Zé depois da artroscopia, repousando
De acordo com o
dicionário Aurélio, "gota é a porção mínima de líquido suficientemente
pesada para cair em forma de esfera ou pera". Temos assim a gota de chuva,
de orvalho, de suor, a lágrima.
Mas não vou escrever sobre nenhuma delas e sim sobre
a doença gota, um tipo de artrite que ocorre quando o ácido úrico se acumula no
sangue e causa inflamação das articulações. E que dói, dói muito. Curiosamente,
também é chamada Doença dos Reis, pois antigamente acometia as pessoas mais
abastadas da sociedade que possuíam fartura na mesa (ou seja, os comilões). Uma
das causas da gota é o alto consumo de carne bovina, que favorece a produção de
ácido úrico no organismo.
E como o Zé, meu marido, já deve ter comido uma
centena de bois ao longo da sua vida, ele é uma pessoa gotosa (não confundir
com gostosa). Sofre de gota crônica, que acomete o pé esquerdo, o pé direito, o
joelho esquerdo, o joelho direito, vai variando. Ocorre inflamação, dor,
inchaço, aumento de temperatura no local. E a articulação pode travar e ele não
andar. Um calvário.
Acontece que o último e recente ataque de gota na
verdade foi um massacre. Ele ficou tão mal do joelho esquerdo que os dois
filhos médicos, que lhe dão total assistência, começaram a pensar em outras
possibilidades. Pediram uma batelada de exames. E a perna só inchando e doendo.
O Zé andando mancando. Depois pulando apoiado em mim. Depois comprei um par de
muletas. Depois consegui uma cadeira de rodas emprestada, mas que na verdade
era uma cadeira de usar no banheiro, difícil demais de empurrar. E ele imóvel, com
a perna inchada e doendo, só pedindo pra mim: traz água com gelo; preciso do
óculos; cadê meu celular; põe minha
perna pra cima; preciso ir no banheiro; tenho que escovar os dentes; põe meu
celular pra carregar; está na hora de tomar os remédios; preciso de um
travesseiro; fecha a cortina pra mim; pega o controle da TV, etc. Daí, no sétimo dia, eu disse pra ele:
"Zé, acho que vou te bater..." Quase fiz como a D. Esperança, uma antiga
vizinha que eu tive. Ela era uma velhinha forte, de pele clara enrugada e bem brava.
Cuidava do marido, um velho miudinho que de vez em quando surtava, pulava a
janela e fugia. Ela o agarrava e dava-lhe umas boas palmadas. A meninada da
vizinhança, que vivia solta pelas ruas, vinha correndo me contar e eu ia
defender o velhinho. Quase apanhava também.
Bem, mas voltando para a gota, o Zé acabou sendo
operado pelo filho ortopedista, fez uma artroscopia no joelho. Estava com o menisco lesionado, com
cisto de Baker, acúmulo de líquido gotoso e umas coisinhas mais. Teve que
aprender a usar as muletas, pois estava andando errado. Eu também aprendi, caso
algum dia precise (foi o filho que ensinou). É assim: coloca-se as duas muletas
para a frente, sem abrir muito o espaço entre elas. Depois puxa-se a perna
lesionada para frente até emparelhar com
as muletas. Apoia-se o pé no chão. Depois dá o passo com a perna sã. Começa
tudo novamente e vai indo...
Dois dias depois da operação, o Zé deu os primeiros
passinhos sem as muletas, até filmei. Os olhos dele ficaram marejados de
lágrimas. Talvez estivesse pensando que nunca mais andaria. Lembrei-me daquele
vídeo sobre um bebê, com cerca de quatro meses , que não escutava. Colocaram um
aparelho auditivo nos seus ouvidos e foi emocionante a expressão do bebê quando
ele ouviu a mãe conversando com ele. Ficou quietinho, prestando atenção, com
uma carinha maravilhada e incrédula, piscando os olhos. Depois deu um
sorrisinho torto.
Enfim, a vida é bonita, mesmo com suas dores. E cheia
de emoções, como o primeiro som que um bebê ouve ou os primeiros passos de um
bebê e de um velhinho gotoso entrevado que recuperou a liberdade.
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É, Ana Maria, deve ser dureza ser gotoso. Eu me lembro que minha saudosa mãe, Dª Geralda, também sofria com essa doença, mas a dela era no ombro esquerdo, afetando o antebraço e braço. Meus votos de recuperação ao Zé!
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