Lia escrevendo sobre a fadinha do dente |
Uma das obras de arte da Lia |
As quatro mães e alguns filhos, a Maíra no meio |
Como
escreveu Cora Coralina, nós somos feitos de retalhos, de pedaços coloridos de
cada vida que passa pela nossa e que a gente vai costurando na alma. Nem sempre
são felizes, nem sempre são bonitos, mas sempre acrescentam e fazem a gente ser
como a gente é. Em cada retalho, uma lição, um carinho, uma saudade, uma
lembrança que nos torna mais pessoas, mais humanos, mais completos. E de
retalho em retalho nos tornamos um imenso bordado de nós mesmos.
Na minha colcha
de retalhos, os que mais gosto são os acrescentados pelas crianças da minha
vida. São retalhos bem coloridos, divertidos, originais. Por exemplo, um
retalho recente acrescentado pela Lia, minha netinha de sete anos que mora nos
States. Ela é uma artista, faz desenhos
e artes incríveis, combina as roupas como uma estilista, faz cartões lindos
todo dia para o pai, enfeita a casa com bilhetes coloridos, faz toucas e cachecóis de
crochê, uma graça. Mas acontece que agora ela perdeu seu primeiro dentinho de
leite. No começo, com o dente bem mole, estava entusiasmada esperando a chegada
da fadinha do dente que iria pegar o dentinho debaixo do travesseiro e trocar
por uma nota de cinco dólares. No entanto, quando a fadinha chegou na calada da
noite e fez isso mesmo, caiu em prantos . Queria o dentinho de volta para
guardar para sempre. Daí, tentou cativar a fadinha e fez um tipo de altar pra
ela, com flores, guloseimas, bugigangas e escreveu uma cartinha (com alguns
errinhos de inglês) pedindo o dentinho de volta. A fadinha aceitou.
Depois, foi
a confusão do terrário. Tudo começou
quando estive lá e construímos a três (ela, o irmão Enzo e eu) um terrário
fechado para observar aranhas, minhocas,
insetos, a formação da chuva, as plantinhas crescendo. Adoravam coletar os
animais e colocar dentro, mas a Lia ficou com pena das minhocas, remexeu a
terra e soltou todas. Antes, fez uma casinha de folhas e barro para elas. O
Enzo ficou indignado. O problema piorou no dia em que foram ao parque e
encontraram um besouro bonito, grande, preto luzidio. O pai teve que carregar o
besouro na mão por vários quarteirões. A Lia não quis colocar o inseto dentro
do terrário, preferiu montar um local para ele, decorado com pedrinhas, flores e
grama. O Enzo ficou bravo novamente. A mãe foi apaziguar a briga e dar uma
olhada no besouro, todo confortável no seu recanto florido. E, surpresa, na
verdade era uma barata, e das grandes! Foi a vez dela ficar brava e indignada
com o marido, que nem conhecia uma barata e levou uma pra dentro de casa. Ele
ficou com nojo de ter carregado a barata na mão. A Lia caiu em prantos
novamente porque não queria que matassem a barata. Ânimos acalmados, optaram
por soltar a barata no parque onde a haviam encontrado.
A minha
outra netinha de sete anos, Maíra, também é uma graça e sempre acrescenta
retalhos coloridos na minha colcha. No almoço do último dia das mães, estávamos
quatro mães reunidas para tirar a foto clássica, quando ela chegou rápido
e se posicionou bem na frente do grupo
para sair na foto. A turma mandou ela sair, pois não era mãe . Ela respondeu que era futura
mãe e não arredou pé, foi a mais sorridente do grupo.
E tem também
as crianças dos vizinhos, dos parentes, dos amigos. São muitos retalhos
coloridos. Lembro-me de uma vizinha que tinha quatro meninos. Um deles era meu
amiguinho inseparável. Um dia, a filha pequena de uma amiga da vizinha estava
tomando banho no chuveiro . Ele ficou olhando escondido a menina peladinha. A
mãe o pegou no flagra e disse: "Mas que coisa feia!" E ele, com os olhinhos brilhando: "Não é
feio não, mamãe, é só um rachadinho assim..." E fez um sinal vertical com
a mãozinha, de cima pra baixo.
Enfim,
parafraseando a poetisa, é assim mesmo que a vida se faz, de pedaços de outras
gentes que vão se tornando parte da gente também. E nunca estaremos prontos e
acabados, pois sempre haverá um retalho novo para se adicionar à alma.