A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Obama e Yuri

Yuri hoje, com dois anos e seu galo de estimação

Yuri com os pais, com uma semana de vida




Obama, o presidente eleito da maior potência mundial, tem muito a ver com o meu netinho Yuri, de dois meses. Por exemplo, a cor da pele e os cabelos enrolados (os cabelos do bebê, antes lisos e abundantes, caíram e nasceram rebeldes). Obama disse que é “marrom” e Yuri foi classificado como “pardo”, no hospital uberlandense onde nasceu.
            No dia em que Obama foi eleito, houve uma comoção nacional nos Estados Unidos e uma vibração no mundo todo. No dia em que o Yuri nasceu, houve uma “comoção hospitalar” e o Brasil todo comemorava a independência, pois ele nasceu no dia sete de setembro. A “comoção hospitalar” ocorreu porque minha filha, Karine, ficou 34h em trabalho de parto (30h em casa, com a “doula” e eu assistindo e sofrendo). A mãe deu à luz de cócoras, numa cama de um quarto comum no hospital, sem nenhuma anestesia (gritou um pouco). A médica, muito profissional e elegante, com saltos altíssimos, andava de um lado para o outro, esperando as coisas acontecerem. Eu não sabia se ficava ou se saía. Fiquei e me emocionei junto com a equipe (a médica, a pediatra, a “doula”, as enfermeiras) quando o Yuri nasceu, com três quilos e meio, um pouco roxo (não sei se da cor da pele ou sufocado) e berrando alto. Acredito que nunca houve um parto assim nesse hospital (dizem que é um “parto humanizado”, mas eu não achei).
            O Obama e o Yuri são multiculturais. A mãe do Obama era branca, antropóloga e fascinada pelos camponeses da ilha de Java. A mãe do Yuri também é branca, culta, fascinada pela vida simples, meditação, yoga e pelos quilombolas. O pai de Obama era um negro da tribo dos luos, do Quênia. O pai do Yuri é um moreno escuro, de um quilombola da Bahia. O Obama é um Ph. D. em diversidade, nasceu no Havai, viveu na Indonésia, estudou nos Estados Unidos. O Yuri terá que viver em mundos diferentes, entre Uberlândia, praia dos Algodões e comunidade quilombola. Vai aprender o linguajar dos quilombolas e o inglês, que a mãe vai ensinar. Aqui, dormiu num bercinho normal. Lá, está dormindo num casco de tartaruga gigante, já colocou os pés no mar e tomou banho no rio. O primeiro presente que vai receber do pai, agricultor, será uma enxadinha, para ir se familiarizando com a terra.
Os dois são carismáticos. Obama é jovem, com sorriso largo e franco, talentoso e com ideais nobres. O Yuri é lindo, com olhos vivos, brilhantes e expressivos, gordinho e bochechudo, dobrinhas por todo lado e sorrindo sem saber de que. Os dois têm um grande desafio pela frente: Obama é o presidente dos Estados Unidos mais inexperiente e terá que governar um país com duas querras, uma grave crise financeira e uma reputação internacional se dilacerando. O Yuri terá que viver e se adaptar a dois mundos tão diferentes em um mesmo país. Até o nome deles é interessante. Barak Hussein Obama é uma mistura de nome africano, árabe e tribal, um homem de três continentes. Yuri é um nome russo, do primeiro astronauta a viajar para o espaço, representando a capacidade do homem de ir cada vez mais longe. Pressinto que o Yuri irá alcançar altos horizontes. O Chicago Tribune descreveu a vitória de Obama como “a de um candidato improvável, realizando um sonho que já foi impossível”. Quem sabe um dia o Yuri será o presidente do Brasil.

sábado, 20 de novembro de 2010

Apresentação dos textos sobre a minha filha

Karine fazendo yoga na Índia


            
              A vida de algumas pessoas é mais emocionante que a de outras. A da minha filha Karine, por exemplo. A vida dela daria um livro e um filme tipo “Comer, rezar, amar.” Mas como ela não quer escrever, eu sempre escrevo sobre ela, da minha maneira e ouvindo seus relatos. Algumas dessas crônicas estão publicadas no meu primeiro livro e outras farão parte do segundo. A partir de hoje, colocarei dez textos sobre sua vida, como uma novela em dez capítulos, ilustrada por fotos. O primeiro texto se chama “Fotografias de uma vida” e foi inspirado em fotos como as anexadas a esta apresentação. Depois escrevo sobre suas viagens, casamento e nascimento dos filhos. Espero que gostem. Ana Maria
Igrejinha onde foi o casamento

Os noivos e as daminhas

  
Chegada da noiva com o pai



               
           Como prometi, escrevo sobre o casamento da filha, Karine. No aeroporto de Confins, onde fizemos escala para Ilhéus, está escrito: ”Minas Gerais. Não dá para explicar. Tem que viver”. Assim foi o casamento. Difícil de explicar, de descrever. Tem que sentir e viver.
            A travessia na balsa de Itacaré, a estrada de terra sacolejante e esburacada. A chegada em Algodões, na casa bonita, com varandas e redes, cobertura de piaçava, janelas enormes com cortinas indianas coloridas (foi construída pela filha, com garra e recursos próprios). A vista para o mar entre mil coqueiros. Pizzas no forno de barro, camarão na água de côco.
            No dia do casamento, o almoço para a grande família do noivo. Apareceu gente de todo lado e de toda idade. Os caldeirões de feijoada evaporararam e os pratos pareciam montanhas de comida (são magros mas comem bem). Depois, o batizado do noivo e às 16:30h, o casamento, em uma capelinha na praia. Minúscula, singela, construída com pedras, sem portas e sem janelas. Com quadros de Nossa Senhora e uma grande cruz de madeira, enfeitada de flores vermelhas.
Com o sol se pondo, a noiva desceu a pequena ponte sobre o rio, de mãos dadas com o pai, e caminhou pela areia ao som da Ave Maria. Linda e radiante, com uma coroa de flores naturais na cabeça. Na frente, as duas daminhas, sobrinhas do noivo, que vieram das casinhas de pau-a-pique e nunca foram a um casamento ou tiraram uma foto. Encantadas e amedrontadas. Atrás, a cachorrinha yorkshire acompanhava.
O pai entregou direitinho a filha ao noivo. O padre falou bonito, enfocando que, no casamento com amor, todas as dificuldades são superadas. A noiva transbordava felicidade, mas chorou emocionada quando repetiu “te prometo ser fiel na alegria e na tristeza.” O noivo gaguejou na hora de prometer fidelidade, mas prometeu. Os convidados, todos do lado de fora da capelinha, jogaram arroz nos noivos. O sino da capelinha repicou e os noivos se beijaram. Ao som da música “Eu sei que vou te amar”, assinaram o livro. Tudo muito simples e encantador.
As fotos com o mar ao fundo, as palmeiras balançando e o sol poente. Pessoas que nunca tiraram uma foto e pessoas com filmadoras de última geração. Algumas descalças por não terem sapato, outras por acharem “chic” estar descalças em um casamento. Algumas que chegaram em avião particular e outras que vieram de longe, a pé. Umas muito brancas, como o francês com o cabelo de um metro de comprimento, enrolado em um turbante tipo abajur. Outros bem morenos e exóticos, como o Bob, também com cabelo de um metro. Acompanhava uma francesa maravilhosa e muito loura, com dois filhos. O marido viajou para a França e pediu ao Bob para tomar conta da esposa. O Bob tomou conta mesmo. Havia também argentinos e espanhóis, todos nós em harmonia com os quilombolas, em um casamento “sui generis”.
Depois, a caminhada pela praia até a pousada onde foi servido o jantar. Salada de bacalhau, catado de siri, muqueca de peixe e cocada. Quando a lua nasceu majestosa e iluminando o mar, a noiva foi para a praia e jogou o buquê. Acenderam uma fogueira. Olhando as labaredas, pensei que agora tenho dois genros: um americano, que já trabalhou para o governo americano e vive na capital da California. O outro, que até agora viveu no meio da floresta, em uma cabaninha suspensa de madeira. Para ter um diálogo decente com eles, estou em apuros: preciso aprimorar meu inglês e aprender o linguajar dos quilombolas. Contrastes da vida.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Aventura na selva

Ladeira no caminho de Ambuba

Travessia do rio na canoinha
              
No dia anterior ao casamento da minha filha, na península de Maraú, BA, fomos conhecer a comunidade de Ambuba, onde vivem os pais e irmãos do meu genro. O Zé, meu marido, achava que lhe faltava preparo físico para a aventura. Mas penso que ficou tentado a ir, ao saber que prepararam para nós um almoço com camarão pitú e galinha caipira. Criou coragem e lá fomos nós, um grupo de oito pessoas.
Os carros ficaram parados numa “currutela” e pegamos o “caminho da roça”, um atrás do outro. Passamos por uma vegetação densa e pelo seringal. Chegamos ao manguezal escorregadio, cinzento e pegajoso. Fotos com lama até o joelho, para a posteridade. Depois, a travessia no rio, dois a dois na canoinha. A subida no morro com inclinação de 45°, usando os pés e as mãos (ou seja, de “gatinhas”). Chegamos à casinha humilde, de pau-a-pique, limpinha e aconchegante. Chão de terra, fogão à lenha, água de mina para beber. Galinhas no quintal, pés de cacau , de côco e de graviola. Conhecemos a grande família do genro: a mãe, falante e disposta, com nome de rainha: Elizabeth. O pai, oito irmãos, as sobrinhas, primos. As casinhas suspensas de madeira, tipo Tarzan, no meio da vegetação exuberante, onde os homens solteiros dormem. O rio bonito, onde tomam banho, buscam água e lavam roupa. As pinguelas roliças de dois paus, cada um rolando para um lado. O almoço gostoso debaixo de árvores, sentados nos banquinhos de “tauba”, como dizem por lá.
Depois, o retorno. Optou-se por subir o rio de canoa e chegar até nas proximidades dos carros, ao invés de voltar pelo mangue. Acontece que a canoa é simplesmente um tronco de madeira, comprido e grosso, com um buraco esculpido no centro, no sentido longitudinal. E deveria transportar oito pessoas, entre elas o Zé, que tem pavor de água e medo de morrer afogado. No que entramos cinco pessoas na canoa, a água entrou também. O Zé começou a falar: “Pára, pára, tô fora”, mas não conseguia sair porque estava bem encaixadinho no buraco talhado na madeira, ocupando todo o espaço. Pânico, gritos de “pare a canoa” (mas ela ainda nem tinha saído do lugar). Resolveu-se o problema com dois indo de caiaque, embora sem saber remar muito bem. No final, salvaram-se todos. De barriga cheia, mas suados, sujos, cansados e com pernas cortadas por capim navalha.
Um outro mundo. As moças da cidade, que foram para o casamento, passaram uma noite em Ambuba. Dormiram em uma casinha suspensa de madeira e acharam a glória passar uma noite na floresta (mas vai viver lá, vai). Uma delas escovou os dentes e passou fio dental. Toda ecológica, não querendo poluir a floresta, perguntou ao moço, dono da casinha, onde havia um cestinho de lixo. O moço ficou boquiaberto: além de não ter cestinho, jamais ouviu falar em fio dental.
Outro caso foi quando o Zé queria consertar o chuveiro da casa da minha filha e precisava de um ajudante. Perguntou para os presentes quem entendia de eletricidade. O genro respondeu: “Ninguém” (lá na comunidade vivem sem energia, acendem fogueira à noite). Mesmo assim,  genro e sogro trabalharam em uníssono, consertaram o chuveiro e ninguém morreu eletrocutado.
Este foi mais um capítulo da novela da vida da minha filha. O enredo e as tramas vão acontecendo e quando a gente percebe, mesmo sem querer, está no elenco dos atores principais. Haja coração e preparo físico.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Uma história incrível

Casinha de barro no quilombola, onde moram os pais

Casa suspensa onde morava o genro

Travessia do rio para chegar ao quilombola       



                  
            É difícil acreditar no relato que se segue, mas tudo o que escrevo é a mais pura expressão da verdade.
            Tenho escrito sobre minha filha, que sempre viaja para a Índia, faz meditação e ioga, tem uma profunda fé em Deus, cursou Direito e passa o verão na Bahia, com sua loja de roupas indianas. Agora ela é protagonista de uma história daquelas que só acontecem nos filmes, tipo Jane e Tarzan. Acontece que, depois de ter chegado aos mais de trinta anos, resolveu que era hora de casar e ter filhos, antes que fosse tarde demais. Mas a percepção dela de homem ideal é completamente diferente da percepção de uma mulher civilizada (embora ela fale três linguas e conheça boa parte do mundo). Queria um homem simples, puro, voltado para a natureza, sem emprego em tempo integral e que ajudasse a cuidar dos filhos. Encontrou um no meio da selva, numa comunidade de quilombolas na Península de Maraú, BA. Foi paixão à primeira vista.
Para quem não sabe (eu não sabia, andei pesquisando sobre o assunto), quilombolas são comunidades negras de descendentes de escravos que viviam nos quilombos. Na Bahia existem mais de trezentas destas comunidades, algumas seculares, com cultura e histórias próprias. Geralmente sobrevivem da agricultura de subsistência e do cultivo e venda de fibras, como piaçava e do óleo de dendê. A maioria não tem certidão de nascimento, CPF, carteira de identidade, título de eleitor.
Em Ambuba, na comunidade quilombola do meu genro, a família dele vive em harmonia (uma das coisas que encantou a minha filha). O pai é branco e a mãe é negra. Ele é moreno, olhos e traços bonitos, cabelo rastafari. São dez irmãos que cultivam a terra e repartem o que colhem. Vivem em cabanas de madeira, buscam água no rio, pescam peixe e camarão pitú, caçam tatu e paca, fazem um chocolate delicioso com o cacau que cultivam. Não existe energia elétrica e cozinham em fogão de lenha (minha filha me conta tudo). Vivem praticamente sem dinheiro, o pouco que ganham é com a venda de borracha, extraida da plantação de seringueiras. Usam para comprar  óleo, carne seca, sal, café, açucar. Ele, o genro, nunca tomou uma cerveja, assistiu um filme, leu um livro, usou um computador, nada. Ela, a filha, o levou para conhecer um shopping em Itabuna. Ele ficou impressionado com tanta gente e com tanta loja. E eu, como mãe e sogra, estou abobalhada com tudo isso.   
  O casamento será na praia de Algodões, perto da casa de minha filha, em uma capelinha na beira da praia, onde só cabem quinze pessoas. Foi construida por um ricaço de São Paulo, ao lado de sua mansão. É uma réplica de uma capela da Itália. Depois do casamento, haverá um jantar na beira da praia, com vários tipos de peixes, pois será época do Festival da Tainha. O local é paradisíaco, a praia é linda, cheia de coqueiros, muito limpa e com mar morno.
            Meu marido e eu vamos conhecer o noivo e sua grande família no dia do casamento. Está também programada uma visita à comunidade. Como é muito isolada, carro não chega até lá. É preciso atravessar um mangue, com água pelos joelhos, e depois entrar em uma canoinha. Para terminar, é necessário galgar um morro com inclinação de 45°, sob o sol escaldante da Bahia. Meu marido, o Zé, disse que não vai. Eu vou. Depois conto como foi o casamento e a aventura na selva.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Índios brasileiros


Recentemente, foi divulgado na TV um possível caso de canibalismo, praticado por índios de uma tribo do Amazonas. Filmaram a aldeia e mostraram costumes dos índios. Interessei-me pelo assunto e comecei a olhar algumas fotos incríveis que tenho, de índios de aldeias no interior do Amazonas, perto da Bolívia. Foram tiradas por minha filha, quando ela lá esteve durante um mês, com uma equipe da Funai, participando como assistente de dentista. De São Gabriel da Cachoeira, partiram em um barco e chegaram no interior da selva. Dormiam em redes e comiam o que levaram. Depois, ela entrou em uma canoinha com a dentista, dois ajudantes indígenas e embrenharam-se no meio dos igarapés. Andaram dentro da selva, à noite, cortando galhos com facão (coisas do seriado “Lost”) até alcançar uma aldeia de etnia hupda.
Os indígenas que moram nessa aldeia têm pouco contato com os brancos, não falam português, usam poucas roupas e não comem açucar. Vivem em palhoças com parede de barro e existe uma maior, comunitária, onde se juntam para comer bijú e peixe. A alimentação é baseada na mandioca. As mulheres trabalham duro, mesmo as grávidas e as idosas. Cuidam da lavoura, plantam, colhem, capinam, carregam coisas, descascam mandioca, fazem farinha. Os homens pescam, fazem redes e canoas. Quando o peixe é abundante, ele é defumado e se transforma em peixe “muqueado”. Em datas festivas, cada família faz a sua bebida alcóolica, em panela própria, de mandioca fermentada, chamada caxiri. Trocam a bebida entre eles, para ver qual está melhor e bebem na cabaça (é um rito social). Ficam bêbados, dançam, pulam e cantam, uma loucura e uma bebedeira geral.
            Os idosos, quando não podem mais contribuir com as atividades da aldeia, são deixados para morrer. Não são tratados e ninguém tenta curá-los. Por sua vez, eles entendem que já cumpriram seu papel e aceitam com naturalidade. Minha filha viu uma velhinha que passava o tempo todo numa rede, numa palhoça afastada, e só recebia uma sopa ralinha uma vez por dia e pronto (ficou chocada).
            O tratamento dentário é precário, consistindo na extração de dentes e em demontrações coletivas de técnicas de escovação. Olhei fotos interessantes de todos os indígenas escovando os dentes, mas sem pasta dental (ganham as escovas do projeto). Aprendem também a limpar os dentes com um fio vegetal.
            As crianças indígenas são fascinantes, dóceis e independentes. Nas fotos, crianças maiores cuidando das menores. Um grupo de meninos e meninas peladinhos , nadando no rio. Correndo na água. Pulando das árvores e mergulhando no rio. Remando sozinhas na canoa. Sentadas na grama. Mamando no peito. Dando birra e rolando no chão. Rostinhos bonitos, parecendo bolivianas. Muitas barrigudinhas, provavelmente cheias de vermes intestinais. Mas o fato incrível e maravilhoso é que as crianças indígenas não apanham de seus pais. Nas aldeias, elas não são castigadas e ninguém bate nas crianças (esse exemplo deveria ser seguido pelos homens “civilizados”).
Ainda sobre costumes em tribos, em certa tribo da África, cada criança que nasce tem uma canção. Cantam a canção para ela em várias ocasiões importantes. Recordam a beleza da pessoa quando ela se sente feia, sua totalidade quando se sente quebrada, sua inocência quando se sente culpada e seu propósito quando está confusa. Gostaria de ter uma canção assim.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Experiências na Índia e no Nepal

Idosos em cerimônia no Nepal

Cerimônia no Nepal




      Como minha filha é professora de yoga (entre outras coisas), foi parar em Rishikesh, a capital da yoga, nos Himalaias, para um curso com um famoso mestre.  Da janela do quarto e sala que alugou por 100 rupees diárias (ou cinco reais), de frente para o rio Ganges, olhava as mulheres se banhando no rio sagrado, envoltas em quilos de panos e os homens só de tanguinha. A cidade é sagrada, ninguém pode tomar bebida alcoólica e as mulheres têm que estar bem cobertinhas, com lenços e saionas (ela também se veste assim quando está lá). Existem muitos sadhus, homens que renunciam a tudo e se dedicam apenas à vida espiritual, meditando e levando uma vida simples à beira do rio Ganges. Um dia, ela foi alugar um barquinho para fazer um passeio no rio (não se arriscou a nadar), com uma amiga americana que finge ser brasileira (lá eles não gostam de americanos). Perguntou ao barqueiro quantas pessoas cabiam no barco. Ele respondeu que se for estrangeiro, são cinco e se for indiano, são dez (os indianos são magrinhos e possuem uma técnica de “espremer-prá-caber”). Viu vários cadáveres boiando, além da cinza dos crematórios que é jogada na água. Concluiu que o rio é sagrado mesmo, pois as pessoas se banham nele e nem ficam doentes.
            Visitou Patna, uma vila nostálgica de pessoas simples que vivem da agricultura e criação de cabras e búfalos. Plantam e colhem tudo o que necessitam para seu sustento (mas na Índia não existem verduras de folhas). Ela e a amiga brasileira dormiram três dias em um quartinho de barro, à luz de velas. Na primeira noite, passaram muito medo: alguém empurrava a porta do quarto e ouviram uivos e gritos horríveis, parecia de lobisomem. Explicaram depois que era um homem louco que ficava gritando para espantar os bichos das plantações (mas ela acha que era lobisomem mesmo). Todo trabalho pesado era realizado pelas mulheres: buscavam capim para o gado, carregavam água, cuidavam das plantações, buscavam lenha, cozinhavam em fogão de barro, tiravam leite das vacas, descascavam arroz no pilão (acho que os homens serviam só de enfeite). Em Pushkar, cidade sagrada no deserto do Rajastão, sempre almoçava com uma família rica, seus amigos há vários anos. Moram todos juntos, cerca de 25 pessoas, em uma casa com muitos jardins. Almoçam no chão e todos comem com as mãos. As mulheres não se sentam com os maridos (que absurdo!), ficam servindo e depois comem na cozinha. E são felizes, enfeitadas de colares e roupas coloridas. Como todas as famílias abastadas, essa tem um astrólogo, que orienta em várias questões, como na escolha do nome das crianças, sempre no 13º dia após o nascimento. Além das experiências na Índia, existem outras no Nepal, Tailândia e Indonésia.
           Em uma viagem, em 2007, ela quase foi deportada do Nepal. Estava carregando 300 dólares a mais do que o permitido para sair do país (não sabia do limite). Exigiram propina no aeroporto para liberá-la, ela não quis dar. O policial decidiu que ela seria mesmo deportada, ela começou a chorar torrencialmente, ele ficou comovido e a liberou. Foi salva pelas lágrimas, a possante arma das mulheres. Hoje ela sabe que somos todos iguais, apesar das diferenças de costumes, língua e religião. E que a melhor escola de todas é a vida.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Experiências na Índia

Transporte na Índia

Mulheres indianas em New Delhi

              Minha filha passou por experiências incríveis na Índia e vou abordar o assunto em duas crônicas. Em New Delhi, a aventura começa no aeroporto, com os motoristas de táxi tentando enganar os turistas. Ganham comissões de hotéis e levam os passageiros para onde eles, os motoristas, escolhem. Minha filha queria ir para um hotel e foi parar em outro. No dia seguinte, pegou um bike-rickshaw, veículo com uma bicicleta acoplada na frente de uma cadeirinha coberta, e foi para o outro hotel. É preciso barganhar o preço da corrida antes, durante horas, e sobreviver ao trânsito caótico. O indiano sai a mil, pedalando a bicicleta entre vacas, porcos, milhares de pessoas, carros que buzinam sem parar. O volante é do lado direito e o trânsito é todo do lado esquerdo, parece que todos vão trombar a cada esquina. E mesmo no bike-rickshaw existe risco : certa vez ela queria ir para um mercado e foi parar em outro, porque o indiano ganhava comissão do mercado pra onde a levou. Para piorar, existem os falsos taxistas, como os do estado de Kashimir. Lá é perigoso e turista não vai. Assim, os falsos taxistas abordam o turista no aeroporto, levam-no para uma agência turística e fingem que estão ligando para os hotéis de New Delhi. Mentem que estão lotados e “empurram” o pobre turista para Kashimir, depois dele ainda comprar uma cara passagem aérea (uma amiga brasileira foi enganada assim, passou três dias amedrontada).
            Viajar de ônibus também pode ser uma aventura e tanto. Estava ela no ônibus de Pushkar a New Delhi, 10 horas de viagem. Existem umas caminhas bem estreitas no alto, acima das poltronas, fechadas por duas portinholas e as pessoas viajam dormindo (mas sem espaço para mexer). Deitada em uma delas, ouviu uma gritaria desvairada, uma voz de mulher em coreano (ou japonês?) e voz de homem em indiano. A moça estava dormindo com a portinhola aberta, com uma blusa justa de alcinha. Para os indianos, blusa de alcinha é provocação. Ele não resistiu e passou a mão nos seios dela. A moça virou fera, gritou, xingou e bateu tanto no indiano que o ônibus parou no caminho para ele descer e não ser assassinado. Os indianos são muito reprimidos sexualmente. Lá não existe sexo antes do casamento e nem gravidez de adolescentes. Os casamentos são arranjados pelos pais, na mesma casta, e os noivos se conhecem no casamento. Não existe divórcio e um tem que se adaptar ao outro, quer queira ou não. Adotam a teoria de que o amor é construído depois do casamento (aqui, geralmente é destruído). Também é proibido fazer ultra som para saber o sexo do bebê, para evitar o aborto (as meninas não são desejadas porque os pais têm que preparar o dote).Em Dharamshala, onde ficam os refugiados do Tibet, minha filha visitou uma mãe solteira. Essa mãe nunca se recuperou da vergonha que passou e praticamente só vive escondida dentro de casa, é cuidada por um monge. Minha filha foi para essa cidade fazer um tratamento baseado na medicina ayurvedica, com 5.000 anos de tradição, para purificar o corpo. Ficou 20 dias comendo arroz com lentilhas, aveia com maçã e bebendo chá de ervas (ficou limpinha). De corpo e alma renovados, continuou suas aventuras, que serão contadas na próxima crônica.


sábado, 6 de novembro de 2010

A lacraia

Monastério Budista

            Em suas andanças pelo mundo, minha filha foi parar no sul da Tailândia, no monastério budista Suanmok, situado em uma floresta densa, com um lago de águas quentes. A última etapa da sua viagem para chegar até lá foi na garupa de uma motoquinha. Foi fazer um retiro de dez dias de meditação em silêncio, chamado Vitassana. Era mais ao menos assim: os alunos levantavam às 4:30h da madrugada e deitavam às 21h; mulheres de um lado do monastério e homens do outro, cada um no seu quartinho separado. Só havia duas refeições: sopa de arroz no café da manhã e almoço com legumes e arroz (nada de carne, é pecado). Depois, à noite, um chazinho sem nada, nem mesmo uma torrada. Durante o dia, o turno de yoga, meditação sentada, meditação em pé, meditação de olhos fechados, meditação caminhando. Conversar um com o outro, nem pensar. Nem mesmo comunicação com os olhos (as mulheres são mestras nisto, falam tudo com os olhos, possuem mais de cem olhares diferentes). Silêncio total, paz e amor.
            Como se sabe, para o Budismo, os animais são sagrados (a vaca principalmente). Ninguém pode sair matando a bicharada. E no local do retiro, pior ainda: era proibido matar até inseto. Barata, pernilongo, piolho, pulga: todos sagrados.
            Acontece que, num belo dia, estava minha filha em seu quartinho bem simples, depois de um dia extenuante, prontinha para dormir. Cama de cimento (sem colchão, acreditem ou não) e travesseiro de madeira. Chão de cimento liso, a mochila em um canto. De repente, ela viu uma enorme lacraia correndo agilmente pelo quarto, com seus 21 pares de pernas. Movimentando a cabeça pra lá e pra cá. As duas antenas tateando o ambiente, dois olhos e duas mandíbulas que se abriam e fechavam. Corpo vermiforme e achatado, marrom. Primeiro par de pernas transformado em acúleos para introduzir peçonha na presa e capaz de picada dolorosa. Provavelmente do gênero Scolopendra, que são lacraias (ou miriápodes) de cerca de dez centímetros, com larga distribuição geográfica e capazes de matar até pequenos camundongos. Logicamente, minha filha não sabia de tantas características biológicas do monstro artrópode. Só sabia que estava vivendo um filme de terror. Não podia gritar e pedir socorro (era proibido falar, quanto mais gritar); não podia matar o artrópode porque ele era sagrado e não podia dormir com ele no quarto. Imaginou-se dormindo e a lacraia passeando no seu rosto com os 21 pares de pernas que terminavam em garras. Imaginou-se também levando uma picada dolorosa , com os acúleos injetando peçonha em sua pele macia. Corajosamente, tomou uma decisão: pegou o chinelo e tum, tum, matou a malvada. Depois, o drama: onde jogar o cadáver, a prova do crime? Jogou pela janelinha, deitou no travesseiro de madeira e dormiu com dor de consciência.
            No dia seguinte, reboliço geral na varanda debaixo de sua janela. A lacraia, esborrachada, caiu lá e a moça da limpeza encontrou o cadáver. Todos os alunos do curso olhando consternados, gesticulando (gesticular podia) sobre quem poderia ter feito a malvadeza. Num ato heróico, ela apontou o dedão para o peito e confessou o crime. Sentiu-se a mais reles das criaturas e pensou que seria expulsa do monastério. Não foi, mas jamais se esqueceu da lacraia.

Karine e amigas na Tailândia

quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Fotografias de uma vida


Olho para a foto da minha filha em uma incrível posição de yoga, na Índia, no Monte Himalaia. Ao fundo, uma floresta de árvores altas e o céu azul. Perfeita harmonia entre ela e a natureza.
Sinto saudades dela e continuo a olhar as fotos. A criança sempre sorridente, rechonchuda, saudável e de bem com a vida. Sem traumas, birras ou manhas. Desfilando de batom vermelho e com meus sapatos altos. Na adolescência, era capoeirista: as apresentações, o berimbau, a ginga. Vestida de fada no aniversário de 23 anos. O curso de Direito na UFU (nunca exerceu a profissão), as fotos da formatura. Depois, fotos incríveis de inúmeras praias da Bahia, onde passa alguns meses por ano trabalhando, curtindo a praia, dançando forró e conhecendo pessoas. O trabalho como fotógrafa em Morro de São Paulo (fez curso de fotografia). A vida em sandálias havaianas, chapéu de praia, água de côco e sombra de coqueiro. Tomando banho de cachoeira na Chapada Diamantina. Fotografando cenas típicas da Bahia e casas de pau- a-pique. Na trilha das bromélias gigantes, com turistas em seu Land Rover, em Itacaré (trabalhava como guia turístico). As fotos das suas lojas de roupas indianas, em Trancoso e Barra Grande: cheias de luzes, espelhos, cores, aromas e alegria. Paz e alto astral. Roupas bordadas, incensos perfumados, estrelas dependuradas. Um sonho de verão. E também o seu ganha pão para ir vivendo a vida do jeito que gosta. O caminho se faz caminhando e o dela tem muitas estradas.
Na selva amazônica, na canoa com os índios (passou um mês por lá). Fotos do mundo todo. Na Espanha, no Caminho de Santiago: caminhou 800km em 40 dias. Fotografou vilas, caminhos floridos, igrejas, sinos, velas acesas, janelas abertas, nuvens, ninhos de pássaros, castelos. No caminho, aprendeu que precisamos de muito pouco para viver e que somos todos iguais. No Perú, em Cuzco, abraçada com crianças sorridentes, de carinhas sujas, gorros e mantas coloridas e em Machu Pichu, nas montanhas altíssimas, entre casas e muros de pedra. No México, na feira de frutas. Na Jamaica, deitada na rede da casinha de sapé. Na Tailândia, nas plantações de arroz. Na Indonésia, na ilha de Bali, na motoquinha. Nos Estados Unidos (passava lá três meses por ano), de avental vermelho, como caixa de restaurante. Depois, como babá do Mitchell e posteriormente, como babá do Jason, Olívia e Samantha, suas crianças queridas. Na Índia (onde faz cursos de yoga e compra roupas indianas), retratou em fotos maravilhosas o cotidiano das pessoas: indianos magrelos, de turbante, encantando serpentes; ruas apinhadas de gente, vendendo de tudo; vacas deitadas nas portas; multidões se banhando no Ganges. E em Dharamsala, onde vivem os refugiados do Tibet, fotografando o aniversário do Dalai Lama.
Os 33 anos de vida da minha filha são cheios de emoções, aventuras e coragem de enfrentar situações inusitadas. Agora está construindo uma casa grande, com cobertura de piaçava, na Península de Maraú, BA. Pretende, junto com a comunidade local, montar uma escola para as crianças pobres da Bahia. Ensinar capoeira, yoga, espanhol, inglês. Ensinar que a felicidade é possível e está onde a colocamos. Quem sabe, um dia eu vou lá ajudar.

 A vida de algumas pessoas é mais emocionante que a de outras. A da minha filha Karine, por exemplo. A vida dela daria um livro e um filme tipo “Comer, rezar, amar.” Mas como ela não quer escrever, eu sempre escrevo sobre ela, da minha maneira e ouvindo seus relatos. Algumas dessas crônicas estão publicadas no meu primeiro livro e outras farão parte do segundo. A partir de hoje, colocarei dez textos sobre sua vida, como uma novela em dez capítulos, ilustrada por fotos. Espero que gostem. Ana Maria


Karine fazendo Yoga na Índia
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terça-feira, 2 de novembro de 2010

Vida de médico


Meu pai era médico. Estudou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, fundada por D. João VI. Não sei por quê, por volta de 1915, quando se formou, foi parar em Campos Altos, na época uma currutela. Durante cerca de 30 anos foi o único médico do local. Fazia de tudo. Era daqueles médicos que tinha um pouco de pai, de amigo e de anjo. Curava a dor do corpo e da alma. Escutava os pacientes, auscultava os pulmões, examinava o corpo com as mãos. Não pedia nenhum exame, não existia laboratório na cidade. Diagnosticava só de apalpar, observar e escutar.
     Fez inúmeros partos naturais, nunca fez uma cesariana (bons tempos aqueles). Receitava elixir paregórico e poções manipuladas na única farmácia. Distribuia para todos remédios de amostra grátis, junto com calor humano e esperança. Na porta do consultório, bem simples, havia uma placa com os dizeres “Dr. Luiz de Souza Coelho. Médico. Atende chamados a qualquer hora”(a placa está hoje na minha cristaleira). Além de médico, era o chefe político do PTB na região. Foi o primeiro prefeito da cidade e houve época em que andava protegido por “jagunços”, personagens do passado. Quando morreu, deixou uma caderneta grossa , onde anotava as dívidas dos pacientes, pois quase ninguém pagava a consulta. Minha mãe, a viúva, herdou a caderneta e mais nada.
      Hoje a medicina está muito diferente. Exames sofisticados, aparelhos de última geração, remédios mil, planos de saúde, especialidades nunca antes sonhadas. Mas parece que os médicos nunca têm tempo para escutar os pacientes, ou estão muito cansados, ou ganham tão pouco por cada consulta que tem que ser tudo muito rápido.
      Tenho dois filhos médicos e fico escutando os casos. Gostam da profissão. Um é otorrinolaringologista (será este o maior nome no dicionário?). Ele já retirou do ouvido e do nariz dos pacientes objetos diversos, como feijão, tento, baratinha, lacrainha, espuma, caroço de azeitona, tarrachinha de brinco, plástico da tampa de requeijão. Sugeri fazer um quadro e pendurar no consultório. Poderia fazer com ele uma plástica no meu rosto (ele é bom nisto), tirar as rugas, as pelancas do pescoço, repuxar os olhos. Mas gosto das minhas marcas do tempo.
      O outro é ortopedista. Pelo que entendi, opera os ossos com aparelhos tipo martelo, serra, furadeira, broca, parafusos, um horror (espero nunca precisar dos serviços dele). Às vezes ele está tão cansado, olhos vermelhos, pernas inchadas, que penso que a medicina é mesmo um sacerdócio.
E me lembro de médicos que precisam de esforço sobre-humano para atender casos como daquele menininho que, há cerca de um ano, está sendo tratado no HC da UFU. O pai ficou desesperado quando a esposa o deixou e ateou fogo em si e nos dois filhos. Ele e um filho morreram, mas o outro, de oito anos, sobreviveu, com cerca de noventa por cento do corpo queimado. Perdeu os dedos das mãos e dos pés e já passou por inúmeras cirurgias de enxerto de pele. Tem também o caso da menininha de quatro anos, atendida no HC. A madrasta bateu em sua cabeça com uma panela de pressão, seccionando a coluna cervical. Foi presa, mas a criança ficou tetraplégica. São tantas as Isabellas anônimas que não saem na mídia...E ao lado delas, médicos tentando salvar vidas. Que Deus os conserve, lhes dê saúde, coragem e sabedoria. E se não for pedir muito, que todos saibam ser médicos de homens e de almas.