Luiz Cláudio com 3 anos de idade
Em Uberlândia, há 40 anos atrás, a região nas
proximidades da atual Avenida Rondon Pacheco, no bairro Lídice, era toda
coberta de mato, com inúmeros lotes vagos. No local da Rondon passava um
córrego, que muitas vezes era usado como despejo de esgoto. Havia muita área
verde, vacas e cavalos soltos. Na época, morávamos na Avenida Professor Mário
Porto, dois quarteirões acima do córrego.
Neste
bairro, meus filhos foram criados brincando na rua. Especialmente um deles adorava
a vida livre, leve e solta. Sempre estava desaparecido na hora de ir para a
escola e eu saia procurando-o pelas vizinhanças. Aos cinco anos, troncudo,
pernas grossas, bochechas coradas, roupa suja, encontrei-o suado subindo o
morro com uma varinha de anzol em uma das mãos e na outra, uma latinha com
minhocas, sorrindo feliz. Estava atrasado para a escola e perguntei-lhe,
zangada, onde ele estava. Respondeu com sinceridade: "-Pescando no
bosteiro!"
Em
outra ocasião, aos quatro anos, chegou em casa puxando um cavalo branco e magro
em uma corda. Explicou que era o cavalo que o seu padrinho , que morava no
Carmo, havia enviado para ele. Contou que pediu a um senhor para laçar o cavalo
no pasto, pois não tinha conseguido. Espantada, soltei o pobre animal e ele fez
um escândalo. O problema é que realmente o padrinho tinha prometido um cavalo
para ele, nunca deu e criança não esquece.
Na
frente da escolinha onde ele começou a estudar aos cinco anos, havia um enorme
poste de concreto da rede elétrica . Até hoje me pergunto porque aquele poste
tinha que estar logo ali. Dia sim e outro também, ele se agarrava ao poste para
não entrar na escola. Era uma luta árdua arrancá-lo dali (mãe sofre). Pensei
que ele não iria virar gente. Mas Deus é misericordioso, e quando ele fez
vestibular para medicina, na UFU, aos 17 anos, foi aprovado em primeiro lugar.
Pensando
em tudo isso, enviei-lhe um email, depois que ele já era pai de dois filhos, perguntando-lhe
sobre as lembranças que tinha da sua infância. Respondeu-me com estas
palavras:"ganhei meu Rifle Super Tiro no Natal, tive meu Falcon olhos de
águia, dezenas de playmobil, comprei minha primeira espingardinha de chumbinho
com o dinheiro que economizei do lanche, pesquei no bosteiro, nadei nele,
peguei giardia, bicho-de-pé, oxiuríase, berne na testa, joguei futebol na rua,
cortei fundo o pé, levei ponto, finquei prego enferrujado no dedo, chupei manga
e bebi leite (e não morri até hoje), brinquei com fogo (e não queimei o dedo),
quase morri afogado na lagoa de Formiga, me perdi na praia com o meu baldinho
catando conchinhas, caí várias vezes da bicicleta, matei passarinho com
estilingue, brinquei de guerra de argila, de mamona e de sal grosso, desci
morro com carrinho de rolimã que eu fiz. Mas o principal é que tive bom exemplo
dentro de casa e que fui amado".
E
assim, com amor, a vida continua e tudo se repete. Quando os filhos dele eram
pequenos, também faziam uma travessura atrás da outra. Um dia, a mãe disse a um
que, na época, estava com quatro anos: -"Ah, Vítor, espero que um dia você
ainda vire gente!" Ele dormiu e quando abriu os olhinhos no dia seguinte, perguntou:
-" Mamãe,
eu já virei pessoa?"
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