Uma das recompensas ao escrever crônicas é receber os comentários dos leitores. Alguns são tão interessantes que vale a pena divulgá-los.
Por exemplo, na última crônica que escrevi, "Brazilian thong", sobre a mania que temos de guardar e usar coisas velhas, os comentários foram divertidos e variados. Muitas leitoras contaram que guardam o umbigo dos filhos e que , de maneira alguma, aconteça o que acontecer, irão descartá-los. Uma, que mora na fazenda, contou que sua mãe enterrou seu umbigo no mourão da porteira do curral, para ter muito gado, mas que ela não conseguiu enterrar o da filha. Outra relatou um caso assustador, do enterro de um homem de 33 anos que tinha um bebê de um ano. O bebê estava num quarto ao lado da sala do velório. As pessoas escutavam o choro do bebê, iam olhar e ele estava dormindo tranquilo. Depois de várias repetições desse fato, resolveram olhar nos bolsos do paletó do morto. O umbigo do bebê estava lá! Retiraram o umbigo seco do bolso e o choro parou, cruzes! Já outra escreveu que está é perdida, pois além dos umbigos, guarda todos os escritos dos filhos, desde os rabiscos do pré até as provas do curso superior. E uma professora universitária contou que conserva toda a tonelada de papel de sua vida acadêmica. Caiu na bobagem de perguntar ao marido o que ele faria se ela morresse primeiro, e ele: "Coloco tudo dentro de uma caçamba e jogo fora" . É isso aí, pra que ela foi perguntar...Igual aquela pergunta fatídica que os homens não devem fazer ás mulheres: - " Você tem que escolher: prefere eu ou o cachorro? " Outra leitora escreveu bonito, que estava fazendo o exercício de guardar apenas memórias e pessoas queridas no coração. E uma contou um longo caso de um enterro no qual o morto estava vestido com o paletó do seu marido. Por precaução, ela resolveu olhar nos bolsos. Encontrou um pacote de notas guardadas, que por pouco não foram enterradas.
E as roupas velhas? A maioria dos comentários das leitoras foi de que passariam a usar só calcinhas e camisolas novas e bonitas, pois vai que...Mas uma leitora, teimosa, disse que continuaria com suas camisolas desgastadas e desbotadas mesmo, pois eram as mais confortáveis. E outra contou uma história : a filha estava muito atrasada para a escola, ela levantou-se apressada, com os cabelos desgrenhados, de meia e um pijama velho horrível, quadriculado. Colocou por cima um roupão mais horrível ainda, calçou as chinelas havaianas nos pés com meia, entraram apressadas no carro e lá se foram. Tiveram que parar na casa do ex -marido, que não se conforma com o divórcio, para a filha pegar algo. Ele, o ex, abriu a porta e quase morreu de susto ao vê-la naqueles trajes. A leitora concluiu que foi ótimo, talvez assim ele a esqueça (a feiura às vezes pode ser útil). Ah, e tem também o relato de um médico, sobre pacientes que chegam pra consulta bem vestidos e arrumados. Mas quando tiram a roupa para o exame médico, é um susto só. Cada cueca velha, parecendo funil, deixando tudo de fora. Sem falar das mulheres de calça comprida que revelam as pernas cabeludas ou ensebadas de creme que não tem nem como examinar os joelhos, de tão escorregadios. E o caso que contou, do homem que foi acidentado e quando tiraram a roupa dele, no hospital, estava com a calcinha da esposa? Ainda bem que era da esposa.
Também apareceram comentários indignados sobre o japonês que colecionava as calcinhas, sobre as risadas gostosas que os leitores deram, e outros mais genéricos, como este elogio : "Ana, você é uma observadora do aqui e agora, com sua incrível e especial pincelada de alegria. Os assuntos mais doloridos são transmutados em festa".
Quanto às coisas velhas que vamos guardando nas gavetas, gostei sobretudo de um texto do Mário Quintana, enviado por uma leitora que justificava o porque de não esvaziar suas gavetas: "Eu moro em mim. Deixo sempre as janelas entreabertas pra sentir o sopro de raros afetos. A porta? Só abro para poucos. Todos os dias, eu percorro meus cômodos, corredores e contemplo a vida pela varanda. Mas, as gavetas...Ah...As gavetas? Ainda não dá para abri-las. Senão, acabo tendo que morar dentro delas". Lembrei-me do Pedro Bial, que no seu poema "A morte", também fala sobre esvaziar gavetas. Argumenta que morrer, só mesmo quando se tem mais de cem anos, quando o sono eterno pode ser bem vindo, já que não há mais quase nada guardado nas gavetas. Ou seja, o Pedro Bial pensa que só em torno dos cem anos poderemos ter as gavetas vazias... Mas uma leitora enviou-me texto de uma escritora sueca que escreveu o livro "Limpeza da morte: a prática sueca de se livrar de bens acumulados em vida". A autora aconselha a começar a descartar coisas que não se usa e a esvaziar as gavetas a partir dos 65 anos e ressalta : "comece cedo, antes que você fique velho e fraco demais para fazer isso, nunca é cedo demais".
Assim, penso que a partir de certa idade, ou esvaziamos as gavetas ou passamos a morar dentro delas. Simples assim.
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