Cora Coralina, que faleceu aos 95 anos |
Cora Coralina escreveu o emocionante poema
"Bondade também se aprende". Começa assim: "Eu não tenho medo
dos anos e não penso em velhice. E digo pra você: não pense. Nunca diga estou
envelhecendo ou estou ficando velho. Eu não digo que estou ouvindo pouco. É
claro que quando preciso de ajuda, eu digo que preciso. Também não diga pra
você que está ficando esquecido, porque assim você fica mais". Há trechos
como: "Sei que tenho muitos anos. Sei que venho do século passado e que
trago comigo todas as idades, mas não sei se sou velho não. Você acha que eu
sou? Tenho consciência de ser autêntica e procuro superar todos os dias minha
própria personalidade, despedaçando dentro de mim tudo o que é velho e morto,
pois lutar é a palavra vibrante que levanta os fracos e determina os
fortes." É um longo e belo poema, que termina assim:" Digo o que
penso, com esperança. Penso no que faço com fé. Faço o que devo fazer, com
amor. Eu me esforço para ser cada dia melhor, pois bondade também se
aprende".
Versos tão simples e tão profundos, tão verdadeiros.
Dá vontade de abraçar alguns velhinhos desamparados. Então, sempre que posso,
vou visitar alguns em um asilo da cidade. Tem muitos por lá: alguns na cadeira
de rodas, outros acamados, uns contando
suas histórias de vida. Uns emburrados e sem conversa. Outros amargurados e que não abrem seus corações. Alguns
emocionados por ter alguém segurando suas mãos. Um casal no qual o velhinho
gosta de cantar e tocar violão e a esposa é arredia e de cara fechada. Uma que
adora bonecas, o quarto está repleto delas, dá vontade de ficar por lá
brincando. Outra magrinha, de traços bonitos, que foi professora e que tem
vontade de comer peixe bem temperado, pois reclama que a comida do asilo não
tem gosto. E o Sr. Antônio, que tem
vontade de alguém para sair com ele e dar uma voltinha no quarteirão. Alguns confusos,
como a senhora bonitinha, de olhos brilhantes, que pede para procurar sua filha para levá-la de lá, pois não quer
mais ficar estudando naquela escola. Todos limpinhos e bem cuidados. Muitos esperando
os filhos que não vem visitá-los; outros cercados por parentes. Ou por crianças,
como aconteceu dia destes, quando uma escola levou as crianças para alegrarem
os velhinhos. Uma boa ideia e um ato de bondade.
Enfim, ficar velho é o destino de todos nós, uma opção melhor
do que morrer novo. E como disse Cora Coralina, mesmo tendo muitos anos, é
preciso lutar, ter fé, fazer tudo com amor e bondade. E encontrar, cada
velhinho à sua maneira, a melhor forma de viver os últimos anos. Como
Florisbela, a mãe do cronista Jairo Marquez, da Folha. Ele conta que a mãe, já
velhinha, sempre reunia a família para dar a benção. Na hora da reza, invocava
São Cosme, São Damião, São Miguel Arcanjo, São Jorge Guerreiro, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro.
Até inventava alguns santos, para alongar a reza e o tempo do cafezinho. O autor comenta que
velhos criam inteligentes maneiras para encompridar a prosa rala com os filhos
que aparecem de vez em quando e com os netos que não se desgrudam dos joguinhos
eletrônicos. Como a Florisbela, que
emendava a reza com canções do Lupicínio Rodrigues. Todos ficavam mais um pouco
ao som da música : "Felicidade foi-se embora e a saudade no meu peito
ainda mora..." Assim, a Florisbela conseguia, com bondade e sabedoria,
exercer seu importante papel: agregar a
família e fazer com que os mais jovens cuidassem dela, o patrimônio vivo da sua
geração.