A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Vida de médico


Meu pai era médico. Estudou na Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, fundada por D. João VI. Não sei por quê, por volta de 1915, quando se formou, foi parar em Campos Altos, na época uma currutela. Durante cerca de 30 anos foi o único médico do local. Fazia de tudo. Era daqueles médicos que tinha um pouco de pai, de amigo e de anjo. Curava a dor do corpo e da alma. Escutava os pacientes, auscultava os pulmões, examinava o corpo com as mãos. Não pedia nenhum exame, não existia laboratório na cidade. Diagnosticava só de apalpar, observar e escutar.
     Fez inúmeros partos naturais, nunca fez uma cesariana (bons tempos aqueles). Receitava elixir paregórico e poções manipuladas na única farmácia. Distribuia para todos remédios de amostra grátis, junto com calor humano e esperança. Na porta do consultório, bem simples, havia uma placa com os dizeres “Dr. Luiz de Souza Coelho. Médico. Atende chamados a qualquer hora”(a placa está hoje na minha cristaleira). Além de médico, era o chefe político do PTB na região. Foi o primeiro prefeito da cidade e houve época em que andava protegido por “jagunços”, personagens do passado. Quando morreu, deixou uma caderneta grossa , onde anotava as dívidas dos pacientes, pois quase ninguém pagava a consulta. Minha mãe, a viúva, herdou a caderneta e mais nada.
      Hoje a medicina está muito diferente. Exames sofisticados, aparelhos de última geração, remédios mil, planos de saúde, especialidades nunca antes sonhadas. Mas parece que os médicos nunca têm tempo para escutar os pacientes, ou estão muito cansados, ou ganham tão pouco por cada consulta que tem que ser tudo muito rápido.
      Tenho dois filhos médicos e fico escutando os casos. Gostam da profissão. Um é otorrinolaringologista (será este o maior nome no dicionário?). Ele já retirou do ouvido e do nariz dos pacientes objetos diversos, como feijão, tento, baratinha, lacrainha, espuma, caroço de azeitona, tarrachinha de brinco, plástico da tampa de requeijão. Sugeri fazer um quadro e pendurar no consultório. Poderia fazer com ele uma plástica no meu rosto (ele é bom nisto), tirar as rugas, as pelancas do pescoço, repuxar os olhos. Mas gosto das minhas marcas do tempo.
      O outro é ortopedista. Pelo que entendi, opera os ossos com aparelhos tipo martelo, serra, furadeira, broca, parafusos, um horror (espero nunca precisar dos serviços dele). Às vezes ele está tão cansado, olhos vermelhos, pernas inchadas, que penso que a medicina é mesmo um sacerdócio.
E me lembro de médicos que precisam de esforço sobre-humano para atender casos como daquele menininho que, há cerca de um ano, está sendo tratado no HC da UFU. O pai ficou desesperado quando a esposa o deixou e ateou fogo em si e nos dois filhos. Ele e um filho morreram, mas o outro, de oito anos, sobreviveu, com cerca de noventa por cento do corpo queimado. Perdeu os dedos das mãos e dos pés e já passou por inúmeras cirurgias de enxerto de pele. Tem também o caso da menininha de quatro anos, atendida no HC. A madrasta bateu em sua cabeça com uma panela de pressão, seccionando a coluna cervical. Foi presa, mas a criança ficou tetraplégica. São tantas as Isabellas anônimas que não saem na mídia...E ao lado delas, médicos tentando salvar vidas. Que Deus os conserve, lhes dê saúde, coragem e sabedoria. E se não for pedir muito, que todos saibam ser médicos de homens e de almas.
       

3 comentários:

  1. Que um dia a medicina ensine não apenas a curar as mazelas do corpo físico, mas possa também desenvolver o sentimento para vasculhar as dores da alma que geram muitas doenças, no primeiro corpo.

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  2. Olá Ana Maria,
    rcebi um e-mail da Maria Angélica divulgando seu Blog e dessa forma cheguei aqui!
    Adorei conhecer seu lado de escritora!
    Parabéns, as crôncias são ótimas. Das que li até agora a que mais gostei foi a do papagaio!
    Não pude deixar de me lembrar da forma carinhosa que você nos (Deborah, Adriana, Juliana e eu) recebeu na coordenação da Biologia na UFU quando fizemos a trnasferência de Uberaba. Saudades!!!
    Gostaria de saber seu e-mail.
    Um grande beijo! Felicidades!!!!
    Ana Paula

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  3. pneumoultramicroscopicossilicovulcanoconiótico, esta é a maior palavra, pelo menos é o que o achei na net, kkkkkkkkkkkkkkk.
    Adorei seu blog, é como se tivessemos ouvindo uma contadora de histórias, adooooreeei.
    Continue...

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