A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

quinta-feira, 27 de outubro de 2016

A balsa do São Francisco

A balsa

Singrando o Velho Chico

O neto Théo, Júlia e o filho Luiz Cláudio na beiro do rio


          O rio São Francisco esteve em destaque na mídia devido à novela "Velho Chico" e ao fim trágico de um dos atores. Eu acompanhava alguns capítulos para ver as cenas com o rio bonito, majestoso, largo e perigoso.
           Gosto desse rio e já passei por muitas aventuras ao atravessá-lo de balsa, para chegar até a fazenda que temos na margem esquerda, no município de Buritizeiro. A balsa pertence à essa prefeitura e carrega de uma vez até 10 carros. Navega da margem direita para a esquerda nos horários ímpares (Ponto Chique para Cachoeira do Manteiga) e faz o trajeto inverso nos horários pares. Assim, a viagem deve  ser programada de acordo com esses horários, para ficar na fila. O drama é que a balsa quase sempre está estragada, com problemas no motor, na hélice ou no casco. Ou então o rio está raso demais e a balsa encalha, como  aconteceu com a camionete do Zé, meu marido. Ele ficou 2h encalhado olhando pro rio. Também há acidentes. Um dia a balsa carregava um caminhão e ele caiu no rio. Na época da chuva, os carros atolam no barreiro e todos têm que empurrar.  E as pessoas também atolam, eu e meus netos inclusive. Mesmo assim, é um alivio quando a balsa está funcionando. Caso contrário, temos que dar volta pela estrada chamada Poeirão (nem precisa explicar o porque do nome) ou atravessar no barquinho do Di, que cobra R3,00 por pessoa e vai singrando corajosamente as águas do Velho Chico. Nesse caso a camionete não atravessa, é preciso descarregar tudo e colocar cada pacotinho no barco, uma luta. Há tempos, nem o Di quis nos levar, pois ventava muito, o rio estava revolto e o barquinho poderia virar (e mesmo se ele quisesse o Zé não iria, não quer morrer afogado).
             Além de tudo, a travessia é demorada quando o rio está muito raso. Os barqueiros precisam ir sondando o leito do rio para passar nos locais mais fundos. Conversaram com o Zé sobre isso, freguês assíduo da balsa e que sempre tem boas ideias. Concluíram que era preciso mudar o sistema de impulsão da balsa, acoplando a ela um rebocador, que mudaria a direção da  balsa nos trechos rasos. Mas, para isso, era preciso calcular qual o peso da balsa quando estava vazia e quando estava cheia, para então saber qual a  potência do motor do rebocador. O Zé armou a resolução do problema, usando o principio do empuxo de Arquimedes (peso do corpo igual ao volume de líquido deslocado). Chamaram o João, gente boa, que trabalha na nossa fazenda e tem muita disposição e vontade de aprender. Ele usou uma vara, mediu a largura e o comprimento da balsa. Mediu o quanto ela submergia quando estava vazia e quando estava com a lotação completa. O Zé fez os cálculos e concluiu que a potência do motor seria de 200 cv. Levaram para o prefeito de Buritizeiro, que engavetou o processo. Não adiantou a descoberta do Arquimedes, nem a boa vontade do João, nem os cálculos do Zé. Faltou vontade política, como, aliás, se vê muito por aí.
           Mas o Zé continua a associar  a teoria com a prática: há pouco tempo , ensinou os funcionários da fazenda a fazerem ângulos retos para construir um galpão,  usando o teorema de Pitágoras. Certa vez, adaptou um freezer para usar  potencial hidráulico ao invés de energia elétrica. O freezer ficava no meio do mato, perto da roda dágua  e fazia 60kg de gelo da noite para o dia, um espanto. Mas isso já é outra história...
      Enquanto isso, continuamos torcendo pra balsa não encalhar. Quem sabe alguma fórmula do Einsten resolve o problema.

segunda-feira, 12 de setembro de 2016

Cão bravo


A netinha Lia com a Lolla

            Adoro ovo caipira, desses com  gema bem amarela e casca azul.  Tempos atrás descobri uma placa em uma casa na vizinhança: "Vende-se ovos caipira". Ao lado, outra placa: "Cuidado! Cão bravo".  A tentação de comer os ovos foi mais forte e  toquei o interfone.  Imediatamente surgiu um cão enorme parecido com doberman , preto, latindo raivoso e dando saltos incríveis para pular o murinho baixo e me devorar viva. Fiquei petrificada onde estava. Apareceu um  homem que não era mentalmente muito normal, mandou o cão ficar quieto e buscou os meus ovos. Voltei mais duas vezes, tentada pelos ovos. Na última vez, cheguei justo no momento em que o cão começou a latir e pulou para cima de uma senhora distraída que passava na calçada com o filhinho. O cão bravo foi detido pelo murinho, mas parte do tronco dele passou por cima e ele quase mordeu a mulher. Ela levou um susto enorme, mas era mais brava que o cão e fez um escândalo na rua. O homem com problema tomou o partido do seu cão raivoso e ameaçou acertar umas pedradas na mulher. Vendo os ânimos exaltados, antes de levar uma pedrada ou uma mordida, dei meia volta e fiquei sem os deliciosos ovinhos caipira.  
            Passado um ano do episódio, criei coragem e  voltei lá. Só vi a placa  dos ovos. Onde estaria o cão bravo?  Seria uma armadilha? Toquei o interfone pronta para correr, se necessário. Apareceu uma senhorinha amável , eu disse que queria ovos e ela me convidou para entrar e ver as galinhas. Eu me neguei veementemente, o cachorro deveria estar lá em algum lugar, de tocaia. Mas ela explicou que tinham dado o cachorro porque ele atacara o senhor idoso e grandalhão, que morava na casa com o seu filho, e ela estava lá para cuidar dele. Eu vi o braço do senhor, todo machucado, com inúmeros pontos, dilacerado, inchado e vermelho, um horror. Também vi as galinhas gordas, livres, ciscando no quintal e de papo cheio. Levei meus ovinhos caipiras, mas fiquei impressionada  ao ver que eu tinha razão de ter medo, o cão era uma fera e ficava solto. Ainda bem que não comeu as galinhas.
            Semanas depois passei por outro episódio envolvendo  cão bravo, mas dessa vez com final feliz. Minha cadelinha yorkshire, a Duda, teve três filhotinhos em junho: Lolla, Milla e Tobias, lindos. Fiquei com a Milla, dei o Tobias e vendi a Lolla. Mas não havia como entregar os cãezinhos para os donos, pois estavam sete netos pequenos passando férias aqui em casa. Eles fizeram um complô para esconder os filhotes e para chorarem juntos como protesto. A compradora da Lolla era insistente e conseguiu levá-la, deixando as crianças aos prantos. Horas depois ela voltou para devolvê-la. Explicou que a Lolla só chorava, não comia e estava sendo aterrorizada por sua outra cachorra, uma filhote de rottweiler que queria engolir a Lolla.  Devolveu a cachorrinha, insistiu em pagar uma multa e ainda deixou um saco de ração e duas vasilhas de metal. As crianças ficaram muito felizes, a Duda deitou de lado e a Lolla mamou até ficar prostrada.

            Agora estou tentando socializar a Duda e a Milla, para que se tornem adultos mais equilibrados. E para que a Duda pare de latir tanto, pois é mentira que cão que ladra não morde. O doberman latia muito e mordeu o dono. Mas não vou julgar o doberman.  Penso que talvez não o ensinaram, desde pequeno, a obedecer a comandos, a respeitar as pessoas, a ser obediente e não brincaram com ele. Talvez o tenham ensinado a atacar mesmo. De qualquer forma, com cão bravo o melhor mesmo é se prevenir.

sexta-feira, 2 de setembro de 2016

Lições das Olimpíadas

Majlinda e sua medalha de ouro
Diego e sua medalha de prata

             Duas reportagens publicadas na revista Veja, sobre as Olimpíadas Rio-16, me chamaram a atenção. A primeira é um depoimento de Majlinda Kelmendi, 25 anos, ouro no judô e primeira medalhista olímpica da história de Kosovo, país em guerra com a  Sérvia por sua independência. Majlinda contou que foi a primeira vez que participou, com uma delegação de apenas oito atletas, com o seu país reconhecido pelo Comitê Olímpico Internacional. As crianças de Kosovo a veem como heroína e essa adoração é emocionante, pois quem vem de onde ela veio não tem muitas oportunidades na vida. Tinha apenas oito anos quando a guerra começou. Disse: " Foi desse país que saiu uma campeã olímpica e isso é gigantesco pra todos nós. Sou apenas uma atleta, mas sinto que estou ajudando meu país como um todo.  O esporte é a melhor arma da diplomacia ".
        A segunda reportagem é sobre o brasileiro Diego Hypolito, 30 anos, que foi medalha de prata na ginástica artística. Na Olimpíada em Pequim era o favorito, mas perdeu a concentração, desequilibrou-se e caiu sentado. Sentiu-se um lixo. E na Olimpíada em Londres, durante a apresentação ele tombou de cara. Entrou em depressão profunda e foi internado em clínica psicológica. Recuperou-se lentamente e passou por 10 cirurgias, devido a lesões nos joelhos, pés e ombros e ficou cinco anos parado. Não dirige mais devido às dores que sente no corpo. Afirma que treina com dor e vai além do limite do seu corpo. Apesar de tudo, com sua garra e determinação, subiu ao pódio na Rio-16 e levou a prata. E chorou muito, tanto que a reportagem é intitulada "Chorão, sim, e daí?" '
       Majlinda e Diego mostraram que só se consegue subir ao pódio com muito trabalho, treinos desgastantes, sacrifícios pessoais, dores no corpo e vontade de vencer. Sabem que participar dos jogos olímpicos é uma forma de fazer parte da máquina do mundo, e sem dúvida o mundo é competitivo. E apesar do espírito esportivo, a Olimpíada premia os vencedores, os ganhadores de medalhas. De preferência, de ouro. Como disse José Simão, cronista da Folha: "E chega de levar bronze! Bronzeado a gente já é! Bronze a gente pega na praia de Ipanema!"
          Mas mesmo de bronze, era uma glória (aliás, a medalha parecia bolacha e os atletas mordiam nela!) . Por exemplo, dois técnicos mongóis ficaram indignados porque o atleta de luta olímpica que eles treinaram sofreu uma penalidade e perdeu o bronze. Em protesto, invadiram o tapete e tiraram a roupa, ficando de sunga, enquanto parte do público aplaudia e a outra vaiava. Por outro lado, também teve comportamento nobre que mereceu medalha de honra, como a recebida pela fundista da Nova Zelândia que parou de correr para ajudar a atleta dos EUA que  caiu na pista.
          Apesar das Olimpíadas mostrarem que os melhores é que vencem e que é preciso muito esforço para subir ao pódio, muitas escolas básicas e de natação premiam todos os que participam de determinada competição. A preocupação é que a criança ou adolescente não sinta nenhum sentimento de exclusão ou de derrota, para não diminuir sua autoestima. Mas penso que ser o último a chegar , apesar de doloroso, pode mostrar que a criança não é boa naquele esporte e precisa se direcionar para outro. Ou então, que precisa se esforçar muito mais. Além do que, pessoas com autoestima elevada demais se julgam superiores às outras.
         Enfim, depois de assistir a vários atletas se superando, fico com a frase: "quem disse que ganhar ou perder não importa, com certeza perdeu."






sexta-feira, 26 de agosto de 2016

Adeus Rio 16




         Acabou tudo. Foram duas semanas de assombros, de surpresas e de encantamento, com a torcida brasileira dando show com sua alegria. A Rio-16 passou no teste. Mas lá se foi o colorido e a alegria que os 350 mil turistas estrangeiros deram ao Rio, o desfile de diferentes sotaques, a garra e o exemplo dos 11.544 atletas de 205 países que  deram o melhor de si em busca do ouro, as transmissões ao vivo pela TV de 45  modalidades esportivas (algumas tão desconhecidas pra mim como arremesso de martelo). Ficou este sentimento de ressaca, como se a gente  estivesse vendo a partida de um grande amor.
        Apesar da ironia pessimista do José Simão, cronista da Folha, ao  escrever que o Brasil já tinha três medalhas de ouro garantidas- assalto triplo com AK-47, corrida de 1.500 m com bolsa de gringo e revezamento de celular roubado- as olimpíadas cumpriram seu papel de espetáculo multinacional e multicultural. Ocorreram problemas sim, e o custo foi altíssimo, 40 bilhões de reais!! Mas foi emocionante e aconteceu de tudo. Por exemplo, nunca tanta gente chorou em disputas esportivas na TV. O Neymar chorou muito, ajoelhado na grama, quando a seleção conquistou o ouro. O Serginho chorou demais, ficou com olhos inchados, foi campeão de vôlei e de choro.  A Marta chorou, deitada na grama, depois da derrota contra a Suécia; a boxeadora Yin Junhua chorou ao receber a medalha de prata, luta boxe mas é bem feminina. Outros sorriram sempre, como Simone Biles, que encantou a plateia ao dançar ao som de "Mas que nada". E o Guga, sem dúvida a grande atração da Globo, riu o tempo todo. Foi contratado para comentar o tênis, mas comentava tudo. Já o  Isaquias, o fenômeno baiano que ganhou três medalhas na canoagem, era bem falante e foi apelidado de Sem Rim pelos colegas (já  perdeu um rim). O José Simão gostou do desempenho dele, escreveu que se o Brasil afundar, o Isaquias salva (também escreveu que o Moro contratou o Bolt pra pegar o Lula e que o Frankstemer não foi no encerramento por medo de vaias).
         Quanto ao aspecto físico, havia atletas de todo tipo ( mas todos com barriga tanquinho). Os gigantes do vôlei, como o russo Dmitriy  com 2,18m e a chinesa  Ting Zhu, com 1,95m. Os magrelos, como o queniano Eliud Kipchoge, com 1,67m e 57kg, vencedor da maratona e que ficou milionário com os prêmios que já recebeu. Os gordinhos e simpáticos, como a goleira angolana de 98 kg e o judoca Rafael Silva, com 170 kg. Os bonitos, como Darya Klishina, do atletismo russo, eleita "a mais gata" e Thiago Braz, ouro no salto com vara, "o mais gato".
       Havia também atletas excepcionais, como  Phelps e Bolt. Como escreveram, "pelos números e pela longevidade, Phelps é o maior atleta olímpico de todos os tempos. Maior do que Bolt. Mas Bolt é muito mais legal". Também surgiram  heróis brasileiros improváveis, como Maicon Siqueira, que trabalhava como pedreiro e ganhou medalha no taekwondo e Rafaela Silva, favelada da Cidade de Deus e ouro no judô.
            Na linda cerimônia de encerramento, crianças cantaram o Hino Nacional ao som de tambores, mulheres rendeiras dançaram, o Pão de Açúcar foi representado no gramado, o primeiro ministro do Japão  "brotou" do chão vestido de Super Mário, a pira olímpica foi apagada, atletas dançaram com as escolas de samba.  Um show de arte, luzes, tecnologia e magia. E as luzes se apagaram.
            Parabéns, Rio, você merece a medalha de ouro!Parabéns, Brasil!


terça-feira, 14 de junho de 2016

A família


A filha Thais com sua família tradicional: pai, mãe e filhos

                                           Zé e seus irmãos olhando com gula o porco paraguaio

                                                           Netos, a sobremesa da vida


                Sempre me intrigou o fato de Jesus ter realizado o seu primeiro milagre em uma festa, transformando água em vinho. E foi muito vinho, o que poderia embebedar muita gente...
                Até que assisti a um belo sermão do padre Olimar, na catedral de Santa Terezinha. Ele explicou que a festa, com sua fartura e aparente inutilidade, é uma necessidade da vida humana e uma afirmação de dias melhores. A vida foi feita para ser festa, não para ser sofrimento ou mesquinharia. E Deus é um Pai alegre, que gosta de alegrar o coração dos homens. O milagre foi realizado em uma festa de casamento, na união entre duas vidas e Deus, para começar uma família. Deveria então haver alegria, mas o vinho acabou. Fez um paralelo com as bodas atuais, onde frequentemente o vinho também falta e a alegria desaparece da união. O vinho do desejo, da afeição, do respeito e da compreensão passa a faltar nas taças do casal. Mas se existir Jesus na relação, a água do cotidiano pode ser novamente transformada em vinho. O milagre do recomeço se inicia com a oferta do que se tem e o vinho do final talvez seja melhor que o vinho do começo. Rezou então pelos casais felizes que passeiam de mãos dadas e por aqueles que separam as mãos e as vidas. Pelos casais que se beijam e se abraçam em amores e por aqueles que se agridem em ciúmes. E abençoou as famílias.
                Ainda sobre a família, li um livro interessante, " O arroz de Palma", de Francisco de Azevedo. Conta a história de uma humilde  família portuguesa que chegou ao Brasil cheia de sonhos. O narrador é Antônio, filho do casal imigrante e Palma é sua tia. Muito pobre, ela juntou o arroz espalhado no chão da igreja no dia do casamento do irmão, abençoou-o  e presenteou  o casal.  O arroz serve de fio condutor da história da família, em seus dramas, conflitos e alegrias. Antônio se transforma em talentoso cozinheiro e dono de restaurante. Compara a família a um prato difícil de preparar. E não precisa ter vergonha de chorar quando se coloca alho e cebola, pois família é prato que emociona. E a gente chora de alegria, de raiva ou de tristeza. Ensina que temperos exóticos alteram o sabor do parentesco, mas que se misturados com delicadeza, tornam a família mais colorida e interessante. Também é preciso cuidado com as medidas, uma pitada a mais pode ser um desastre, pois família é prato  sensível. E saber meter a colher na hora certa é  verdadeira arte, pois pode desandar a receita toda. É bobagem pensar que existe receita de família perfeita. Não há  "Família à Belle Meunière" nem "Família ao Molho Pardo", nas quais o sangue é ingrediente fundamental. Família é afinidade e tem que ser "À moda da casa". E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito. Há famílias doces e outras amargas. Algumas apimentadíssimas e outras sem gosto, tipo "diet', que a gente suporta só pra não perder a linha. É prato a ser servido quente, quentíssimo, pois família fria é impossível de se engolir. Mas é preciso saber a hora certa de apagar o fogo, pois há famílias inteiras queimadas por causa de fogo alto. O autor conclui que receita de família não se copia, se inventa. E deve ser saboreada ao máximo, passando o pão naquele molhinho que fica na louça, pois família é prato que quando se acaba, nunca mais se repete.

                A não ser que, como disse o padre Olimar, se houver Jesus na família, é possível um recomeço com os ingredientes que se tem. E quem sabe, inventar uma receita "À Moda da Casa" mais saborosa que a inicial.


quarta-feira, 4 de maio de 2016

Lídice

Monumento em homenagem às crianças de Lídice mortas pelo nazizmo


           Moro em Uberlândia, no bairro Lídice, há 46 anos. Meus filhos nasceram e foram criados nesse bairro e somente agora descobri o porque do nome Lídice. Várias cidades e locais do mundo inteiro têm este nome em homenagem a uma vila da  antiga Tchecoslováquia, para que ela nunca seja esquecida. A vila foi totalmente destruída pelos alemães durante a Segunda Guerra Mundial e se tornou símbolo da crueldade nazista .
           É uma história muito triste, conforme pesquisei. Tudo foi uma vingança pela morte de Reinhard Heydrich, um comandante nazista, segunda maior autoridade do Serviço Secreto (SS) e também um dos mais cruéis. Era um seguidor fiel de Hitler, seu protegido especial e nomeado Protetor do Terceiro Reich. No dia 27 de maio de 1942, ele se dirigia da vila onde morava para seu escritório no centro de Praga, capital do país e sob domínio dos alemães. O carro onde viajava foi emboscado a tiros por dois integrantes da resistência tcheca, que haviam sido treinados na Inglaterra e que desceram de para-quedas no país. Atingido pelos tiros, Heydrich morreu uma semana depois, no hospital, de infecção generalizada.
                Enraivecido, Hitler ordenou que se fizesse de tudo e que não se poupassem vidas para achar os responsáveis pela morte do oficial nazista e para se vingar dos tchecos. Aconteceu uma retaliação sangrenta e generalizada das tropas nazistas contra a população civil tcheca. E Lídice, uma pequena vila próxima à capital e que se dedicava à mineração, foi interpretada como  hostil aos  alemães e como ponto de reunião dos assassinos de Heydrich. Assim, foi escolhida para ser massacrada. Em 10 de junho, foi cercada por tropas nazistas, que impediram a saída de seus moradores. Os habitantes homens com mais de quinze anos foram separados, colocados em um celeiro e fuzilados em pequenos grupos. As mulheres e crianças  foram enviadas para o campo de concentração onde a maioria morreu de tifo e exaustão pelos trabalhos forçados. A vila inteira foi demolida por explosivos e a terra foi aplainada por tratores. Os alemães espalharam grãos pelo chão de toda a área para transformá-la em pasto e a riscaram dos mapas da Europa. Cerca de 340 habitantes de Lídice morreram no massacre alemão, entre homens, mulheres e crianças. Também outra pequena aldeia de Lezaky foi destruída e seus habitantes executados. A vingança alemã causou em torno de 1500 mortes em toda a Tchecoslováquia e os resistentes que atiraram em Heydrich acabaram se suicidando em Praga, quando estavam prestes a serem presos pela SS.

           Os nazistas sempre ocultavam os crimes de guerra. Mas no caso do massacre de Lídice, fizeram questão de divulgar, para que servisse como uma ameaça para a população cativa da Europa ocupada pela Alemanha. O fato causou uma onda de terror e indignação mundial. Atualmente, o local onde Lídice existia foi transformado em um campo santo e em memorial nacional, onde queima um fogo eterno. Existe lá um memorial especial, esculpido para as cerca de 88 crianças que foram mortas. Estão todas de pé, em roupas simples, sérias, enfileiradas, algumas de mãos dadas. É tenebroso pensar que foram todas, em sua inocência, mortas por vingança em uma guerra. 
            Em 1949 até reconstruiram a vila, nas proximidades daquela que foi retirada do mapa, mas nada apaga da história da humanidade a tragédia que aconteceu com Lídice. E resta a nós, moradores do bairro Lídice de Uberlândia, fazer ao menos uma prece silenciosa por tantos que morreram vítimas do nazismo.






Os piolhos e o colchão

Pediculus humanus capitis, o famigerado piolho

Colchão de ótima qualidade,
            Existem pessoas  especialistas em todos os tipos de assuntos, e algumas especialidades são inacreditáveis. Por exemplo, descobri que nos States existe especialista em acabar com os piolhos do couro cabeludo, quando a minha netinha apareceu com piolhos. Ela era apenas uma entre milhões de pessoas que anualmente pegam piolho no mundo inteiro, esse inseto ectoparasita e cosmopolita. Apesar de não ter asas e não pular, movem-se rapidamente de uma cabeça para outra quando os cabelos estão em contato direto. E basta uma fêmea fecundada pra povoar uma cabeça inteira, pois cada fêmea, que vive em torno de um mês, pode colocar cerca de 100 ovos. Assim, minha netinha deve ter encostado o cabelo em algum "piolhento", ou usado o boné de alguém que tinha piolho, e pronto. Começou a coceira característica e a sensação de pezinhos caminhando entre os cabelos. Como o processo de retirar piolhos e lêndeas é demorado e tedioso (um pouco nojento também), minha filha optou por chamar uma especialista, por sessenta e cinco dólares a hora. A especialista só usou produtos naturais (nada disto de pulverizar Neocid, enrolar uma toalha na cabeça e deixar a pessoa coçar até chegar á beira da loucura). Ela tirou piolho por piolho, lêndea por lêndea, repassou fio por fio e falou sem parar sobre os piolhos, pois conhecia profundamente o assunto. A netinha ficou  três horas sentada na cadeira, assistindo TV e maravilhada com uma pessoa mexendo e lavando seus longos cabelos (mas saiu caro).
            Também eu passei agora por uma experiência com uma especialista, mas em colchão . O meu colchão de casal estava bem velho, com um afundado no local onde o Zé, meu marido, dorme. Fui então em três lojas fazer uma pesquisa de mercado para comprar outro. Tive que investigar as melhores marcas e os preços. Deitei-me em vários colchões, para experimentar: de lado, de costas, com e sem travesseiro; macio, firme, duro. Com tanto tipo e marca, fiquei confusa e me encaminharam para uma especialista em colchão. Piorou. Como a profissional dos piolhos, falou demais: sobre molejo, pillow, tecnologia suíça, Instituto Nacional de Estudos de Repouso (nunca pensei que existisse), mola ensacada, ação bactericida, densidade da espuma, qualidade, garantia etc. Eu só queria mesmo era um colchão gostoso para dormir. Depois de muita indecisão, optei por um de 38 cm de altura, com seis selos de certificação, aprovado em todos os quesitos e em promoção. Tinha até bordas de aço com alto teor de carbono, active protection, poly board e ISO 9001. Mas quando foi colocado na cama ficou altíssimo e a cabeceira da cama desapareceu. O Zé começou a falar que tinha que escalar o colchão para deitar. Que ia mandar cortar o pé da cama ou arrumar uma escada. Que se caísse da cama, no mínimo quebraria a perna. Que teria que treinar algum salto para descer de uma vez. Que ele nunca mais conseguiria calçar a botina sentado na cama. Que estava difícil descer do segundo andar para o térreo. Que preferia o colchão antigo, mesmo afundado. Depois de quatro dias dessa ladainha insuportável, fui até à  loja pedir à especialista para trocar o colchão. Aleguei que ela explicou tudo, menos que o colchão ficaria tão alto, inadequado para dois velhinhos. Consegui trocar por um de 28 cm, sem tantos selos de certificação.
              E assim, com a ajuda das especialistas, estamos todos felizes: minha netinha sem piolhos e o Zé e eu dormindo o sono dos justos.



sábado, 12 de março de 2016

A barata, a drosófila e o Aedes

Periplaneta americana

Drosophila melanogaster

Aedes aegypti
            Dia destes, estava  em um vestuário quando uma senhora entrou e olhou desconfiada, de mansinho, dentro do box do banheiro. Perguntou : "será que tem barata?" Explicou que não tem medo de nada nesta vida, só de barata.
        Concordo com ela que as baratas são nojentas, fétidas, asquerosas, contaminam os alimentos. Com voos desajeitados, podem trombar na cara da gente. Ou podem subir pelas  pernas, dando aflição e arranhando a pele com os espinhos da tíbia. Ou roer com suas mandíbulas pedacinhos dos nossos dedos ou do lábio quando dormimos. Ou fazer um "trec" horripilante quando as pisamos e matamos. Podem atrair escorpiões, pois escorpião adora barata. Elas estão por todo lado em seus vários tipos populares: as "avuadêras", as brancas, as cascudas, as miudinhas, as descascadas. No livro "Insetos no Folclore",  tem até receita com barata para curar alcoolismo: torrar bem a barata, fazer um pó, misturar com pinga e dar para o viciado beber sem perceber. Para indigestão, barata frita em óleo e alho é um santo remédio.
           Já do ponto de vista biológico, a barata é uma maravilha. Existe há cerca de 300 milhões de anos (pode ser que a espécie humana  desapareça e a barata fique).O formato do  corpo é achatado, ideal para se esconder ou passar debaixo de frestas . Possui órgãos sensitivos extremamente especializados, como as longas antenas olfativas e os olhos compostos. É um excelente modelo para se estudar  anatomia interna de inseto (já dissequei inúmeras baratas domésticas como professora de invertebrados). Observando na lupa, é possível ver o tecido adiposo, as traqueias prateadas, ramificadas e cheias de ar; as glândulas salivares, o tubo digestivo com papo, moela, cecos gástricos. Os túbulos de Malpighi , os ovários com ovaríolos, o cordão nervoso ventral com gânglios. Barata tem tudo isso e muito mais. É bonito de se ver a perfeição de um inseto.
         Outro inseto comum e que mereceria uma estátua de ouro pelo bem que faz à humanidade é a mosquinha da banana, Drosophila melanogaster. É o organismo-modelo favorito para pesquisas genéticas. Com cerca de 3mm, é facilmente criada em laboratório. As fases de ovo, larva, pupa e adulto se completam em  duas semanas.  As fêmeas são muito fecundas, podendo colocar centenas de ovos fertilizados em sua breve existência. Isso permite uma rápida análise de transmissão de características hereditárias e análises estatísticas devido ao grande número de descendentes. Além disso, possuem cromossomos gigantes nas glândulas salivares, o que facilita o estudo dos genes. Muito dos avanços na área de engenharia genética,  mapeamento de cromossomas,  projeto genoma,  biotecnologia, melhoramento genético, criação de organismos transgênicos etc, se devem a essa mosquinha.
        Além da drosófila, a grande maioria dos insetos é benéfica ao homem. Mas existem espécies extremamente prejudiciais, como o Aedes aegypti, um díptero como a drosófila. Ver  mães procurando atendimento médico para crianças que nasceram com microcefalia  é um  quadro triste demais,  desesperador. Isso sem falar na dengue e na chikungunya. Quando penso na complexidade da anatomia externa e interna de um inseto, na capacidade de adaptação e sobrevivência das espécies, nos ciclos reprodutivos rápidos, na fecundidade das fêmeas e na capacidade dos ovos resistirem à dessecação, fico a duvidar dos outdoors espalhados pela cidade:" um mosquito não é mais forte que um país inteiro". Por enquanto, ele é.

quarta-feira, 20 de janeiro de 2016

Yara Ilse

Yara na juventude

Paulo e Yara, o casal eterno

                Uma pessoa especial, a começar pelo nome.  Yara, nome indígena que significa rainha das águas, foi escolhido pela mãe brasileira e Ilse,  escolhido pelo pai alemão. Com um nome composto homenageando duas nacionalidades, Yara Ilse foi um anjo de bondade, luz e beleza que desceu á terra em 28/08/ 1922 e voltou ao céu em 23/12/2015.
         Ela era minha cunhada, minha amiga e meu  ídolo. Um exemplo de esposa, de mãe, de pessoa íntegra, realizada e feliz. Casada com o meu irmão Paulo, formaram um casal que conseguiu caminhar ao longo de 70 anos de mãos dadas e com os pés na mesma estrada. Era bom ver a harmonia entre os dois, o companheirismo, o respeito, a admiração de um pelo outro. Sempre unidos pelo momento sagrado e diário de rezarem juntos o terço. Tiveram nove filhos e vinte e três netos. Desses, cinco filhos e dois netos (o clã Zech Coelho) foram campeões de vôlei e fizeram história no Minas Tênis e na Seleção Brasileira. Os filhos herdaram dos pais qualidades como honestidade e determinação e cuidaram dos pais  velhinhos com muito amor.  Um deles escreveu no santinho que foi distribuído na missa de sétimo dia : " Saudade do seu doce colo, Mãe, de suas sábias palavras, do seu sorriso amoroso, de sua mão que acalentava, da sua voz que educava e repreendia na medida certa. Que Deus envie mais anjos como você pois, se assim for, a Humanidade será muito melhor".
       Realmente, a saudade vai ser doída. Principalmente saudades do seu eterno sorriso, da sua serenidade, da sua sabedoria.  Tive o prazer de morar com ela em Belo Horizonte, durante três anos, quando fiz o curso normal no Colégio de Aplicação. Éramos quinze pessoas: o casal, os nove filhos, um sobrinho, eu e meus dois irmãos. A casa parecia elástica e o carinho da Yara para com todos também. Nunca a vi elevar a voz e reclamar da vida. Ou deixar de dar conselhos ou orientar os filhos quando precisavam. Sempre foi uma dama. Parecia uma deusa com seus cabelos claros, a figura esguia, a fala mansa e serena, a risada gostosa. Lembro-me dela de avental molhado, pois todos os dias, de manhã, lavava na máquina a roupa da família inteira e colocava no varal para secar. Depois, ia ajudar com o almoço, pois a turma comia paneladas de comida. Ela gostava de assistir ao programa da Jovem Guarda, com o Roberto Carlos. Eu também gostava, principalmente de ficar sentada perto da Yara, desfrutando de seu calor humano. Agora sentirei falta da sua figura já velhinha (mas ainda uma dama)  sentada no sofá da sala, com batom nos lábios, arrumadinha e perfumada, acariciando seu gato. Eu gostava de pegar em suas mãos macias e de conversar com ela. Todos nós que a amávamos perdemos um porto seguro, um colo contra as agruras da vida.

         Como lembrança da mãe, os filhos distribuíram aos amigos uma foto  com um poema de Santo Agostinho. Há trechos assim: "Vocês continuam vivendo no mundo das criaturas, eu estou vivendo no mundo do Criador. Porque eu estaria fora de seus pensamentos agora que estou apenas fora de suas vistas? Eu não estou longe, apenas estou do outro lado do caminho. Você que aí ficou, siga em frente, a vida continua, linda e bela como sempre foi".  É verdade, a vida continua, a Yara está apenas do outro lado, na forma de um anjo de luz, ela e o Paulo juntinhos. Do lado de cá, ela estará  sempre em nossos pensamentos, pois pessoas especiais como ela são eternas. E mesmo com saudades, agradecemos  a Deus por ela ter existido. Descanse em paz, Yara Ilse.

sábado, 9 de janeiro de 2016

Ben & Boni

Benjamim Franklin

José Bonifácio de Andrada e Silva

             Roberto Pompeu de Toledo publicou na revista Veja (30/12/2015) um artigo  comparando o americano Benjamim Franklin com o brasileiro José Bonifácio de Andrada e Silva.
            Ben nasceu em Boston, em 1706 e poderia ser avô de Boni, que nasceu em 1763, em Santos.  A mente dos dois foi formada no Iluminismo do século XVIII e envolveram-se em lutas semelhantes, movidos pelos mesmos ideais. Foram heróis, cultuados como sábios, estratégicos para a independência de seus países e a trajetória deles  é importante para entender as nações que deixaram como herança. Enquanto para os americanos Ben é um personagem familiar, com vários livros escritos sobre ele, os brasileiros aprendem apenas duas ou três coisas sobre Boni e esquecem assim que saem da escola.
            Ben era filho de um comerciante de velas e sabão e fugiu de casa aos 17 anos . Não tinha curso superior, mas com 23 anos já era dono de uma impressora e do jornal Pennsylvania Gazette, além de grande  escritor. Com quase 1,80m e porte atlético, era simpático, sociável e sem nenhuma timidez. Criou um clube de comerciantes, ingressou na maçonaria em 1751 e na política como deputado da Pensilvânia.
             Já  Boni nasceu em uma colônia onde uma impressora era considerada um artefato subversivo. Filho de rico comerciante, aos 20 anos ingressou na Universidade de Coimbra. De temperamento irritadiço e estatura abaixo da média, cursou filosofia e direito, mas a sua paixão era a ciência e a mineralogia. Como membro  da Academia das Ciências de Portugal, ganhou uma bolsa de estudos para se aprimorar nos principais centros europeus.
            A entrega à ciência uniu estes dois grandes homens. Ben, mesmo sem formação acadêmica, era um inventor. Estudou, entre outros, o trajeto dos ventos e das tempestades.  Criou chaminés e fogões que não espalhavam fuligem no ambiente. Inventou até a lente bifocal, colando duas metades de lentes. Ganhou celebridade internacional aos 46 anos, com seus estudos sobre eletricidade e a invenção do para-raios. 
         Quanto a Boni, tinha prestígio nos meios científicos.  Visitou minas de vários países europeus e encontrou e descreveu quatro espécies e oito subespécies de minerais até então desconhecidos. Ao voltar a Portugal, em 1800, foi professor de Mineralogia e intendente geral das Minas.
           Os dois foram protagonistas importantes na transformação de territórios coloniais gigantescos em nações. Ben foi o único a subscrever os quatro documentos fundadores da nação americana: a Declaração de Independência, o tratado de amizade com a França, o tratado de paz com a Inglaterra e a Constituição.
         Por seu lado, Boni retornou ao Brasil  aos 56 anos, um velho para a época. Em 1822, depois do famoso "Fico" de  Dom Pedro I, passou a ter poderes de primeiro ministro. Foi o autor principal na proeza de formar um país continental, unindo as províncias sob o governo do Rio. Lutou para abolir a escravidão e para incorporar os índios á sociedade. Vítima de intrigas e  ciumeiras, foi  preso e deportado.
          Ben morreu com 84 anos. Trinta anos de sua vida foram dedicados a causas da independência, ajudando a criar uma nação de sucesso. Boni morreu com 74 anos e sua atuação política não chegou a dois anos. Teve sucesso para criar um país grande e unido, mas fracassou no projeto de estabelecer condições para uma sociedade mais justa .

          Enfim, aprendi fatos interessantes com esse artigo. Lamento apenas pelo Boni, pois a nação com a qual sonhou ainda não existe.                             

sábado, 2 de janeiro de 2016

Jantar em Punta Cana

Entrada do Hotel Bávaro Princess

A dança dos golfinhos

A turma no restaurante


                Em novembro  passado conheci  Punta Cana, uma praia adorável no mar do Caribe, na República Dominicana.
                O local é um sonho e o hotel era "all inclusive", com comida e bebida a vontade. Repleto de coqueiros onde  funcionários educados subiam com destreza e ofereciam água de coco aos hóspedes. Com mangue bem preservado e animais soltos: coelhos, pavões, iguanas, araras, flamingos. Os apartamentos , num total de 800, localizavam-se em grupos de oito por bangalô, todos bem cuidados e confortáveis. Uma trilha com vegetação exuberante desembocava na praia de areia branca e fina e no mar morno de um azul sem fim . Ao lado, uma piscina imensa. Hóspedes americanos, russos, canadenses, franceses e poucos brasileiros. Como passeios turísticos, a ida de catamarã até a ilha Saona ( linda mas infestada de mosquitos), a noitada na boate Coco Bongo e a observação dos golfinhos nos tanques de criação. A boate é imensa, na forma de uma arena, com música de muitos decibéis. Para cada música, um show diferente. Ao som de "Brasil, meu Brasil brasileiro, meu mulato inzoneiro...", sambistas com plumas coloridas rebolaram no palco, balões foram distribuídos pra plateia delirante  e a boate quase desabou. Até o Gusttavo Lima, com "Tchê Tchê Rere", apareceu por lá, em um telão gigantesco.
                 E os golfinhos, que coisa mais linda! São criados em tanques enormes, onde os turistas chegam em barcos e entram em grupos dentro dos tanques.  Cada golfinho é ensinado para fazer acrobacias e se exibir para apenas um grupo. Depois de cada tarefa ganham um peixe. Rodam, saltam, batem palmas, beijam, cantam. É emocionante, mas preferia que estivessem livres na imensidão do mar azul.
                Dentro desse contexto, aconteceu um  jantar especial na noite do "Thanksgiving", uma data importante para os americanos. O hotel convidou alguns hóspedes  e estávamos entre os convidados. O traje deveria ser condizente com o luxo do Restaurante Chopin. Assim, sem alternativas, o Zé necessitou calçar o único par de sapatos que possui: um de couro marrom, bastante gasto e quadrado na frente, pra caber os dedos confortavelmente (como já contei, ele gosta é de botina).  Percorrendo o longo caminho entre o nosso bangalô e o restaurante, o Zé começou a mancar e a arrastar o pé:  a sola de um dos sapatos estava se soltando. Precisou de muito cuidado e perícia para chegar com o sapato quase intacto. Sentou-se á mesa  e não se levantou mais, tive que servi-lo . Ele nem  viu a fartura do "buffet" e o primor da decoração dos pratos, tinha de tudo: peru, camarão, casquinha de marisco, salmão,  porco com molho de maçã, feijão agridoce, costela ao molho barbecue. Na volta, o Zé mancando novamente. Já no quarto, a surpresa: a sola tinha ficado pelo caminho. Daí, no outro dia ele teve uma "brilhante" ideia: pediu-me pra ir na seção de "Achados e perdidos"  na chiquérrima recepção do hotel, perguntar se alguém tinha devolvido a sola  (pensei que era gozação, mas não era).  Fiquei com vergonha e não fui. Ele foi e lógico, ninguém devolveu.

                Assim, em meio a tantas coisas inesquecíveis que ficaram dessa viagem -as conversas descontraídas, os momentos com os netinhos, o tempo que passei abraçada com a filha que mora distante, o canto e a dança dos golfinhos, a comida gostosa, a beleza da areia e do mar, a gentileza dos funcionários haitianos do hotel, a loucura da boate -ficou também, perdida em algum canto, a sola velha do único par de sapatos do Zé.