A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

História de uma árvore




                                      

            Tudo começou em 1985, quando a muda de Sibipiruna- Caesalpinia pluviosa  - foi plantada na calçada em frente ao meu sobrado recém construído, na Rua Johen Carneiro, no bairro Lidice de Uberlândia. Para ter o habite-se da nova moradia, era obrigatório, por parte da Prefeitura, esse plantio de árvore na calçada (ainda é). Ela foi crescendo dentro de um cercadinho que a protegia dos vândalos. Na frente e ao lado dela, havia mais quatro lindas e frondosas Sibipirunas, que formavam um lindo tapete de flores amarelas no asfalto preto. Ao longo do tempo, todas foram cortadas. É assim mesmo, o homem diz amar as flores, mas arranca; diz amar as árvores, mas corta. E cortar dói... É triste ver a beleza que perdemos a cada dia. Solitária, a minha Sibipiruna foi crescendo forte e saudável. A copa ficou frondosa e arredondada. Quando florescia, entre agosto e outubro, os cachos  em forma de espigas, com florzinhas amarelo ouro, contrastavam com o verde escuro das folhas. Lindo de se ver. Depois, surgiam os frutos em forma de vagem, verdes no começo e escuros no final. As folhinhas miúdas caiam, a árvore ficava com os galhos quase nus e começava tudo de novo: folhas nascendo, flores se abrindo, frutos surgindo, sementes caindo. Penso que todos deveriam plantar árvores para ver de quantas vidas é feita uma árvore.  Ou para deixar ao menos uma árvore como herança para o mundo. Rubem Alves escreveu: " Amo aqueles que plantam árvores mesmo sabendo que nunca se sentarão em sua sombra. Plantam árvores para dar sombra e frutos para aqueles que ainda não nasceram".

            Também plantar árvore para que filhos e netos possam brincar e descansar na sua sombra...Para abraçar seu tronco e conversar com ela... Para entender que uma árvore não é "apenas" uma árvore, é todo um ecossistema... Só para dar alguns exemplos, nos seu tronco e galhos podemos encontrar centenas de outros seres vivos:    aranhas, opiliões, pseudoescorpiões, formigas de todos tipo, cupins, larvas de besouros, cogumelos e outros fungos, líquens, trepadeiras, orquídeas, samambaias. Ninhos de pássaros, de abelhas, de cupins, de formigas; casulos e borboletas nascendo. Abelhas, vespas, besouros e moscas nas flores. Lagartixas correndo ligeiras. Micos comendo frutos. Ah, e tem os pássaros cantando! Sabiá, bem-te-vi, pardais. Pombinhas arrulhando.  Ouvi-los cantar faz bem à alma e ao coração. Na minha Sibipiruna, sempre havia uma sinfonia às seis da manhã e às seis da tarde... Era bom dormir de janela aberta olhando a copa da árvore e acordar com o canto dos passarinhos. Era bom também saber que a árvore estava lá, na frente da casa, enraizada. Árvores são assim: ficam onde nascem, são felizes onde estão. Uma presença constante, aquela amiga de todas as horas. Quando chegava em casa, às vezes não tinha ninguém...Mas a Sibipiruna lá estava, majestosa, silenciosa, companheira e cheia de vida.

            Os anos foram passando. A Sibipiruna teve os galhos cortados várias vezes  porque encostavam nos fios elétricos e escureciam a rua. As raízes levantavam o passeio e muitas foram retiradas e o passeio consertado. A tudo ela resistia e continuava com suas flores amarelo ouro, enfeitando o quarteirão. Fez 37 anos em 2022, mas esta espécie pode viver mais de 100. Há quase seis anos, mudei-me para um apartamento e ela continuou na calçada, dando sombra e beleza para o inquilino que mora no local.

            Mas no dia 11 de agosto ela morreu. Foi cortada, restou apenas o vestígio do tronco largo cortado rente ao chão. Simplesmente apareceram, bem cedo, quatro caminhões da prefeitura, com vários homens, guindaste e motosserra. Cortaram a árvore rapidamente,  sem dó nem piedade. Não me deram nem a oportunidade da dor da despedida. Sequer fui avisada e o inquilino também não. Jogaram os galhos imensos nos caminhões e foram embora. Descobri depois que houve uma denúncia, peritos foram ao local e condenaram a árvore porque ela estava com cupins e oferecia perigo de queda. Ainda falaram que eu deveria ter cuidado dela, pois há dois anos foi emitido pelo Horto Municipal um laudo informando sobre a infestação de cupins. Nunca recebi tal laudo. E quando me mudei da casa, não havia sinais externos dos mesmos.

             Os cupins se alimentam de celulose, são silenciosos e discretos, pode levar  anos até serem detectados numa árvore. Talvez o destino da árvore culminasse mesmo com o corte. Mas não é assim que se faz. O laudo é da Defesa Civil da PMU. Que "defesa" é essa? Total desrespeito ao cidadão...Por outro lado, devem existir dezenas de árvores com cupins pelas ruas e nem por isso são cortadas, felizmente. Também não podemos culpar os cupins, pois o homem é igual a eles: vai corroendo o planeta com cortes e podas drásticas desnecessárias de árvores, desmatamentos, poluição de rios e mares, queimadas, aquecimento global e muito mais. E de repente, na calada da noite ou da manhã, tudo vai terminar...Como disse Kalil Gibran: " Árvores são poemas que a Terra escreve para o céu. Nós as derrubamos e as transformamos em papel para registrar todo o nosso vazio".   

             Enfim, só me resta agora plantar outra árvore. Aliás, duas: uma vizinha já consentiu em plantar na calçada dela também. Mas, novamente citando Rubem Alves: "Antes que qualquer árvore seja plantada ou que qualquer lago seja construído, é preciso que as árvores e os lagos tenham nascido dentro da alma. Quem não tem jardim por dentro , não planta jardins por fora e nem passeia por eles."