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sábado, 18 de dezembro de 2010

A um amigo que se foi

         
           O Anselmo fez história na UFU. Ingressou como técnico no curso de Biologia em 1980. Era uma figura ímpar: de bermudas quadriculadas e  escandalosas, tênis e meia, barrigudo, jaleco branco de mangas compridas, contrastando com a pele muito negra. Sempre soltando risadas pelos corredores. Uma risada gostosa, forte, que deixava ver os dentes muito brancos e bonitos. Era a sua marca registrada.
            Gostava de festas, de confraternizações, de comer e de beber. Cozinhava bem e fazia uma macarronada como nenhum outro. Também gostava muito de fotografias. Abraçado aos alunos, nas aulas práticas, nos cursos de campo, taxidermizando animais. A sua salinha (que sempre estava mudando de lugar) era abarrotada de fotos e de animais taxidermizados: corujas e morcegos dependurados, borboletas pregadas nas paredes, aranhas em terrarios, macacos empoleirados. Havia também inúmeras placas que recebeu dos alunos, nas solenidades de formatura (era muito querido por eles e sempre era homenageado). Mudava de sala e levava tudo.
            O Anselmo tinha defeitos, como todos nós. Às vezes, esquecia de preparar as aulas práticas de zoologia (deveria estar por ai, rindo pelos corredores). Num curso de Biologia Marinha, em Ubatuba, preparando uma prática de fecundação de ouriço-do-mar, se enrascou e acabou pipetando e engolindo os espermatozoídes e os óvulos. Dizem que, a partir daí, ficou mais barrigudo...
Era prestativo e gostava de ajudar. Emprestava o material que podia e o que não podia para as escolas, nas Feiras de Ciências. No Natal, mesmo quando tinha dívidas (o que era comum), comprava Papai Noel, bolas coloridas e enfeitava as portas das salas. Construía belas grutas de papelão dourado e colocava o Menino Jesus por todo lado. Festejava o seu aniversário no dia 26 de dezembro, para “juntar” com o Natal, mas ele era do dia sete de janeiro. Participou do coral da UFU e soltava o vozeirão para agradar as pessoas. Também gostava de carnaval, fazia parte da escola Garotos do Samba. Não sambava na avenida, era tímido para isto, mas ajudava na organização. Como gostava de festas (e eu também), sempre o encontrava nas festas da Nossa Senhora do Rosário (Congado). Ficávamos lá na praça, fotografando as mulheres rodopiando em saias bordadas, os homens com chocalhos nas pernas, as meninas de cabelos trançados e fitas coloridas.
   Como técnico em taxidermia, ministrava cursos nas semanas cientificas. No primeiro dia, já combinava a festa de encerramento e o amigo invisível. Gostava de taxidermizar os animais em posições típicas: serpentes enroladas nos troncos, bicho-preguiça dependurado no galho, mico-estrela agarrado ao tronco. Uma vez, levei um papagaio, a Rosa, para ele taxidermizar. Ficou perfeita, parecendo viva. Como eu tinha também o macho, o Cravo, trouxe a Rosa para casa para observar a reação dele, que não se incomodou. Mas a minha mãe colocou um pedaço de melancia para cada um e ficou preocupada porque a Rosa não comeu! O Anselmo trabalhava bem mesmo.
            Ele faleceu em março do ano passado, aos 49 anos, devido a complicações após um transplante de fígado. Ao vê-lo ali deitado, com o rosto e as mãos negras emolduradas por flores brancas, pensei que ele viveu a vida de modo que, ao morrer, todos choravam e só ele sorria. Descanse em paz. Sentiremos saudades. A vida ficou mais triste sem suas risadas.

Um comentário:

  1. Saudade desta risada…, pessoas como Anselmo foram fundamentais na formação não só de profissionais que amam o que fazem mais também cidadãos.
    Lembro de sua dedicação com o ensino, que não se restringia apenas aos alambrados do Campus Umuarama. Muitos dos acadêmicos que passarem pelo curso e Biologia da UFU, foram trazidos pelo interesse despertado por aquele rapaz “que empalhava os bichos, atendia todos com presteza e transmitia sua alegria nos momentos difíceis.
    O legal é que pessoas como Anselmo deixam de existir, apenas tem a aposentadoria de nosso convivo, porem estão sempre em nossas lembranças.
    Hoje, como docente, Anselmo esta sempre presente comigo, nos “causos”que conto a meus alunos , quando preciso de exemplos de dedicação, irreverência e felicidade.

    Abraços

    Rodrigo Feltran

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