O prato de nhoque na mesinha da cabine |
Em
fevereiro agora, juntamente com familiares e amigos, fizemos um cruzeiro em um
navio luxuoso. Treze andares com escadarias e elevadores dourados, salões
diversos, teatro, cassino, corredores compridos atapetados, restaurantes finos,
piscinas de todo tipo, comida à vontade, muitos shows e diversão. A bordo, 3500
passageiros (alguns vomitando) e quase 1000 tripulantes de várias
nacionalidades, singrando os mares. O mar, meu Deus, o mar! Uma imensidão azul,
se encontrando no horizonte com o céu, lindo.
Em meio a
tudo isso, o Zé, meu marido, e eu. Ele, dizendo que o navio era um regime de
engorda, só comer e dormir. E eu, querendo aproveitar cada minuto e conhecer
tudo. Nesse contexto, certa noite fui jantar com o meu grupo. Éramos sempre
seis pessoas na mesa, mas nesta noite faltava o Zé. Ele estava com dores no
corpo e preferiu ficar na cabine (o que mais gostou no navio foi da cabine, de
ficar esparramado na cama larga). Eu estava faminta, esfomeada, nervosa de fome
e resolvi pedir quatro pratos: uma massa enroladinha de entrada, salada, nhoque
e o prato principal, lagarto fatiado com arroz e legumes (felizmente não pedi
sobremesa). Deliciei-me com o primeiro e o segundo pratos, mas quando o garçom
trouxe o nhoque, desanimei. Estava bonito e apetitoso, com muito molho e queijo
ralado por cima, os pedacinhos de nhoque caprichosamente dispostos no prato.
Mas eu pensava no prato principal, que ainda teria que comer, e fiquei
angustiada. Tentei empurrar o prato pra alguém da mesa. Não deu certo. Sugeri
dividir um pouquinho pra cada um. Não quiseram. Fiquei então num dilema, não
poderia desperdiçar um prato daqueles, tão gostoso e com tanta gente passando
fome no mundo. Daí,tive uma idéia genial: levar o prato pro Zé, que estava
sozinho e abandonado na cabine, decerto com fome. Mas não sabia se podia sair
de um restaurante tão distinto, carregando um prato de nhoque. Ainda mais no
famoso dia do jantar do comandante, com as mulheres de vestidos longos, cheias
de colares, e os homens de terno e gravata. Os companheiros da mesa me apoiaram e resolvi
arriscar. Tampei o prato de nhoque com outro prato e fui saindo de fininho. No
que dei três passos, fui cercada por dois garçons e pelo “chef de cuisine”. Vergonha
total, eu me sentindo uma assassina, gente olhando. Perguntaram o que eu ia
fazer, expliquei que meu marido estava doente e que ia levar o nhoque pra ele.
Disseram que não podiam permitir, pois eu poderia cair com o prato, me cortar
toda, perder muito sangue, quebrar a perna e culpar o restaurante. O “chef”
falou grosso, com um sotaque estranho, que tinha gente pra fazer isso, anotou o
número da minha cabine e tomou o prato das minhas mãos, nem pude fazer nada. Voltei
cabisbaixa pra mesa. Pensei: “mesmo se quiserem entregar, nunca vão conseguir acordar
o Zé batendo na porta”. Comi o prato principal, dei umas voltas pelo navio e
até me esqueci do incidente.
Mais tarde,
quando abri a porta da cabine, fiquei surpresa: eles tinham mesmo levado o nhoque
e conseguido acordar o Zé! Ele estava sem camisa, sentado na cama e saboreando
o prato de nhoque, que estava numa mesinha dourada. Contou que bateram
“muuuito” forte na porta, ele abriu e entrou um asiático alto, que falou “bueno
apetito”. O Zé ficou feliz e emocionado por eu ter me lembrado dele. Na
verdade, não foi bem assim, mas valeu, pois ele disse que foi o melhor prato
que comeu no navio.
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