Dayana abraçando a filha no parquinho do orfanato Fundana (fonte: Folha de São Paulo, 15/02/18)
Gosto de escrever textos divertidos para alegrar o
leitor. Por exemplo, comentando um vídeo que recebi. Nele, uma mulher de uns 30 anos, bem morena,
rosto redondinho, lábios carnudos e bem maquiada, falando indignada, séria e
com voz cristalina, mais ou menos assim: "ôu, esse trem de homem malhado
não presta. Ele só te chama pra tomar açaí. O problema é que ele paga o dele e
eu pago o meu. E tem mais, é só açaí com
banana, senão engorda. Ele fica vigiando
pra ver se a gente vai colocar leite
condensado e leite em pó, e nem é ele que vai pagar. Hoje o que eu gosto é de homem
barrigudo e gordinho, são os melhores que se tem. Ele te chama pra tomar uma e
toma todas. E você pode pedir porção de batata com queijo, mandioquinha, peixe,
torresmo. Quando você fala que vai embora, ele chama pra tomar a saideira. Depois paga tudo e ainda te leva em casa.
Hoje tá na moda é homem gordinho. Quando vejo homem sarado eu corro".
Eu ri
muito desse vídeo, principalmente porque adoro açaí com leite condensado e
leite em pó. Lembrei-me de um texto da Danuza Leão, em que ela fica indignada
quando vai a restaurantes e o garçom traz uma bola bem pequenina do seu sorvete
preferido. Quanto mais caro o restaurante, menor a bola. Ela escreve sobre
vários prazeres que a gente deixa de ter, com tantos deveres, tantas
preocupações em acertar, tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação.
E aí a vida vai ficando sem tempero e
sem graça. Termina pedindo ao garçom,
entre outras, cinco bolas de sorvete de chocolate. Enfim, concordo com as duas de que é bom demais comer o que a
gente gosta.
Mas daí fico pensando em tantas pessoas que passam fome, e
não tem como deixar de escrever sobre as tristezas da vida. Como o caso de
Dayana e seus quatro filhos. Li sobre ela numa matéria da Folha de São Paulo,
de 15/02/2018. O repórter Anthony Faiola, do Washington Post, contou de sua
visita ao maior orfanato da Venezuela, em Caracas. O pátio era uma pista de
obstáculos de crianças abandonadas. A assistente social que o acompanhava ia
explicando sobre as crianças. Passou por ele um menininho robusto em um
triciclo, apelidado de "El Gordo", mas quando foi deixado no orfanato
meses atrás era pele e osso. E a menininha de vestido florido quase não falava
mais. A mãe a tinha abandonado em setembro em uma estação de metrô, com uma
bolsa de roupas e um bilhete suplicando que alguém a alimentasse. Centenas de
pais têm feito isso na Venezuela, onde a fome e a miséria crescem sem parar. Não
têm como alimentar seus filhos e os estão entregando. Não porque não os amem,
mas porque os amam (quer coisa mais triste?). E os bebês, que antes eram
facilmente adotados, não o são mais, pois os pais adotivos não conseguem arcar
com as despesas. No país, cerca de 71%
das crianças com menos de cinco anos não têm alimentação adequada. A fome obriga as famílias a fazer
escolhas dolorosas, como no caso de Dayana, 28 anos . Em novembro passado ela
perdeu seu emprego de faxineira e entregou seus dois filhos menores para o
orfanato. Como a entidade não aceita crianças maiores, ele ainda está tentando
alimentar o de 8 e de 11 anos em casa. O orfanato oferece a ela leite, macarrão
e sardinha, mas não é suficiente. Contou ao repórter que depois do jantar , os
meninos pedem: "Mãe, quero mais". Mas ela não tem mais nada pra dar a
eles.
Acho que eles iriam adorar ter como sobremesa açaí com leite condensado ou sorvete de chocolate.
|
Nenhum comentário:
Postar um comentário