A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

terça-feira, 25 de outubro de 2011

O avô misterioso

    
         Meus antecedentes, do lado de minha mãe, são índios (segundo ela). Do lado do meu pai, o avô Antônio era português e a avó Anna, suiça. Como todo brasileiro neto de portugueses, posso solicitar a nacionalidade portuguesa por naturalização, que é transmitida aos filhos menores de dezoito anos. Juntamente com um irmão, que também tem descendente menor de 18 anos, resolvemos tentar.
Não por nossa causa (porque bom mesmo é o Brasil), mas pelos filhos menores, pois um passaporte europeu pode abrir muitas portas. Ainda mais em tempos de aquecimento global. Milhares de pessoas (e entre elas, talvez os nossos filhos) provavelmente vão querer imigrar para países mais frios. Tudo indica que em futuro próximo, será impossível viver perto da linha do Equador, devido ás altíssimas temperaturas.
O problema é que o documento básico para obter a nacionalidade é a certidão de nascimento do avô Antônio. Começa então um trabalho de detetive, pois os descendentes não sabem muita coisa do avô português. Milagrosamente, aparece a certidão de óbito do avô, entre uns velhos pertences do meu falecido pai. Nela está escrito que Antônio é natural de Portugal e faleceu aos 52 anos, em abril de 1895. Portanto, nasceu em 1842 ou 1843. Mas, onde? Na certidão de óbito não existe este dado. Conversa vai, conversa vem, alguém lembra que foi em Trás-dos-Montes. Fica mais  fácil, pois bastaria então procurar a certidão de nascimento nessa região. Mas, quem? Como? O meu filho, que está cuidando do caso, descobre uma especialista em procurar certidões de nascimento em Portugal (hoje em dia, existe de tudo). Ela, por sua vez, descobre que Trás-dos-Montes é uma região com quatro províncias: Vila Real, Bragança, Viseu e Guarda. E que cada uma tem milhares de certidões de nascimento arquivadas. Impossível uma busca sem saber o lugar exato e o ano de nascimento, levaria meses e meses.
O sonho da cidadania portuguesa quase vai por água abaixo. Mas o irmão insiste (está preocupado com o futuro da filha pequena) e encontra uma luz: todos os imigrantes japoneses, italianos, portugueses, etc, que chegaram ao Brasil de navio, nos últimos 200 anos, estão registrados no Arquivo Nacional, no Rio de Janeiro, inclusive com o número de passaporte de cada um. A busca pode ser pelo nome ou pela data de chegada do navio. O filho detetive fica horas no arquivo, lendo microfilmes, entre os milhares existentes. Nenhum Antônio de Souza Coelho. Procura então pela data de chegada do navio, com todos os tripulantes. Ele sabia, após a investigação, que o avô Antônio (bisavô dele), havia chegado ao Brasil e morrido de febre amarela alguns anos depois, deixando três filhos pequenos (o do meio futuramente seria o meu pai). Como o avô Antônio morreu em 1895, então chegou ao Brasil alguns anos antes. O filho fez uma busca abrangente, dentro de um intervalo de vários anos, e nada.
 Céus, o que aconteceu com o avô Antônio? Será que veio de Portugal sem passaporte, ou com um nome falso? Clandestino, escondido no porão? Ou não veio de navio? Ou então, será que era português mesmo?
 Meu pai contava muitas estórias, mas como ando confundindo tudo, não sei mais de nada. Mas que o meu avô era o avô Antônio, isso era (lembro-me do único retrato dele, sério e bigodudo, em um quadro grande na parede, junto com a avó Anna, em um vestido de renda).
Além de não conseguir a cidadania européia, agora nem sei se tive mesmo um avô português e ando com a minha identidade abalada..

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Um vestido de seda

A moda em 1895-1920: vestidos longos, cintura fina, mangas bufantes

                                              
                Tenho um livro que é uma verdadeira obra de arte, descoberto no fundo de uma livraria americana. Chama-se “Fashion design”, com 240 páginas, publicado em 1999. São desenhos da moda dos anos 1895 a 1920.
Centenas de ilustrações em preto e branco de mulheres elegantes, de rosto angelical, cabelos curtos anelados, trajando vestidos de uma beleza indescritível. Alguns com saia ampla e rodada, mangas enormes e bufantes, cintura bem fininha. Outros de seda, com um caimento macio, com muitas franjas, rendas e laços. Tecidos bordados, listrados, de bolinha, estampados. Muitas pregas, nervuras, plissados, babados, tecidos sobrepostos. Só vestidos longos (minissaias, naquela época, nem pensar). Como acessórios, luvas, leques, sombrinhas finas, bolsinhas bordadas. Chapéus enormes, pequeninos, com penas, laços de veludo, flores de organza, véu cobrindo o rosto, babadinhos de renda. Um luxo só. Desenhos primorosos de espartilhos, aqueles coletes de tortura usados debaixo dos vestidos, cheios de cordinhas que apertavam as cinturas das mulheres até asfixiar. Camisolas, robes, sombrinhas, luvas e golas de todo tipo. Na parte dedicada aos homens, senhores pomposos, de bigodinho, com ternos quadriculados, casacos compridos com muitos botões, bengalinhas finas, sapatos de duas cores, camisa com nervuras, suspensórios, camisas listradas, pijamas tipo camisão longo, chapéus e cartolas.
            Enfim, um livro gostoso de folhear para ver coisas bonitas e de pensar na evolução da moda. Tudo teve início quando o homem começou a usar roupa, há cerca de 100 mil anos antes de Cristo. Conforme artigo publicado na Current Biology, “Molecular evolution of Pediculus humanus and the origin of clothing”, os cientistas chegaram a essa data da pré-história da moda analisando e comparando os genes dos piolhos que convivem com o homem: o Pediculus humanus capitis, que vive exclusivamente na nossa cabeça e o Pediculus humanus corporis, que vive nas nossas roupas. Eles imaginaram que, se descobrissem quando o último apareceu, esse momento deveria corresponder à época em que o homem passou a se cobrir de roupas. 
            Outro fato interessante ligado à moda é a indústria de tecidos, especialmente da seda. Ela é produzida pela lagarta da mariposa Bombix mori, o bicho da seda. A criação desse inseto teve origem na China, por volta de 2.700 anos antes de Cristo. Hoje, essa mariposa não existe na natureza, foi totalmente domesticada pelo homem. As larvas alimentam-se de folhas da amoreira e quando alcançam o quinto estágio larval, começam a secretar o casulo. O fio é produzido na cabeça, nas fieiras. A lagarta se transforma em crisálida, protegida dentro do casulo, de onde sairia a mariposa. Mas, na indústria da seda, as crisálidas são mortas com água quente e o casulo é desenrolado para produção da seda. São feitas as meadas, ocorre o processo de tintura e lindos tecidos são feitos nos teares (visitei várias vezes, com alunos, a fábrica Minasilk em Patrocínio). Agora, li que a bióloga e designer alemã Anke Domaske acabou de apresentar uma coleção de roupas feitas com tecido de leite. O fio foi criado a partir da manipulação físico-quimica da proteína resultante do leite azedo e o tecido tem a textura da seda, pode isso?
Deu vontade de usar um vestido de seda de leite bem lindo, com muita renda. Mas, lógico, sem usar espartilho.

terça-feira, 18 de outubro de 2011

Aventuras e desventuras de avó

Os netos Pedro e Vítor


                Dizem que o bom de ser avó é que a avó curte os netos, depois entrega para os pais e vai para o cinema. Acrescento que, para curtir, é preciso ter fôlego e saber contornar situações complicadíssimas.
            Por exemplo, levei os dois netos, de quatro e cinco anos e um amiguinho, de sete, ao clube. Lá chegando, fomos jogar futebol na areia. Um irmão no gol, outro chutando, o amigo na cadeirinha alta, como juiz, e eu “dando idéias”. O irmão maior chuta, faz o gol. O menor não aceita e parte para o ataque. Os dois se engalfinham na areia, tufos de cabelos arrancados, areia nos olhos. Para separar a briga, mando o menor, teimoso e brigão, ser o juiz. Antes de começarmos o jogo, ele dá cartão vermelho pra todos. Rebeldia geral, ninguém aceita. Ele então passa pra cartão azul. Reclamamos que não existe cartão azul, mas o juiz não abre mão. O jogo termina antes de começar e vamos para a quadra de cimento. Lá, ninguém quer ficar no meu time. O neto mais velho, sensato e equilibrado, fala com sinceridade: “Vovó, ninguém que ficar do seu lado porque você é muito ruim no futebol” (que desaforo, eu no maior esforço!). Depois, muito bonzinho, fica no meu time, mas todo folgadão no gol. E eu correndo atrás da bola com o amiguinho magrelo que corre como condenado. Considerando-se o tamanho dos meus joanetes (poderia ir para o Livro dos Recordes), e os dedos do pé encavalados, até que sou uma avó ágil. O magrelo agarra a bola com as mãos, coloca perto do gol e chuta. O neto esbraveja, assim não vale. O amiguinho emburra, abraça a bola e sai do campo. O goleiro que reclamou vai atrás, senta-se com ele e dialogam. Voltam em paz e o neto fala: “os dois estavam errados”. Desisto.
            Fomos chupar picolé, para refrescar o corpo e a mente. Aí, um menininho aproxima-se do neto mais novo, que estava sentando numa cadeira lambendo o picolé de morango. Ele olha pro menininho e dispara, sem dó nem piedade: “Orelhudo”. A mãe fica brava e puxa o filho pra outro lado. Fico envergonhada, peço desculpas e vamos embora (mas ele era orelhudo mesmo, orelhas enormes, em cabana).
            Até mesmo um simples bate papo pode ser complicado. Outro dia, o neto de cinco anos falou: “Vovó, eu conheço um menino do meu tamanho que é gay”. E eu, surpresa: “Você não pode falar assim do menino”. E ele: “Mas foi ele quem contou. Ele gosta de brincar de boneca e de passar batom”. Pergunto: “Batom vermelho?” E o neto: “Vermelho, cor de rosa, de qualquer cor”. Falo então que ele nem sabe o que é gay e ele responde: “Sei sim, é homem que quer ser mulher”. O neto mais novo entra na conversa : “E tem mulher gay também. É mulher que quer ser homem”. A priminha deles, de quatro anos, prestando atenção no papo (os dois primos são os ídolos dela): “Então sou gay. Quero ser homem.” Fiquei muda e calada. Falar o que?
            Tem também os momentos de boas risadas (minhas). Li para eles, na revistinha da Mônica, a estória do Anjinho intitulada: “Quer dormir? Conte comigo”. A Mônica tinha assistido a um filme de terror sobre repolhos assassinos e não conseguia dormir. O Cascão queria dormir ao som de uma música “manera”. A Magali não dormia porque a barriga roncava de fome. E o Anjinho, coitado, tentando ajudar. Passei mal de tanto rir. Os netos me olhavam espantados e incrédulos, com um sorriso amarelo, sem achar tanta graça assim e provavelmente pensando: “A vovó é louca”. Não sou, mas às vezes, ser avó é uma loucura.



segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Zé e suas experiências de vida

Zé dançando feliz, no casamento do filho, junto com a escola de samba
             Meu marido, o Zé, gosta muito de dinheiro (como diz ele, quem não gosta?). Na década de sessenta, resolveu comprar um sítio para o lazer da família. Mas entendeu que também deveria, é claro, tirar algum lucro da nova propriedade. Fez alguns cálculos e concluiu que um bom investimento seria criar galinhas caipiras para vender. Cada galinha, por ano, daria uns 20 descedentes; 200 galinhas dariam, vivos, uns 3000 galináceos. Como o preço da galinha caipira era muito bom naquela época, era lucro na certa. A partir daí, começou a povoar o sítio, comprando galinhas sem parar. As galinhas eram compradas de vendedores de bicicleta, dependuradas em um pau, colocadas de cabeça pra baixo e de bico aberto, em posição de desespero total. No início, uma maravilha: galinhas ciscando pra todo, galos cantando, lindos pintinhos piando. Muitos ovos, muitas galinhas chocando, muitos compradores para os frangos. Era só esperar o lucro. Mas começou a faltar comida natural (minhocas, bichinhos, etc) e a ração ficou muito cara, o milho também. Apareceram pássaros que bicavam e destruíam os ovos. Pintinhos nasciam aos montes, mas também morriam aos montes: com a “doença do caroço”, pisoteados pelas galinhas, afogados nas enxurradas, mortos de frio durante a noite. Uma mortandade de fazer dó. Os poucos frangos que sobravam não tinham mais tantos compradores. Por fim, acabaram-se as galinhas e os compradores. Restou para o Zé uma lição, que sempre passa para os filhos, pedindo para que eles, em qualquer investimento, se lembrem da conta das galinhas, pois nem tudo é o que parece ser.
            Outra coisa que o Zé gosta muito é de futebol. Assiste direto na TV e durante muitos tempo, jogou “racha” com uma mesma turma, no Clube Cajubá. Usou para jogar, por muitos anos, o mesmo tênis preto de lona. Um belo dia o tênis rasgou e o Zé só viu na hora do jogo, quando foi calçar o tênis. A última coisa que ele faria na vida seria deixar de ir ao “racha” simplesmente porque o tênis estragou. Não teve dúvidas: calçou o pé direito com o tênis preto que estava bom e o pé esquerdo com um tênis branco , que ressuscitou. E lá se foi, todo feliz, com um tênis de cada cor. No princípio, a turma do “racha” achou engraçado, depois se indignou: “assim não dá, você está confundindo todo mundo, a gente não sabe se você é um ou dois jogadores!” No próximo jogo, levaram um tênis de presente pra ele e o Zé saiu lucrando.
            Uma outra situação engraçada aconteceu quando fomos visitar o filho engenheiro que morava em Toronto, Canadá. O Zé estava mancando e com a perna inchada, conseguência de uma torção muscular. Nós dois fomos almoçar num shopping imenso, na praça de alimentação lotada. Esqueci de pegar guardanapos, levantei-me da mesa e fui buscar. Nisso, apareceu uma mulher pequenina, apanhou minha bolsa dependurada na cadeira e saiu rapidamente. O Zé ficou de pé, mas não conseguia correr atrás. Pensou em gritar “help” (uma das poucas palavras em inglês que sabia), mas ficou encabulado de gritar em pleno shopping. Além disso, não saberia explicar a situação, em inglês, para quem acudisse. Permaneceu parado, boquiaberto, pensando em como foi sair do Brasil para ser assaltado no primeiro mundo, por uma mulher. Voltei tranqüila, com os guardanapos, sem saber de nada. A mulher veio correndo atrás de mim e me entregou a bolsa. Ela pensou que eu a tinha esquecido. Quando olhei para a cara do Zé e entendi a situação, tive um “ataque de risada”. Mineiros no exterior é assim mesmo, um apuro atrás do outro.
            Tem também outra situação interessante, do telhado, mas essa o Zé não me deixa contar. Vou levá-la comigo para o túmulo.
 

terça-feira, 4 de outubro de 2011

Crianças com fome

Criança africana morrendo de fome

              As imagens da África mostrando crianças desnutridas e famintas sempre me chocam. Sei que não é preciso ir tão longe, temos muitas crianças passando fome no Brasil. Li, há tempos, uma crônica na Folha de São Paulo sobre crianças morrendo de fome no nordeste. Uma delas, nos últimos momentos, perguntou: “mãe, no céu tem pão?” Nunca me esqueci dessa frase.
            Mas a situação da África também me preocupa. Quando pequena, perguntavam-me o que eu seria quando crescesse e eu respondia: “missionária na África”. Inesperado para uma criança de cidade de interior, sem acesso a informações, sem TV e sem conhecer nada da situação mundial. Assim, na primeira oportunidade que tive, fui conhecer a África. Emocionei-me ao pisar no solo africano, ao atravessar a savana cheia de avestruzes, ao visitar Soweto, a maior cidade da África do Sul com população só de negros.
            Hoje, fico angustiada com as fotos que vejo. Em uma delas, bastante divulgada na internet e em jornais, há uma criança africana de sexo e idade indefinidos, ajoelhada e encurvada sobre o chão árido e seco. Sem roupas, braços longos e fininhos. É possível contar o número de costelas, pois ela está com a pele sobre os ossos. Enfeitando o pescoço, um colar de contas brancas (ela não tem nada, só o colar). Bem perto da criança, à espreita, um abutre espera pacientemente sua morte para se alimentar do corpinho frágil. A criança está morrendo de fome e o abutre simplesmente espera.
            Decerto ela nunca teve um prato de comida decente, um sapato, uma roupa. Com certeza, nunca tomou um sorvete, chupou um pirulito ou teve um brinquedo. E agora está morrendo, de fome. Fico pensando no fotógrafo que tirou a foto: será que ele retirou a criança de lá, ou deixou para o abutre? Ou será que Deus, em sua infinita misericórdia, carregou a criança em seus braços?
            Ver uma criança morrendo de fome é um dos fatos mais tristes da humanidade. E essa dor não é só minha, é de todos nós. Dor misturada com sentimento de impotência, por não sabermos como repartir o pão. Com sentimento de culpa, por termos tanto o que comer, quando outros não tem nada. Com sentimento de desespero, por sabermos que este não é um fato isolado. De acordo com dados da ONU, um em cada seis habitantes do planeta sofre de desnutrição grave e permanente. A cada cinco segundos, morre uma criança de fome no mundo, são mais de seis milhões por ano. Há 815 milhões de crianças subnutridas nos países em desenvolvimento.
            Os dados são alarmantes e é preciso lembrar que, na Terra, somos todos irmãos. A dor de um é a dor de todos. O chefe indígena Seattle, em 1854, já sabia disso. Em uma carta ao presidente dos Estados Unidos, que queria comprar suas terras, escreveu: “a terra não pertence ao homem, o homem é que pertence a terra. Todas as coisas estão ligadas, como o sangue que une uma família. O que ocorre com a Terra, recairá sobre os filhos da Terra. O homem não tece a teia da vida, ele é simplesmente um de seus fios. Tudo o que fizermos ao tecido, fará o homem a si mesmo”.  Assim, cada um de nós morre um pouquinho junto com essas crianças.
            Por isso, admiro Angelina Jolie, que adotou três crianças e está fazendo a sua parte. Dentre milhões de crianças morrendo de fome, apenas três salvas não faria diferença. Mas para aquelas três que Angelina salvou, ela fez toda a diferença.