, só quero uma fita amarela, gravada com o nome dela.” E a prece genial do Marcello, um menino italiano: “querido Jesus, em vez de você fazer as pessoas morrerem e aí criar outras, porque não fica com as pessoas que já tem? “ Outras são lúgubres, como “cada minuto de vida nunca é mais, é sempre menos: desde o instante em que se nasce, já se começa a morrer.”
            Uma das pessoas que conviveu bem com a morte foi minha mãe. Ela adorava a vida, mas não se desesperou quando pressentiu que a morte estava chegando. O momento de esvaziar as gavetas, como disse Pedro Bial, ela não deixou para os outros, ela mesma o fez (morava comigo aos 87 anos e fez hemodiálise durante um ano). Separou as tralhas que juntou, durante a vida, em cinco partes, uma para cada filho. Cada objeto tinha a sua história, recordava algo (guardou até o meu umbigo, cruzes! E ainda me devolveu!). Ali, sentadinha na varanda, parece que sabia que cada idade tem o seu prazer e a sua dor. Lembrava-me a música de Almir Sater: “um dia a gente chega e no outro vai embora. Cada um de nós compõe a sua própria história e cada ser carrega em si o dom de ser capaz de ser feliz.”
            Assim, a vida passa, a morte chega, mas as lembranças e exemplos que podemos deixar duram uma eternidade.

Nenhum comentário:

Postar um comentário