Casapueblo em Punta del Este, Uruguai
No livro “O Pequeno Príncipe”, o principezinho morava em um
planeta bem pequeno. A sua vidinha era melancólica e por muito tempo sua única
distração era a doçura do pôr do sol. Podia contemplar o espetáculo várias vezes
por dia, bastava afastar sua cadeira para pontos diferentes do planeta. Em
certo trecho, ele comenta com seu amigo aviador:-“Um dia eu vi o sol se pôr
quarenta e três vezes!” E um pouco mais tarde, acrescentou: -“Quando a gente
está triste demais, gosta do pôr do sol...”O aviador perguntou:-“Estavas tão
triste assim no dia dos quarenta e três?” Mas o principezinho não respondeu.
Também
gostaria de ver o sol se pôr várias vezes num mesmo dia, não por tristeza, mas pela
beleza do espetáculo. Felizmente tive oportunidade de assistir a um pôr do sol inesquecível,
valeu pelos quarenta e três do principezinho. Não apenas pela magia e doçura,
mas pela singularidade do local de observação, pela história de vida do
proprietário e pelo respeito demonstrado pelos turistas. Tudo aconteceu na
Casapueblo, em Punta del Este, Uruguai. O lugar é hotel, museu e ateliê do
renomado artista uruguaio Carlos Paez Vilaró, de 89 anos. Ele é pintor,
escultor, compositor, escritor, muralista e construtor. Casapueblo é a sua “escultura
viva” em frente ao mar, toda branca, formada por partes arredondadas que
simulam os ninhos de barro do pássaro Forneiro, comum na região. Foi construída
à mão, em vários estágios, durante 30 anos, e todos os quartos, salas e
varandas são voltados para o mar e ligadas por corredores que formam um verdadeiro labirinto. Quando Vilaró terminou
a construção percebeu, surpreso, que a cidadela havia ficado com a forma do
mapa do Brasil. No museu encontram-se quadros e esculturas do artista, com
cores vibrantes e que abordam principalmente os temas cultura afro uruguaia e
mulher. Cada cor tem um significado: o azul colonial é nostalgia, o branco é
ansiedade de ser cor, o verde é vida, o rosado é o amanhecer do amor. Em uma
sala, os turistas podem assistir a um filme sobre o artista, no qual Vilaró narra
suas viagens e mostra suas obras ao redor do mundo. Conta do acidente em 1972
com o filho, Carlos Miguel, que viajava de avião e este caiu na cordilheira dos
Andes, no Chile. Depois de 72 dias, 16 sobreviventes foram encontrados e entre
eles estava seu filho. No filme, a descrição que Vilaró faz do abraço que deu
no filho, quando o encontrou, dá vontade de chorar. Vilaró nunca desistiu de
procurá-lo e conversava com ele todas as noites olhando para a lua(escreveu o
livro “Entre mi hijo y yo, la luna”).
Assim, num local construído por uma
pessoa tão especial, centenas de pessoas esperavam o pôr do sol do alto da
Casapueblo, olhando a vastidão do horizonte se encontrando com o mar. Matizes
de vermelho, laranja e roxo cobriam o céu (eu não sabia que o roxo combinava
tanto com laranja). Momento de silêncio, de respeito, de magia. Hora de
agradecer a Deus por mais um dia, pelos momentos difíceis e pelos bons
momentos, de sentir que a vida vale a pena. Uma foto, um abraço, um afago, o
vento no rosto, o barulho do mar, o céu colorido, o sol como uma imensa bola de
fogo baixando devagar. Quando desapareceu, as pessoas bateram palmas e algumas
brindaram com vinho. Ao fundo, a voz gravada de Vilaró: “tchau, sol, te quiero mucho,
gracias por tu encanto”. Tudo muito lindo, até senti a presença do Pequeno
Príncipe por lá.
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