Sou de uma época
antiga, nem tão antiga assim, mas o suficiente para minha geração presenciar transformações
incríveis. Naquela época, as geladeiras eram brancas e os telefones eram pretos,
imensos e pesados. Aliás, na minha casa da infância e adolescência nunca
tivemos geladeira, nem telefone, nem TV. Assisti TV pela primeira vez aos 17
anos, na casa do vizinho, em preto e branco. De diversão, apenas o rádio onde
meus irmãos e eu ouvíamos a eletrizante saga do "Jerônimo, o herói do
sertão". Filmes, só nas matinês de domingo, quando assistíamos seriados, Rin-tin-tin, Zorro, Tarzan e Mazzaropi. De luxo, uma roupa nova
no dia de ano e frango caipira com angu e quiabo aos domingos. Dos brinquedos, eram
especiais os bonequinhos de argila que a
gente inventava e brincava com eles até desmanchar. Dinheiro para nós,
crianças, comprarmos algo diferente, somente quando meus irmãos e eu apanhávamos jabuticaba ou manga no pé e vendíamos pelas
ruas (o meu pai era o único médico na pequena cidade, a família até tinha
"status", mas não tinha dinheiro). Era um tempo bom, simples, sem
tanta pressa e sem tanta poluição. Não existiam garrafas Pet e nem copos
descartáveis. As crianças eram criadas com fraldas de pano e não com centenas
de fraldas jogadas no lixo. Também iam à
pé, de bicicleta ou de ônibus pra escola, as mães não eram motoristas. Os
filhos pediam a benção antes de se deitarem, os pais eram chamados de senhor e
senhora e havia muito respeito.
Mas vivemos em um
mundo em transformação e tudo vai mudando, surgindo coisas e tecnologias fantásticas.
Como o vidro, por exemplo. O aprimoramento do seu processo de produção, em
torno do século XIII, permitiu a invenção das lentes e dos óculos. As lentes
permitiram os telescópios e os microscópios. Esses últimos permitiram as
vacinas, os antibióticos, o desenvolvimento da medicina, a diminuição da
mortalidade infantil. E do vidro por fim surgiu a fibra de vidro e a fibra óptica,
que permitiu a internet e a comunicação global. E com isso, o telefone celular.
A partir dai, nos transformamos de Homo
sapiens (e não de Mulher sapiens,
que isso!) em Homo connectus. Mudaram-se
as profissões e os hábitos. Como a nova profissão dos vigilantes de teatro que
bombardeiam os transgressores que ligam seus celulares na hora do espetáculo.
Semelhantes a atiradores de elite, apontam o feixe luminoso da canetinha de
raio laser no aparelho (não miram na cara) e as pessoas, envergonhadas,
desligam na hora.
E agora, o
importante é "bombar" no
facebook, curtir fotos e postagens, instalar aplicativos de aniversário,
conhecer redes sociais, fazer cadastramento biométrico, digitar caracteres
esquisitos para se logar em sistemas, atualizar softwares, aprender a usar mais
um controle remoto, etc. E as senhas, meu Deus! Vivo perdida nelas. Algumas são
o nome dos netos mais a data de aniversário, outras a placa do carro mais o
número da casa, algumas o nome da cadelinha mais os três primeiros números do
telefone. Dai misturo tudo, não sei se é cachorro mais aniversário ou cachorro
mais placa. O melhor é escrever todas as senhas e guardar. Mas, onde guardar?
Como lembrar onde estão guardadas? O melhor mesmo, mais seguro, é esquecer
todas e ficar protegido inclusive contra nós mesmos. Mas sem senha a gente nem
existe. Ai, que saudades de subir em um pé de jabuticabas, apanhar algumas bem
grandes e docinhas, colocar num cesto e vender na rua. Simples assim.