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terça-feira, 4 de março de 2025

Uma viagem de navio


                                            

            Em janeiro, fui com um grande grupo, com camiseta azul escrita "Mineiros a Bordo", fazer um cruzeiro, saindo de Santos, no navio Costa Diadema, de bandeira italiana. Um gigante dos mares, com 133.000 toneladas, 305 m de comprimento e capacidade para 6.200 pessoas. Com muitas diversões e confusões; passageiros de todas as idades: ricos, pobres, remediados, brancos, negros, amarelos pelo enjoo do navio; argentinos, mineiros, gaúchos, curitibanos; tripulantes de várias nacionalidades. Tudo isso emoldurado por um mar sem fim e um céu azul a perder no horizonte.

          Foram sete dias singrando o mar. O que a gente mais fazia era comer e se perder. O principal ponto de comilança era no Restaurante Buffet, que ficava aberto 24h, sem descanso. Começava às 5 h com o café da manhã para os madrugadores, depois para os normais e terminava às 11h para quem adorava repousar.  Em seguida, almoço, café da tarde, jantar, lanche da noite até 5h e tinha gente que não perdia nada. Salmão, camarão, pizza, sobremesas, à vontade.  Podia-se também optar por restaurantes à la carte e pedir pratos sofisticados. Como o Fiorentino, onde o melhor não era nem a refeição nem a conversa animada, mas sim o espetáculo dos garçons e cozinheiros, toda noite. Eles dançavam entre as mesas, batendo os pés e as mãos, ao som da música Jerusalém, com seus aventais pretos. A plateia vibrava, cantava junto e rodopiava os guardanapos brancos. Alguns garçons eram bons dançarinos e esbanjavam ritmo e gingado (decerto foram escolhidos no show do navio, "Gente di Mare- o espetáculo da tripulação", no qual cada um revelava seu talento). Além dos restaurantes, existiam vários bares especiais, onde algumas pessoas exageravam nas doses e depois se arrependiam amargamente. E quem não quisesse sair do quarto, poderia ligar e pedir itens como "polpettine di granchio alla Benedict", mesmo sem saber o que era. Afinal, havia no navio 203 cozinheiros e 284 garçons, várias cozinhas e uma padaria que fazia pão, foccacia e pizza três vezes ao dia, gastando 3000 kg de farinha de trigo da Itália. Gastava-se diariamente 20.000 litros de água mineral, 3.000 de vinho, 5.000 de leite, 16.200 kg de vegetais, 8.700 kg de carne bovina (mas não eram das minhas vaquinhas!), 650 kg de manteiga, 7.300 kg de peixe. E 33.120 ovos por dia! Não inventei esses números não, aprendi com o palestrante Marcílio, na palestra "O navio nos bastidores". Ele explicou, entre outros, que toda a água filtrada é comprada e a água do mar é tratada para vários usos, como na lavagem de roupas (são 16.000 toalhas por dia). Depois é tratada novamente e jogada de volta ao mar, junto com os restos de comida que antes passam por biodigestor e tratamento. E em cada porto, os materiais recicláveis são descartados nos locais corretos.

         Quanto às pessoas ficarem perdidas, acontecia porque eram 1862 cabines, 18 conveses, corredores a perder de vista com vários “entroncamentos”, muitos elevadores na popa, no meio e na proa. A gente precisava marcar um rumo, decorar e tomar sempre o mesmo caminho. Mesmo assim, nunca se sabia se virava à esquerda ou à direita. Além disso, não havia internet, só se comprasse um pacote caríssimo, então não havia como combinar onde se encontrar com outros. Um dia o meu neto de doze anos, que estava comigo na cabine 6230, chegou esbaforido, suado, com palpitação e disse apavorado: “Vovó, eu me perdi e vim lá do zero!” Era assim. 

        Além de comer e se perder, havia muitas atrações, para qualquer idade. Piscinas, torneio de ping-pong, gincanas, brincadeiras e desafios, cassino, discotecas, escola de dança, bingo, ginástica, caminhada, mercadinho da Black Friday, foto com o comandante. Palestras e seminários sobre saúde, como celulite, olheiras e inchaço ao redor dos olhos. Era só escolher. Entre um e outro, comer e se perder. E cansar também. Tinha uma no grupo dos mineiros que cuidava da sua mãezinha. Era o dia todo: “Mãezinha, vamos pro café.” “Mãezinha, vamos pra ginástica”. “Mãezinha, vamos pro teatro”. A mãezinha não tinha tempo nem para uma soneca, ficou bem cansada!

        Á noite, o “point” era o enorme teatro, com três níveis e shows diários. Alguns fantásticos, como o “Seasons of love “, com rodopios e evoluções de um par de acrobatas com impressionante flexibilidade, força e beleza. O “Kings and Quens”, com uma banda interpretando os grandes clássicos dos reis e rainhas do pop e do rock. O “Led Tron Dance”, com três bailarinos cujos corpos se apagavam e se acendiam e a gente não entendia como. Mas o apogeu foi a escolha do ganhador do karaokê   “The Voice of the Sea”. Com jurados, votação do público e escolha da vencedora, que cantou “Evidências do Amor” e ganhou muitos aplausos. Fora do teatro, aconteceu o “Grande baile dos oficiais” e “A noite do branco”, bem concorridos. O evento mais criativo, pra mim, foi a festa “A noite do semáforo”, onde a cor da roupa dizia tudo: verde, disponível; amarelo; estou pensando; vermelho, já estou ocupado. Um dos netos ficou afobado procurando uma camisa verde. Não encontrou, mas não fez diferença: na hora da festa já estava no décimo sono, exausto de correr pelos corredores.

            Enfim, foram muitas as emoções. Coroadas pela contemplação do nascer e do pôr do sol, do ponto mais alto do navio. A imensidão do mar azul, a beleza das cores, o rastro do navio sulcando as águas, o encontro do céu com o mar, a gratidão pelo momento e pela oportunidade de ali estar. “O espírito de Deus pairava sobre as águas”. Como escreveu Adélia Prado, no livro “O coração disparado”: “O mar existindo com este navio imenso, coitado de quem não viu e só soube de mar de rosas e rio de enchente parecendo um mar.  Tão diverso de anzolinho de piaba e água doce, esta água estendendo-se até dormir de cansaço e virar país estrangeiro. Coitados de pai e mãe que morreram sem ver”.

 



 

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