A cada dois dias tentarei colocar um texto novo, para manter o interesse dos meus leitores e também algumas fotos para exemplificar alguns textos. Obrigada pelo apoio.

sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Comentários dos leitores

                                   

                Uma das recompensas ao escrever crônicas  é receber os comentários dos leitores. Alguns são tão interessantes que vale a pena divulgá-los.

                Por exemplo, na última crônica que escrevi, "Brazilian thong", sobre a mania que temos de guardar e usar coisas velhas, os comentários foram divertidos e variados. Muitas leitoras contaram que guardam o umbigo dos filhos e que , de maneira alguma, aconteça o que acontecer, irão descartá-los. Uma, que mora na fazenda, contou que sua mãe enterrou seu umbigo no mourão da porteira do curral, para ter muito gado, mas que ela não conseguiu enterrar o da filha. Outra relatou um caso assustador,  do enterro de um  homem de 33 anos que tinha um bebê de um ano. O bebê estava num quarto ao lado da sala do velório. As pessoas escutavam o choro do bebê, iam olhar e ele estava dormindo tranquilo. Depois de várias repetições desse fato, resolveram olhar nos bolsos do paletó do morto. O umbigo do bebê estava lá! Retiraram o umbigo seco do bolso e o choro parou, cruzes! Já outra escreveu que está é perdida, pois além dos umbigos, guarda todos os escritos dos filhos, desde os rabiscos do pré até as provas do curso superior. E uma professora universitária contou que conserva toda a tonelada de papel de sua vida acadêmica. Caiu na bobagem de perguntar ao marido o que ele faria se ela morresse primeiro, e ele: "Coloco tudo dentro de uma caçamba e jogo fora" . É isso aí, pra que ela foi perguntar...Igual aquela pergunta fatídica que os homens não devem fazer ás mulheres: - " Você tem que escolher: prefere eu ou o cachorro? "  Outra leitora escreveu bonito, que estava fazendo o exercício de guardar apenas memórias e pessoas queridas no coração. E uma contou um longo caso de um enterro no qual o morto estava vestido com o paletó do seu marido. Por precaução, ela resolveu olhar nos bolsos. Encontrou um pacote de notas guardadas, que por pouco não  foram enterradas.

                E as roupas velhas? A maioria dos comentários das leitoras foi de que passariam a usar só calcinhas e camisolas novas e bonitas, pois vai que...Mas uma leitora, teimosa, disse que continuaria com suas camisolas desgastadas e desbotadas mesmo, pois eram as mais confortáveis. E outra contou uma história : a filha estava muito atrasada para a escola, ela levantou-se apressada, com os cabelos desgrenhados, de meia e um pijama velho horrível, quadriculado. Colocou por cima um roupão mais horrível ainda, calçou as chinelas havaianas nos pés com meia, entraram apressadas no carro e lá se foram. Tiveram que parar na casa do ex -marido, que não se conforma com o divórcio, para a filha pegar algo. Ele, o ex,  abriu a porta e quase morreu de susto ao vê-la naqueles trajes. A leitora concluiu que foi ótimo, talvez assim ele a esqueça (a feiura às vezes pode ser útil). Ah, e tem também o relato de um médico, sobre pacientes que chegam pra  consulta bem vestidos e arrumados. Mas quando tiram a roupa para o exame médico, é um susto só. Cada cueca velha, parecendo funil, deixando tudo de fora. Sem falar das mulheres de calça comprida que revelam as pernas cabeludas ou ensebadas de creme que não tem nem como examinar os joelhos, de tão escorregadios. E o caso que contou, do homem que foi acidentado e quando tiraram a roupa dele, no hospital, estava com a calcinha da esposa?  Ainda bem que era da esposa.

                Também apareceram comentários indignados sobre o japonês  que colecionava as calcinhas, sobre as risadas gostosas que os leitores deram, e outros mais genéricos, como este elogio : "Ana, você é uma observadora do aqui e agora, com sua incrível e especial pincelada de alegria. Os assuntos mais doloridos são transmutados em festa".

                Quanto às coisas velhas que vamos guardando nas gavetas,  gostei sobretudo de um texto do Mário Quintana, enviado por uma leitora que justificava o porque de não esvaziar suas gavetas: "Eu moro em mim. Deixo sempre as janelas entreabertas pra sentir o sopro de raros afetos. A porta? Só abro para poucos. Todos os dias, eu percorro meus cômodos, corredores e contemplo a vida pela varanda. Mas, as gavetas...Ah...As gavetas? Ainda não dá para abri-las. Senão, acabo tendo que morar dentro delas". Lembrei-me do Pedro Bial, que no seu poema  "A morte", também fala sobre esvaziar gavetas. Argumenta que morrer, só mesmo quando se tem mais de cem anos, quando o sono eterno pode ser bem vindo, já que não há mais quase nada guardado nas gavetas. Ou seja, o Pedro Bial pensa que só em torno dos cem anos poderemos ter as gavetas vazias... Mas uma  leitora enviou-me texto de uma escritora sueca que escreveu o livro  "Limpeza da morte: a prática sueca de se livrar de bens acumulados em vida".  A  autora aconselha a começar a descartar coisas que não se usa e a esvaziar as gavetas a partir dos 65 anos e ressalta : "comece cedo, antes que você fique velho e fraco demais para fazer isso, nunca é cedo demais".

                Assim, penso que a partir de certa idade, ou esvaziamos as gavetas ou passamos a morar dentro delas. Simples assim.

                

 

terça-feira, 19 de novembro de 2024

Brazilian thong


                                                           BRAZILIAN THONG

 

                 Desapegar de alguns objetos pode ser um problema enorme. Ou pelas lembranças boas que eles trazem, ou por não saber como e onde descartar, ou por preguiça e comodismo, ou por pensar que podemos achar outro uso para eles. E até mesmo por nostalgia, pois podem ser uma fonte de consolo e de conforto em tempos de saudades , como penso que foi o caso da minha mãe. Velhinha, sentada no banco do quintal, certo dia separava algumas tranqueiras de uma gaveta. Encontrou uma caixinha branca, sacudiu, abriu e me perguntou: -"Sabe o que tem aqui?" Na hora, por intuição e conhecendo como ela gostava de guardar coisas velhas, respondi: "- Deve ser o meu umbigo, sequinho!" Jesus, e era! Ficamos as duas boquiabertas, ela por eu ter adivinhado e eu por ela ter guardado meu umbigo por mais de 50 anos! Enterrei-o no canteiro do jardim e encerrei o assunto.

                Mas ás vezes guardar e usar coisas velhas pode causar complicações. Como na caso de minha filha. Em uma de suas andanças como mochileira pelo mundo, com uma amiga, foi da Índia para o norte da Tailândia, para um vilarejo bucólico com piscinas termais. Hospedou-se em uma pousada, num chalé entre árvores, mais afastado. A dona do chalé, uma tailandesa pequenina, avisou-a que  tinha aparecido por ali um ladrão de calcinhas. Explicou que minha filha não precisava se preocupar, pois ela já havia preparado uma armadilha para pegar o larápio sem-vergonha: iria dependurar várias calcinhas novas e coloridas no varal e ficar de tocaia. Assim, depois do banho, minha filha, tranquila,  lavou e dependurou na varandinha do chalé a calcinha velha, com a rendinha rasgada, elástico relaxado e vários buraquinhos na malha. Pensou que estava na hora de jogá-la fora, mas como ainda teria alguns dias de viagem e na Tailândia só se encontra calçolas esquisitas pra comprar, resolveu conservá-la por mais um tempo, jamais encontraria uma calcinha confortável como as brasileiras. Dormiu com os anjos e no dia seguinte, quando olhou no varal, a calcinha tinha desaparecido! E ao longe avistou o varal da tailandesa com as calcinhas novas e coloridas tremulando ao vento, intactas.  Dias depois, a tailandesa avisou que a policia local tinha desconfiado de um turista japonês que estava hospedado lá por perto. Deram uma batida na casa dele e encontraram calcinhas de todo tipo. Assim, estavam precisando de testemunhas para reconhecer as calcinhas e a minha filha precisava ir até a delegacia reconhecer a dela. Horrorizada, minha filha disse que jamais iria até lá reconhecer a calcinha velha, tinha vergonha. Mas a tailandesa tanto insistiu que ela foi. O policial pequenino (lá todos são pequeninos) espalhou várias calcinhas sobre a mesa, ela reconheceu a calcinha esburacada, ele a colocou em um saquinho de plástico, escreveu em letras garrafais "BRAZILIAN THONG" e a guardou como prova do crime. Deve estar por lá ainda, na forma de pó. E o japonês, não se sabe o paradeiro.

                Ah, e tem também um caso local, da camisola da minha amiga. Foi assim: há alguns anos , em Uberlândia, no centro, aconteceu  a explosão de um botijão de gás durante a noite. Um acidente terrível, que danificou prédios e lojas. A minha amiga morava em um prédio próximo . Quando ouviu o estrondo da explosão, pensou que era um avião que tinha caído em cima do prédio. Levantou-se como estava, com uma camisola confortável, mas com fendas laterais,  bem velha, feia, desbotada e descosturada  nas laterais. Desceu esbaforida todos os degraus, do décimo segundo andar até o térreo, sem chinelos, sem óculos, sem nada, só de camisola velha. Todos os moradores do prédio desceram também como estavam. Quando o dia amanheceu, ficaram olhando uns para os outros, consternados, e ela encolhida na sua camisola desbotada e descosturada. Jurou que , a partir daquele dia, só dormiria com camisolas lindas e novas, pronta para qualquer explosão de botijão de gás, queda de avião ou terremoto.

                Bem, depois do umbigo, da calcinha velha e da camisola com fendas, não resta mais nada a contar.