A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

domingo, 22 de maio de 2011

Histórias de um doutorado

Dia de coleta de abelhas em reserva de cerrado

Abelha europa visitando flores de mataiba

           
Defendi a minha tese de doutorado em fevereiro de  2009, na primeira turma do doutorado em Ecologia e Conservação de Recursos Naturais da UFU. Deu certo, mas o que tem por trás de uma tese daria um livro interessante.
Por exemplo, na parte experimental. Coletei abelhas que visitavam uma mesma espécie de árvore (ou arbusto), chamada mataíba, em três áreas de cerrado. As áreas eram diferentes quanto ao tamanho, conservação e alterações causadas pelo homem. Pretendia descobrir como as diferenças entre os habitats infuenciam nas comunidades de abelhas do cerrado, quais as espécies mais comuns e as raras, qual o papel da mataíba na alimentação dos insetos (tudo muito lindo no papel, mas vai fazer!). Durante as coletas, em dois anos, aconteceu de tudo. Trombadas em caixas de marimbondos. Pés enfiados e torcidos em buracos de tatu. Ferroadas de abelhas. Chuvas torrenciais que encharcavam os ossos. Paradas azaradas em cima de formigueiros. Dores nos olhos, sob o sol escaldante, de tanto procurar enxergar alguma abelha. Chave trancada dentro do carro e aquela vontade premente de ir embora, sem ter como. Aconteceu até um  assalto, praticado por um quati (mamífero com cerca de meio metro, nariz pontudo, cauda longa com listras escuras, parecido com o guaxinim). Um dia, na Estação Ecológica do Panga, apareceu um quati caminhando lerdo e tranquilo na trilha. Veio na minha direção e da aluna que me auxiliava. Passou as unhas grandes e recurvadas nas nossas roupas, cheirou (eles têm excelente olfato)e foi em direção à sacola que estava no chão. Enfiou as unhas, roubou o saquinho de sanduíches e saiu correndo, olhando de soslaio para trás, com o cantinho dos olhos, desaparecendo entre as árvores. Passamos fome o dia todo.
Na escrita da tese, mil cálculos estatísticos: correlação de Pearson, índice de similaridade, qui-quadrado, curvas de rarefação, estimadores de riqueza, modelos matemáticos e mais um banco de dados gigantesco, com anotações de cada abelha (coletei 2078). Sai fumaça do cérebro e os neurônios são torrados. Entre uma coisa e outra, tentava vencer o medo que tenho do computador. Passei muita raiva, pois de repente, desapareciam todos os textos e gráficos. Alguns reapareciam em locais nunca imaginados e outros sumiam para sempre. Nas correções pelo orientador (ou desorientador?)os parágrafos vinham rabiscados com “incompleto”, “impreciso”, “desnecessário”, “sem sentido” e no final, não restava nada do texto, trabalho perdido (pesquisador sofre).
Mas valeu a pena. Como disse Mahatma Gandhi ”a alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido; não na vitória propriamente dita”. Foi fascinante descobrir que uma única espécie de planta do cerrado é capaz de servir como fonte de pólen e néctar para 110 espécies de abelhas, 54 de vespas, 37 de dípteros e 35 de coleópteros. Entender o dinamismo e a estrutura da comunidade de abelhas e a importância da manutenção dos cerrados do município, mesmo os pequenos fragmentos, para conservação das abelhas, os mais importantes polinizadores. Enfim, como no município de Uberlândia apenas cerca de 8% do cerrado está em seu estado natural, urge um melhor conhecimento da flora e fauna dessa vegetação, para definir estratégias de conservação. Antes que seja tarde demais.

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