A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

O atalho

            
Tenho trauma de atalhos. Tudo porque, na década de setenta, passei pela experiência que passo a relatar.
Costumávamos passar o Natal com a família do Zé, meu marido, e certa vez estávamos indo de Carmo do Rio Claro para Paraisópolis. O Zé, compenetrado, dirigia um Opala branco de seis cilindros. A minha sogra, gente boa mas espaçosa, toda confortável no banco da frente. Eu, espremida no banco de trás com quatro crianças com idade entre dois e oito anos. Chegando em Machado, o Zé resolveu atalhar o caminho para Pouso Alegre (atalhar: encurtar, abreviar, resumir). Saiu do asfalto e entrou em uma estrada em construção, de puro barro vermelho e grudento. O Opala descia deslizando, debaixo de uma chuvinha fina. Depois de meia hora, chegamos a uma lagoa. Do outro lado, a estrada lamacenta continuava. Impasse sobre entrar ou não na lagoa. O Zé então perguntou a uma mulher, debruçada na janela de uma casinha próxima, se dava para passar. Ela balançou a cabeça de forma afirmativa e o Zé foi. Foi e ficou. O Opala afundou na lagoa, que felizmente era bem rasa. Retiramos as crianças do carro, mas a sogra se negou a descer no barro. Arrumei uma pinguela para ela, uma tábua velha que ia do carro ao barranco. Para desatolar o Opala, alguns homens com enxadas fizeram um canal para esvaziar a lagoa. Depois, o empurra-empurra e eu no meio, com barro nos “zóio, zóvido e zóreia”. Mas o Opala nem mexia. Alguém teve idéia de arranjar uns bois, que foram atrelados ao carro e então ele saiu. Mas era preciso voltar, ou seja, subir o tobogã de lama. Atolamos novamente, com a chuva caindo por cima e a noite também (a viagem começou de manhã e sem o atalho, seria pertinho, pertinho). Saí com o filho corajoso de sete anos para pedir socorro ou algum cantinho para passarmos a noite. Como mineiro é desconfiado, ninguém ajudou. Pensei no restante da família que devia estar desesperada, nos julgando desaparecidos ou mortos (não havia celular)e animei o Zé para tomarmos alguma atitude. Deixamos as crianças no carro com a sogra e saímos na noite escura e chuvosa, eu já sem sapatos. Como Deus é grande, encontramos o acampamento da empreiteira que fazia a estrada. Batemos na porta de uma casinha com luz acesa e apareceu um homem que, acreditem se quiser, se chamava Salvador. Encharcados e tremendo de frio, relatamos o ocorrido (ele deve ter pensado que éramos loucos, aliás, eu não, o Zé, a idéia do atalho foi dele). Salvador subiu em uma patrola amarela enorme,com uma lâmina de uma tonelada na frente,o Zé dependurado de um lado e eu do outro, tentando me equilibrar nas alturas e com a chuva fustigando meu rosto, pronta pra cair e ser soterrada no barro e compactada pela máquina. Quando a patrola se aproximou do carro, com a sua luz possante, as crianças começaram a gritar, pensando que fosse um disco voador (a esta altura, já tinham comido duas caixas de bombons que seriam dos amigos invisíveis). Enfim, o Opala foi puxado com cabo de aço até chegar ao asfalto. Paramos no posto Fernandão para avisar a família e limpar um pouco do  barro. Joguei minhas roupas no lixo, vesti um robe amarelo com florzinha e chegamos em Paraisópolis de madrugada.
De tudo isto, restou um consolo: minha sogra passou a me considerar uma heroína e contava a história para quem quisesse ouvir. Quanto ao Zé, entrou no atalho para chegar mais cedo e assistir ao jogo Cruzeiro X Internacional. Perdeu o jogo. Bem feito.

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