Maíra e a cobra |
"Educação, boa e velha"
é o nome de um texto da psicóloga Rosely Sayão. A autora comenta que na sociedade atual os
velhos perderam importância e que os pais das crianças não acreditam que os
avós tenham algo a acrescentar à formação dos netos . Mas os avós insistem,
porque acham que vale a pena ensinar aos netos coisas como certo e errado, falso e verdadeiro e que ter
liberdade é muita responsabilidade. Rosely acrescenta que antes, os avós
mimavam os netos, mas que agora não podem mais fazer isso, pois são os pais é
que mimam, satisfazendo todas as vontades dos filhos. Daí, muitos avós da
atualidade conseguiram inovar o sentido da palavra "mimar". Para
esses velhos, mimar passou a ser dedicar tempo aos netos e ter paciência com
eles (penso que estou nesse grupo). A isso, eu acrescentaria que mimar também é
aprender com os netos e se divertir com eles.
Como
num dia desses, quando realizei o sonho da Maíra, minha netinha de quatro anos.
O sonho dela era passear de ônibus. Assim, decidi levá-la ao Campus Umuarama,
onde eu trabalhava, e fomos para a praça Tubal Vilela. Depois de esperarmos 20
min, ela entrou no ônibus animadíssima, conversando com os passageiros e de
olho na janela. Ficou preocupada com uma moça de pé ao lado de um assento vazio
e falou várias vezes: "-Moça, senta aí", mas a moça não sentou. Quando
chegamos ao campus, uma amiga minha, professora de répteis, levou a Maíra para
conhecer o serpentário e deixou que ela passasse a mão em uma cobra inofensiva.
Ela ficou fascinada. Na volta, pegamos o ônibus no ponto mais perto. Assim que
a porta abriu e a Maíra subiu os degraus, parou no meio do corredor, antes da
roleta, colocou as mãos em volta da boca e gritou a plenos pulmões, com seu
vozeirão característico:"-Geeeente! Geeeente! Eu passei a mão na
cobra!". Alguns passageiros riram, outros devem ter pensado que ela estava
mentindo, outros continuaram dormindo.
Eu, meio sem jeito, tentei explicar alguma coisa. Mas logo o ônibus deu um
safanão e consegui segurar a Maíra pela gola da blusa. Na sequência, no afã de pegar
rápido um lugar com janela, ela entalou debaixo da roleta, tentando passar por
baixo. Pegamos o ônibus errado e tivemos que parar no terminal para pegar outro,
que estava lotado. Consegui um assento e a coloquei no colo, mas ela ficou
indignada porque tinha uma moça sentada ao lado, na janela, e a Maíra tinha
certeza que o lugar deveria ser para ela. No dia seguinte, fomos ao bairro Guarani,
na casa da minha ajudante, e para ela foi outra aventura. Voltou de cabelo lavado
e escovado e de unhas pintadas. Minha ajudante tem um salão de beleza e a Maíra
usufruiu de tudo. Entrou linda no ônibus, sentamos nos assentos da frente e ela
contou toda a sua curta vidinha de quatro anos para o motorista, sempre com um
olho nele e outro na janela. Não falou da cobra, mas ao descer falou bem alto:
"-Brigaaaaado, motorista"!
Acho
as crianças incríveis e por isso ainda pretendo mimar muito meus onze netos.
Como escreveu Adélia Prado: "Meu Deus, me dá cinco anos, me dá a mão, me
cura de ser grande..." Ou como no texto de Rubem Alves: "são as
crianças que veem as coisas -porque elas as veem sempre pela primeira vez com
espanto, com assombro de que elas sejam do jeito como são. Os adultos, de tanto
vê-las, já não as veem mais. As coisas -as mais maravilhosas- ficam banais. Ser
adulto é ser cego."
Penso
que a Maíra viu muita coisa pela janela do ônibus que eu não vi...
Nenhum comentário:
Postar um comentário