A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Vamos virar torresmo?


 

Na mídia, notícias sobre calor extremo são constantes. Por exemplo: 2024 foi o ano mais quente já registrado; o Rio Grande do Sul, recentemente, registrou temperaturas extremamente altas, acima de 40 °C; na América do Sul, o número de mortes relacionadas ao calor aumentou 160% entre 2018-2022; os efeitos na saúde são marcantes: entre 2000 e 2019, cerca de 489.000 mortes relacionadas ao calor ocorreram a cada ano no mundo. E por aí vai.

Esse é um assunto extremamente sério e preocupante. No entanto, José Simão, colunista da Folha, consegue abordá-lo de maneira divertida. No artigo “70  °C? Vou virar torresmo!” escreveu que mora em um país tropical, mas não tem uma nega chamada Tereza. Que em fevereiro avisaram que a sensação térmica poderia chegar a 70 °C, então o mês deveria se chamar “fervereiro” . E que grau já era,  vale agora é a sensação térmica, aquela sensação de quero ficar pelado. Conta que o marido perguntou pra mulher: -“Se eu dormir no terraço pelado o que os vizinhos vão dizer?”  A mulher respondeu: -“Que eu casei com você por dinheiro”. Rarará! Comenta que a nossa pele vai fritar, virar torresmo e vamos todos morrer de overdose de suor. E o Brasil vai derreter e virar uma poça de suor, a chamada frente frita. A gente acorda pra torrar! O calor é tanto que o poste da rua de um amigo dele  pegou fogo sozinho. E ele também pegou fogo sozinho! Fala que não são as calotas polares que estão derretendo, são as calotas do seu carro! E conta de um cartaz onde estava escrito: “ Faz merda não, hein! Sensação de 60 °C na praia, imagina na cadeia!” Deseja até mesmo ir para o inferno, onde é mais fresquinho. Argumenta que o traje oficial do Brasil, daqui pra frente, será bermudão e chinelo! Conta que o presídio da Papuda, onde estão ensaiando as marchinhas “Unidos da Papuda” e “Me dá um golpe aí”, já é chamada de Nova Dubai: muito quente e cheia de milionários! Conclui que o bom mesmo é dormir na gôndola de congelados do Pão de Açúcar, de conchinha com um chester!

Além do mundo todo, há pessoas derretendo, mas não pelo calor. Li esta noticia : “O Lula está derretendo, reflexo da indignação das pessoas. Os partidos de centro já começaram a pular fora”. Ah, e sobre o Lula, José Simão escreveu : “Lula diz para o povo parar de comprar o que está caro, e supermercados dão férias coletivas. Rarará! E o preço do ovo? O problema do Lula não é o mercado, é o supermercado!”

Bem, brincadeiras à parte, o problema do aquecimento global é muito sério. Cada qual precisa fazer a sua parte, com ações dentro da possibilidade de cada um.  Por exemplo, nas cidades, as ilhas de calor urbano com pouca vegetação e dominadas por asfalto, retêm o calor. Que tal plantar uma árvore na calçada e cuidar dela com carinho? Em áreas de pobreza e habitação precária, as escolas geralmente não têm ar condicionado, o que torna as crianças mais vulneráveis aos efeitos do calor. Que tal doar um ar condicionado para uma escola carente?

 Enfim, mitigar os efeitos do calor extremo exigem ações globais, locais e individuais. Todos nós devemos fazer a nossa parte. Caso contrário, vamos mesmo virar torresmo, daqueles bem crocantes e moreninhos.

terça-feira, 4 de março de 2025

Uma viagem de navio


                                            

            Em janeiro, fui com um grande grupo, com camiseta azul escrita "Mineiros a Bordo", fazer um cruzeiro, saindo de Santos, no navio Costa Diadema, de bandeira italiana. Um gigante dos mares, com 133.000 toneladas, 305 m de comprimento e capacidade para 6.200 pessoas. Com muitas diversões e confusões; passageiros de todas as idades: ricos, pobres, remediados, brancos, negros, amarelos pelo enjoo do navio; argentinos, mineiros, gaúchos, curitibanos; tripulantes de várias nacionalidades. Tudo isso emoldurado por um mar sem fim e um céu azul a perder no horizonte.

          Foram sete dias singrando o mar. O que a gente mais fazia era comer e se perder. O principal ponto de comilança era no Restaurante Buffet, que ficava aberto 24h, sem descanso. Começava às 5 h com o café da manhã para os madrugadores, depois para os normais e terminava às 11h para quem adorava repousar.  Em seguida, almoço, café da tarde, jantar, lanche da noite até 5h e tinha gente que não perdia nada. Salmão, camarão, pizza, sobremesas, à vontade.  Podia-se também optar por restaurantes à la carte e pedir pratos sofisticados. Como o Fiorentino, onde o melhor não era nem a refeição nem a conversa animada, mas sim o espetáculo dos garçons e cozinheiros, toda noite. Eles dançavam entre as mesas, batendo os pés e as mãos, ao som da música Jerusalém, com seus aventais pretos. A plateia vibrava, cantava junto e rodopiava os guardanapos brancos. Alguns garçons eram bons dançarinos e esbanjavam ritmo e gingado (decerto foram escolhidos no show do navio, "Gente di Mare- o espetáculo da tripulação", no qual cada um revelava seu talento). Além dos restaurantes, existiam vários bares especiais, onde algumas pessoas exageravam nas doses e depois se arrependiam amargamente. E quem não quisesse sair do quarto, poderia ligar e pedir itens como "polpettine di granchio alla Benedict", mesmo sem saber o que era. Afinal, havia no navio 203 cozinheiros e 284 garçons, várias cozinhas e uma padaria que fazia pão, foccacia e pizza três vezes ao dia, gastando 3000 kg de farinha de trigo da Itália. Gastava-se diariamente 20.000 litros de água mineral, 3.000 de vinho, 5.000 de leite, 16.200 kg de vegetais, 8.700 kg de carne bovina (mas não eram das minhas vaquinhas!), 650 kg de manteiga, 7.300 kg de peixe. E 33.120 ovos por dia! Não inventei esses números não, aprendi com o palestrante Marcílio, na palestra "O navio nos bastidores". Ele explicou, entre outros, que toda a água filtrada é comprada e a água do mar é tratada para vários usos, como na lavagem de roupas (são 16.000 toalhas por dia). Depois é tratada novamente e jogada de volta ao mar, junto com os restos de comida que antes passam por biodigestor e tratamento. E em cada porto, os materiais recicláveis são descartados nos locais corretos.

         Quanto às pessoas ficarem perdidas, acontecia porque eram 1862 cabines, 18 conveses, corredores a perder de vista com vários “entroncamentos”, muitos elevadores na popa, no meio e na proa. A gente precisava marcar um rumo, decorar e tomar sempre o mesmo caminho. Mesmo assim, nunca se sabia se virava à esquerda ou à direita. Além disso, não havia internet, só se comprasse um pacote caríssimo, então não havia como combinar onde se encontrar com outros. Um dia o meu neto de doze anos, que estava comigo na cabine 6230, chegou esbaforido, suado, com palpitação e disse apavorado: “Vovó, eu me perdi e vim lá do zero!” Era assim. 

        Além de comer e se perder, havia muitas atrações, para qualquer idade. Piscinas, torneio de ping-pong, gincanas, brincadeiras e desafios, cassino, discotecas, escola de dança, bingo, ginástica, caminhada, mercadinho da Black Friday, foto com o comandante. Palestras e seminários sobre saúde, como celulite, olheiras e inchaço ao redor dos olhos. Era só escolher. Entre um e outro, comer e se perder. E cansar também. Tinha uma no grupo dos mineiros que cuidava da sua mãezinha. Era o dia todo: “Mãezinha, vamos pro café.” “Mãezinha, vamos pra ginástica”. “Mãezinha, vamos pro teatro”. A mãezinha não tinha tempo nem para uma soneca, ficou bem cansada!

        Á noite, o “point” era o enorme teatro, com três níveis e shows diários. Alguns fantásticos, como o “Seasons of love “, com rodopios e evoluções de um par de acrobatas com impressionante flexibilidade, força e beleza. O “Kings and Quens”, com uma banda interpretando os grandes clássicos dos reis e rainhas do pop e do rock. O “Led Tron Dance”, com três bailarinos cujos corpos se apagavam e se acendiam e a gente não entendia como. Mas o apogeu foi a escolha do ganhador do karaokê   “The Voice of the Sea”. Com jurados, votação do público e escolha da vencedora, que cantou “Evidências do Amor” e ganhou muitos aplausos. Fora do teatro, aconteceu o “Grande baile dos oficiais” e “A noite do branco”, bem concorridos. O evento mais criativo, pra mim, foi a festa “A noite do semáforo”, onde a cor da roupa dizia tudo: verde, disponível; amarelo; estou pensando; vermelho, já estou ocupado. Um dos netos ficou afobado procurando uma camisa verde. Não encontrou, mas não fez diferença: na hora da festa já estava no décimo sono, exausto de correr pelos corredores.

            Enfim, foram muitas as emoções. Coroadas pela contemplação do nascer e do pôr do sol, do ponto mais alto do navio. A imensidão do mar azul, a beleza das cores, o rastro do navio sulcando as águas, o encontro do céu com o mar, a gratidão pelo momento e pela oportunidade de ali estar. “O espírito de Deus pairava sobre as águas”. Como escreveu Adélia Prado, no livro “O coração disparado”: “O mar existindo com este navio imenso, coitado de quem não viu e só soube de mar de rosas e rio de enchente parecendo um mar.  Tão diverso de anzolinho de piaba e água doce, esta água estendendo-se até dormir de cansaço e virar país estrangeiro. Coitados de pai e mãe que morreram sem ver”.

 



 

Como perder um navio


                                       

 

            O escritor paraibano, Ariano Suassuna, em um vídeo divertido, explica que tudo o que é bom de passar, é ruim de contar . Por exemplo, se você for contar para um amigo como a vida está boa neste ano: no dia primeiro de janeiro, foi tudo bem; no dia 2, foi ótimo; no dia 3, foi bom também. O amigo só consegue escutar até o dia 4. Por outro lado, ele completa que tudo o que é ruim de passar, é bom de contar. Por isso, vou contar uma coisa ruim, que aconteceu na minha recente viagem em um  navio de cruzeiro.     

            Tudo começou quando, com um grande grupo que iria comemorar a bordo o aniversário de uma amiga , embarcamos em Santos no navio Costa Diadema, para um cruzeiro de sete dias.  Seguimos para Itajaí, Montevidéu e Buenos Aires, onde os passageiros podiam descer e retornar em determinados horários. Cada passageiro possuía um cartão  magnético com vários dados. Sem ele, a gente não era ninguém. Mesmo com ele, a gente era insignificante, pois havia 4.250 passageiros a bordo e 1.253 tripulantes. Era cada um por si e Deus por todos. Quando chegávamos em algum porto, a multidão ia descendo dos vários conveses do navio (tinha 15 conveses acima do mar, três abaixo e 1.862 cabines de passageiros, imaginem!). Parecia uma boiada quando a porteira abria.  Todos passavam por funcionários na porta de saída,  que registravam o cartão pra saber quem tinha deixado o navio.

            Dentro desse contexto (de você desaparecer e nem fazer diferença), descemos em Itajaí e Montevidéu e o passeio foi muito bom. Então, como diria Ariano Suassuna, é ruim de contar. O drama aconteceu em Buenos Aires. Eu comprei uma excursão organizada pelo navio. O ônibus da excursão saiu ás 9 h e retornou às 14:30h. Visitamos a praça da Casa Rosada, o bairro Caminito e a Calle Florida. O horário de regresso ao navio era até às 18:30h, então resolvi ficar com outros grupos para conhecer diferentes locais. Assim,  perguntei à guia da excursão, que falava português, qual o nome do porto para o qual eu deveria retornar.  Ela disse, com todas as letras: "Benito Martinez Terminal Fluvial" e anotei no meu caderninho. Fomos um grupo maior para o lindo bairro Palermo. Depois nos dispersamos e fiquei com o neto Yuri, de 16 anos e a neta Yara , de 14 , quando então fomos visitar o Jardim Botânico, um lugar de paz e beleza, com árvores frondosas. Antes de irmos para lá, os netos almoçaram chorizo, frango com batatas e duas limonadas, por $59.840,00 pesos argentinos (um real vale 200 pesos e um dólar, 1.100 pesos). Ou seja, dois pratos simples por R$300,00, tudo está caríssimo na Argentina.

            Bem, continuando, vi que o meu celular estava quase descarregado ( mas estava 100% quando deixei o navio) e às 16: 45 comecei a procurar Uber para regressar ao  porto. Colocava o nome informado pela guia e não aparecia aquele porto. Não havia tempo para confirmar com ninguém, 2% de bateria. Chamei mesmo assim,  confiando que o motorista saberia onde era aquele porto tão importante , no qual desembarcavam centenas de pessoas diariamente. Mostrei o nome do porto escrito no caderninho, o meu cartão do cruzeiro, expliquei tudo.  Ele disse: " Sé dónde es, sé dónde es" e lá fomos nós. Tentei carregar meu celular para confirmar com alguém o endereço, usando o cabo do Uber, mas estava quebrado. Yara dormindo o sono dos justos. Yuri grudado no celular, mesmo sem internet, sem saber se estava na Terra ou em Marte. E olha que ele tinha ido á pé do navio para o bairro Palermo, com o meu filho. Mesmo depois de quarenta e cinco minutos no carro, ele não desconfiou que o caminho estava errado! Eu falei várias vezes para o  motorista: - " Por favor, el camino está equivocado, está muy  lejos,  vamos a perder el crucero". Mas ele não se importava, não parava e chegamos em outra cidade, em Tigre. Insisti que não era aquele porto, pedi para ele aguardar eu confirmar e voltarmos com ele. Disse que não iria voltar, que morava em Tigre e nos abandonou por lá, às 17:50 h. Saí pedindo informações pelo  porto e cada minuto era importante. Seria uma hora de lancha até o navio. Ou então pegar o próximo trem. Não havia táxi por lá. Não tinha bateria no celular pra chamar Uber. Iria ficar em um país estranho com dois menores, sem passaportes (eles ficam retidos no navio), com uma nota de cem dólares e o cartão do banco na bolsa. Como Deus é grande, encontrei uma lojinha que ajudava turistas. Relatei meu drama, bebi uma água, encontraram o nome correto do porto, chamaram um táxi e  avisaram que não chegaríamos a tempo. O motorista, um senhor velhinho e desdentado, saiu a toda velocidade, e não trombamos e nem morremos pelo caminho (a esta altura, os netos estavam bem despertos).  Carreguei o celular no táxi e avisei os dois filhos que era quase certo que perderíamos o navio. Conseguiram que fosse colocado um último ônibus, do porto ao navio, às 18: 40 h, mas tínhamos que chegar até este horário. Chegamos às 18:37 h, aleluia!  Graças ao velhinho, que deveria ser piloto de corrida. O táxi era 35 dólares, eu iria dar 50 , mas ele não tinha troco pra minha única nota de 100 dólares.  Não possuia pix  nem conta em banco. Eu não tinha pesos. O navio quase saindo. Entreguei a nota de 100, saímos correndo e ele ficou olhando com um sorriso incrédulo.

            Enfim, valeu a experiência e ficou a receita para perder um cruzeiro: 1-não saber o nome do porto; 2-celular descarregado; 3-netos adolescentes no mundo da Lua; 4-motorista de Uber sem ética e sem educação.

            Passado o susto, registrei uma reclamação pelo fato da guia do próprio navio não saber o nome do porto. E por não existir nenhuma orientação do que fazer no caso de perder o navio.  Como pedido de desculpas, ofereceram para nós quatro da cabine um jantar delicioso, com lagosta, carneiro, pato e salmão. E com um cozinheiro filipino que preparava os alimentos na nossa frente, cantando em inglês e fazendo acrobacias com  facas e ovos.  

            No próximo texto, contarei como é singrar os mares olhando o pôr e o nascer do sol. Que o Ariano Suassuna me perdoe , mas  tentarei prender a atenção dos leitores até o final, mesmo contando coisas boas.