Em janeiro,
fui com um grande grupo, com camiseta azul escrita "Mineiros a Bordo",
fazer um cruzeiro, saindo de Santos, no navio Costa Diadema, de bandeira
italiana. Um gigante dos mares, com 133.000 toneladas, 305 m de comprimento e capacidade
para 6.200 pessoas. Com muitas diversões e confusões; passageiros de todas as
idades: ricos, pobres, remediados, brancos, negros, amarelos pelo enjoo do
navio; argentinos, mineiros, gaúchos, curitibanos; tripulantes de várias
nacionalidades. Tudo isso emoldurado por um mar sem fim e um céu azul a perder
no horizonte.
Foram sete
dias singrando o mar. O que a gente mais fazia era comer e se perder. O
principal ponto de comilança era no Restaurante Buffet, que ficava aberto 24h,
sem descanso. Começava às 5 h com o café da manhã para os madrugadores, depois
para os normais e terminava às 11h para quem adorava repousar. Em seguida, almoço, café da tarde, jantar,
lanche da noite até 5h e tinha gente que não perdia nada. Salmão, camarão,
pizza, sobremesas, à vontade. Podia-se
também optar por restaurantes à la carte e pedir pratos sofisticados. Como o
Fiorentino, onde o melhor não era nem a refeição nem a conversa animada, mas
sim o espetáculo dos garçons e cozinheiros, toda noite. Eles dançavam entre as
mesas, batendo os pés e as mãos, ao som da música Jerusalém, com seus aventais
pretos. A plateia vibrava, cantava junto e rodopiava os guardanapos brancos. Alguns
garçons eram bons dançarinos e esbanjavam ritmo e gingado (decerto foram
escolhidos no show do navio, "Gente di Mare- o espetáculo da
tripulação", no qual cada um revelava seu talento). Além dos restaurantes,
existiam vários bares especiais, onde algumas pessoas exageravam nas doses e depois
se arrependiam amargamente. E quem não quisesse sair do quarto, poderia ligar e
pedir itens como "polpettine di granchio alla Benedict", mesmo sem
saber o que era. Afinal, havia no navio 203 cozinheiros e 284 garçons, várias
cozinhas e uma padaria que fazia pão, foccacia e pizza três vezes ao dia,
gastando 3000 kg de farinha de trigo da Itália. Gastava-se diariamente 20.000 litros
de água mineral, 3.000 de vinho, 5.000 de leite, 16.200 kg de vegetais, 8.700
kg de carne bovina (mas não eram das minhas vaquinhas!), 650 kg de manteiga,
7.300 kg de peixe. E 33.120 ovos por dia! Não inventei esses números não,
aprendi com o palestrante Marcílio, na palestra "O navio nos
bastidores". Ele explicou, entre outros, que toda a água filtrada é
comprada e a água do mar é tratada para vários usos, como na lavagem de roupas
(são 16.000 toalhas por dia). Depois é tratada novamente e jogada de volta ao
mar, junto com os restos de comida que antes passam por biodigestor e
tratamento. E em cada porto, os materiais recicláveis são descartados nos
locais corretos.
Quanto às
pessoas ficarem perdidas, acontecia porque eram 1862 cabines, 18 conveses,
corredores a perder de vista com vários “entroncamentos”, muitos elevadores na
popa, no meio e na proa. A gente precisava marcar um rumo, decorar e tomar
sempre o mesmo caminho. Mesmo assim, nunca se sabia se virava à esquerda ou à
direita. Além disso, não havia internet, só se comprasse um pacote caríssimo,
então não havia como combinar onde se encontrar com outros. Um dia o meu neto
de doze anos, que estava comigo na cabine 6230, chegou esbaforido, suado, com
palpitação e disse apavorado: “Vovó, eu me perdi e vim lá do zero!” Era
assim.
Além de
comer e se perder, havia muitas atrações, para qualquer idade. Piscinas,
torneio de ping-pong, gincanas, brincadeiras e desafios, cassino, discotecas,
escola de dança, bingo, ginástica, caminhada, mercadinho da Black Friday, foto
com o comandante. Palestras e seminários sobre saúde, como celulite, olheiras e
inchaço ao redor dos olhos. Era só escolher. Entre um e outro, comer e se
perder. E cansar também. Tinha uma no grupo dos mineiros que cuidava da sua mãezinha.
Era o dia todo: “Mãezinha, vamos pro café.” “Mãezinha, vamos pra ginástica”.
“Mãezinha, vamos pro teatro”. A mãezinha não tinha tempo nem para uma soneca,
ficou bem cansada!
Á noite, o
“point” era o enorme teatro, com três níveis e shows diários. Alguns
fantásticos, como o “Seasons of love “, com rodopios e evoluções de um par de
acrobatas com impressionante flexibilidade, força e beleza. O “Kings and
Quens”, com uma banda interpretando os grandes clássicos dos reis e rainhas do
pop e do rock. O “Led Tron Dance”, com três bailarinos cujos corpos se apagavam
e se acendiam e a gente não entendia como. Mas o apogeu foi a escolha do
ganhador do karaokê “The Voice of the Sea”. Com jurados, votação
do público e escolha da vencedora, que cantou “Evidências do Amor” e ganhou
muitos aplausos. Fora do teatro, aconteceu o “Grande baile dos oficiais” e “A
noite do branco”, bem concorridos. O evento mais criativo, pra mim, foi a festa
“A noite do semáforo”, onde a cor da roupa dizia tudo: verde, disponível;
amarelo; estou pensando; vermelho, já estou ocupado. Um dos netos ficou afobado
procurando uma camisa verde. Não encontrou, mas não fez diferença: na hora da
festa já estava no décimo sono, exausto de correr pelos corredores.
Enfim, foram
muitas as emoções. Coroadas pela contemplação do nascer e do pôr do sol, do
ponto mais alto do navio. A imensidão do mar azul, a beleza das cores, o rastro
do navio sulcando as águas, o encontro do céu com o mar, a gratidão pelo
momento e pela oportunidade de ali estar. “O espírito de Deus pairava sobre as
águas”. Como escreveu Adélia Prado, no livro “O coração disparado”: “O mar
existindo com este navio imenso, coitado de quem não viu e só soube de mar de
rosas e rio de enchente parecendo um mar.
Tão diverso de anzolinho de piaba e água doce, esta água estendendo-se
até dormir de cansaço e virar país estrangeiro. Coitados de pai e mãe que
morreram sem ver”.
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