A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sábado, 30 de outubro de 2010

Um sopro de esperança


Dois fatos se destacaram nessa eleição: primeiro, o palhaço Tiririca com 1,35 milhão de votos e segundo, Marina Silva com cerca de 20 milhões. O primeiro fato é tão estapafúrdio e exdrúxulo  que nem dá para comentar. Quanto mais para entender. Prefiro ficar com as palavras de Hugo Passolo, que é palhaço, escritor e diretor de circo: “a vergonha do Tiririca não é ser analfabeto, mas sim usar o seu talento para arrastar votos num jogo embromador. Pode parecer piada, mas o Tiririca desonrou o ofício dos palhaços ao se tornar deputado. Eu queria que tudo isto fosse apenas uma palhaçada.”(Folha de São Paulo, 15/10).
      Já a expressiva votação de Marina foi uma grata surpresa. Ela perdeu ganhando. Mesmo com pouco espaço de propaganda na TV e no rádio e bem menos recursos que os principais adversários, a candidatura da morena Marina, de origem humilde, ex-seringueira, que se alfabetizou no Mobral aos 16 anos e que sobreviveu a crises de malária, foi crucial para levar a eleição para o segundo turno e colocar em pauta o desenvolvimento sustentável. O voto para Marina foi um voto pensado, de opinião. Até mesmo por aqueles que a viram como uma opção entre a desgastada oposição entre petistas e tucanos ou como uma repulsa a política atual. Mas foi principalmente escolhida por sua trajetória de vida, por sua figura e propostas. Por sua imagem ética e verdadeira, aliada a um discurso amplo, com argumentos políticos, econômicos e sociais, sem nunca esquecer o ponto de partida: a questão ambiental. Por ser educada e capaz de falar o que pensa, de ser genuína e autêntica. De combinar opiniões pessoais com ponderações de estadista. Por mostrar a oportunidade de novas relações entre economia e ambiente. Por ser capaz de dar esperança. Como escreveu Danuza Leão, “Marina resgatou o que alguns de nós ainda temos lá no fundo, mas de que não falamos, para não sermos acusados de idealistas - portanto ridículos -, que acreditamos que ainda existem valores, que pode haver alguma coisa boa na política”.
      Esse fato, de uma candidata com consciência ecológica chegar perto dos 20% numa eleição presidencial, foi considerado fantástico por Russel Mittermeier, primatólogo presidente da Conservation International, uma das mais competentes organizações ambientais do mundo. Por isso aposta que o Brasil será o primeiro país do mundo a virar colosso econômico sem destruir a natureza. Afirma que é como se os brasileiros mandassem um recado para o mundo dizendo que reconhecem o meio ambiente como base para o desenvolvimento sustentável (Revista Veja, 13/10/2010). A própria Marina reconhece que pela primeira vez no Brasil, aconteceu espaço para uma candidatura verde crescer, coisa inimaginável pouco tempo atrás, quando não poderia nem sonhar em pleitear a presidência com uma bandeira ambiental.
      Enfim, Marina apareceu como uma brisa fresca, um sopro de esperança. Lembro-me de quando dois de meus netos tinham tres e quatro anos. O pai ensinou a eles como responder aos adultos chatos que  perguntavam o que eles iam ser quando crescessem (sempre respondiam: “grande”). O mais novo deveria responder “agiota”, mas como ele não entendia, respondia “idiota”. Já o mais velho, com olhinhos pretos e brilhantes, rosto redondinho, respondia rápido, dando a mãozinha rechonchuda para apertar: “deputado. Conto com seu voto”. Pois é, Marina, quando precisar, você já tem o meu voto, mesmo sem apertar as mãos. 

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Histórias de casal




O Zé, meu marido, é uma pessoa muito simples, a começar pelo nome (dizem que, de bobo, ele só tem a cara e o jeito de andar). Durante muitos anos, só andava de botina, de preferência bem surrada. Pra todo lado e em qualquer ocasião. Também adorava camisa quadriculada, com quadrados “beem” grandes (atualmente está mais discreto e usando sapatos). Quando viajamos para a Europa (um presente “suado” pelos trinta anos de casamento), ele queria levar as botinas velhas de qualquer maneira. Achei um ultraje levar as botinas na nossa primeira (e única) viagem à Europa. As botinas ficaram. Uma tarde, sentados num barzinho em Amsterdam, olhávamos as pessoas que andavam na rua: cabelos azuis, piercings na testa e queixo, roupas mirabolantes. Passou um homem alto, negro, forte, vestido com um macacão vermelho berrante, calçando galochas vermelhas e luzidias. Pedalava devagar uma bicicleta com bandeiras coloridas. O Zé não se conteve e falou em tom magoado: “tá” vendo, e você não me deixou trazer as minhas botinas...”
Certa vez, querendo embelezá-lo, entrei em uma loja de “griff”. Escolhi uma camisa de manga comprida, estampada de marrom claro e escuro, bem “fashion” (na época, ele era reitor na UFU e precisava andar arrumadinho). Levou-a para participar do encontro de reitores em Manaus e desfilou com ela por lá. Depois, num belo dia, estava ele andando no Campus Santa Mônica com a camisa. Encontrou uma velha amiga nossa, que disse espantada: “Zé, você está muito prá frente, andando de camisa estampada com mulher pelada!”  Ele ficou horrorizado, contou que era um presente meu, a amiga ficou mais escandalizada ainda. Chegou bravo em casa e jogou a camisa fora. Olhei-a com atenção, de diversos ângulos, e, surpresa! Tinha mesmo uma mulher nua estampada em toda a frente, com três flores em locais estratégicos. E pior, tinha uma nas costas também. Desisti de embelezá-lo.
De outra feita, fomos a um baile no Praia Clube. O cantor era filho do Altemar Dutra, aquele cantor famoso que possui um vozeirão. O Zé comentou, após ouvir as primeiras músicas: “coitado, não chega nem aos pés do pai dele”. Música vai, música vem, no meio da festa, já no clima, o Zé falou: “sabe, esse cantor não é tão ruim assim”. No final da festa, depois de um bom vinho e muitas músicas, arrematou: “esse cantor é muito melhor que o pai dele”. É isso aí, na vida a gente se acostuma com tudo. É só uma questão de tempo.
E assim, vamos envelhecendo juntos. Esperando as rugas e as dentaduras. Como em uma propaganda de chocolate que assisti, onde dois velhinhos demonstraram grande amor um pelo outro. O velhinho comia com satisfação a barra de chocolate e a velhinha olhava, com vontade de comer o chocolate também. O velhinho passou metade da barra para ela, que fez uma cara de tristeza. Ele entendeu, tirou sua dentadura e emprestou para a velhinha, que escancarou um maravilhoso sorriso desdentado. Há quase quarenta anos, o Zé e eu vamos caminhando pela vida de mãos dadas. A estrada é longa, cheia de percalços, mas temos conseguido permanecer com os pés na mesma estrada. Dividindo e compartilhando (mas não quero dividir minha futura dentadura com o Zé, de jeito nenhum), até que a morte nos separe.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Notícias preocupantes


Recentemente, duas notícias no jornal me chamaram a atenção: “Mulher transforma cinzas em diamante” e “Governo propõe aumento de 63% nas multas de trânsito”. Na primeira, conta-se que uma mulher de 73 anos, de Curitiba, enviou as cinzas do marido para uma empresa suiça, que as transformou em um diamante de 0,25 quilates. Santo Deus, neste mundo de transformações alucinantes, agora estão aproveitando o carbono do corpo humano para criar diamantes. Fiquei pensando na possibilidade do Zé (meu marido) morrer primeiro do que eu. Poderia então transformá-lo em um diamante (possivelmente de uns 0,50 quilates, pois ele é bem socadinho, tem muito carbono)e andar com ele no dedo. Cruzes, que aflição! Nunca, jamais, em tempo algum, “never”.
      A segunda notícia me preocupou porque, não sei a razão, as multas de trânsito me perseguem. Não que eu seja “barbeira”, é uma simples questão de erro de cálculo ou de interpretação. Por exemplo, quando calculo que a velocidade em que estou dá para atravessar no sinal amarelo, nunca dá. Ou então, que estou dentro da velocidade permitida quando atravesso nos redutores, e não estou. Quando interpreto que a placa de estacionamento permitido é dali para frente, é sempre dali para trás. Assim, como diria o mineirinho, “isturdia” (outro dia), cheguei bem na hora que o meu carro ia ser guinchado (que vexame!). Estava estacionado no lado oposto do Banco do Brasil, na Floriano, e interpretei mal a posição das placas. Graças à generosidade e compreensão do policial, o carro ficou, mas a multa também.
De outra vez, dei uma ligeira encostada com o para-choque na porta de um carro, no Campus Umuarama. Culpa de uma ré mal calculada. Olhei o estrago e fiquei abismada. A porta do motorista estava bem amassadinha, não pensei que o choque tivesse sido tão grande. Como ninguém viu, meu primeiro ímpeto, lógico, foi sair de fininho. Mas a honestidade bateu mais forte e optei por escrever um bilhete, quase uma carta, explicando o acontecido e deixando nome e telefone para contato (na época, era coordenadora de curso). Coloquei no vidro da frente e fiquei esperando as conseguências. Resultado: o carro era de um professor da UFU, que ficou encantado com o meu bilhete. Mas o melhor é que ele contou que alguém já tinha trombado na porta antes, ela já estava amassada (esse alguém saiu de fininho). Deus é grande mesmo. Ele comprou uma porta nova e paguei a metade.
De qualquer forma, nunca me transformei em uma fera no volante, como fazem muitos por aí. Li sobre isto, como o fato de que a maioria dos motoristas só se comporta de forma agressiva quando está dentro do carro. Fora dele, são pessoas de temperamento moderado. A coragem deles se justifica porque quem está no volante se torna anônimo e tem a sensação de que jamais vai cruzar novamente com os outros motoristas (daí, aproveita e solta palavrões). Também a falta de contato com os olhos, o olhar frente à frente, capaz de aumentar a cooperação entre as pessoas, não existe no trânsito. E cada país tem seu modo próprio de violência no volante: os americanos e japoneses fazem pressão, colando um no outro; os australianos fazem gestos obscenos e os argentinos gritam palavrões.
Sei que nunca vou apelar para a agressividade, mas posso ir preparando uma poupança para as multas. Agora, transformar o Zé em um belo e resplandecente diamante, nem pensar.

Saudades do papagaio


Lendo as notícias no jornal, deparei com um título interessante: “ave toma antidepressivo após a morte do dono”. Era o caso de um papagaio da Inglaterra, o Glum Fred, que foi criado pelo dono desde filhote. O dono morreu há nove meses, a ave não superou o trauma e está sendo tratada com antidepressivos duas vezes ao dia. Passou a arrancar as penas do pescoço e a balançar a cabeça incessantemente, de saudades. Segundo especialistas, o papagaio entrou em depressão porque não conseguiu entender como o dono simplesmente desapareceu. Coitadinho do papagaio, não dá para entender mesmo!
Lembrei-me então do meu finado papagaio, o Cravo, e bateu uma saudade intensa. Também o criei desde filhote, com papinha de fubá. Ensinei-o a falar, cantar e dançar. Era uma graça, digno de participar dos shows do Faustão. Vivia em um puleiro aberto, no quintal, e sempre saía andando pela casa, com os pezinhos virados para dentro, bamboleando o rabo, livre, solto e feliz. Gostava de subir no meu sofá novo, de vime, e bicava os pauzinhos, deixando buracos enormes. Adorava andar no varal cheio de roupas e cortava todos os botões das camisas (certa vez, encontrei 32 botões no chão). Gritava “Paulinho, Paulinho” (um dos meus filhos), umas cem vezes ao dia. Às vezes, dava voos razantes, mesmo com uma asa um pouco cortada e se empoleirava na árvore da vizinha. Ficava lá, de penas arrepiadas, cantando “o cravo brigou com a rosa” e, com tanta cantoria, logo era encontrado. Bicava de tirar sangue nos desavisados, que chegavam com o dedo em riste, falando manso “dá o pé, meu cravo” (prá mim, ele sempre dava o pé). O Cravo era endiabrado, mas era meu companheirinho. Eu cantava “purutaco, tataco” e ele completava, faceiro, com o bico aberto, mostrando a lingua preta: “a mulher do macaco”.
Acontece que um dia, a paz acabou. Outro filho, que estudava medicina, andava com os nervos à flor da pele por causa do Cravo. Sempre que ia tirar sua sagrada e gostosa soneca, o Cravo atormentava, gritando sem parar. E um dia, em suas andanças pelo varal, o Cravo fez um cocô bem verde e escorregadio, no seu jaleco branco-imaculado. A mancha ia do ombro para baixo, nas costas, afinando, até chegar na cintura. O filho, apressado, não viu o cocô, vestiu o jaleco e foi para o plantão na Medicina. Alguém, educadamente e com muito jeito, avisou a ele que havia uma mancha verde bem estranha no jaleco. Ele voltou uma fera e avisou que ia torcer o pescoço do Cravo, degolar o papagaio e jogar o cadáver do meu queridinho bem em cima da minha cama. Antes que a tragédia acontecesse, tratei de arrumar um cantinho para o papagaio. Levei-o para a chácara de uma amiga, onde havia um cercado grande, com árvore, cachoeira e música ambiente. Lá vivia um papagaio estressado, que arrancava as penas do peito. E surpresa das surpresas, segundo a minha amiga, o Cravo na verdade era fêmea, e passou a se chamar Rosa (ainda não me conformei com isto). Passava o tempo de pezinhos dados com o papagaio estressado, fazendo cafuné na cabeça dele. Um belo dia, o Cravo (ou a Rosa, sei lá), caiu duro da árvore, mortinho, talvez de ataque cardíaco. Mas feliz e bem cuidadinho.
Enfim, como diz a poesia, “há de ficar comigo uma saudade tua, hás de levar contigo uma saudade minha”.