Richard Gere e Jennifer Lopez dançando |
Dizem que inveja é pecado. Assim,
sou pecadora, pois tenho inveja de alguns casais que dançam na pista do Praia
Clube, no sábado à noite. Meu sonho é dançar como eles, junto com o Zé, meu
marido.
Ficamos
observando os casais, até criarmos coragem de ir dançar também. A idade média
da turma deve ser em torno de sessenta e cinco anos. Os homens de cabeça
branca, as mulheres de cabelos tingidos. Cada casal dança como pode, cada um do
seu jeito, mas todos bem animados. Também tem mulher dançando com mulher ou dançando sozinha, como uma de vestido verde
longo e cabelos brancos, que rodopiou pelo salão a noite toda. Alguns apenas no ritmo dois pra lá, dois prá
cá. Outros dançando torto, fora do prumo. Mas têm os casais que dançam de dar
inveja. Por exemplo, o senhor magrinho, baixo, careca no topo da cabeça branca,
dançando separado com uma mulher mais alta que ele, volumosa, de quadris bem
largos que bamboleiam ao som da música "te carreguei no colo, menina, cantei pra
te dormir...". Mãozinhas pra lá e pra cá, ele rápido e lépido pelo salão,
com a flexibilidade e a leveza do grande
bailarino russo Rudolf Nureyev. Ela o acompanha com uma ginga perfeita,
harmoniosa, com passos curtos e giratórios. Não resisti a tanta maestria e
quando pude, perguntei onde fizeram aulas de dança (pra eu fazer com o Zé, quem
sabe; a esperança é a última que morre). Não fizeram, ela foi ensinando-o ao
longo da vida, é dom mesmo.
Outro
casal que se destaca é o formado por um homem bem miudinho, de uns 60 anos. Ela
é mais jovem, magrinha, loira, de cabelos presos em um rabo bem lisinho. Dançam
em círculos em volta do salão, com passos largos e leves, flutuando, sem
trombar em ninguém. Não olham e nem falam um com o outro, concentram-se na
música e na dança (devem percorrer uns 30 km por noite em volta da pista). Ah,
e tem um casal mais jovem, encantador. Ela é bailarina e professora, com corpo
escultural. Dança o tempo todo olhando para o seu par, com um olhar provocante.
Ele dança maravilhosamente bem , como ela. No intervalo, ao som de música
eletrônica, somente os dois na pista, dançaram um tango digno das noites de
Buenos Aires. Com charme, beleza e sexualidade, um show à parte.
Na
sequência, o conjunto tocou "encosta tua cabecinha no meu ombro e chora".
Os casais apaixonados, de terceira idade, dançaram olhando nos olhos um do
outro e sussurrando a música ao ouvido do companheiro: "quem chora no meu
ombro eu juro que não vai embora..". Se quem canta, seus males espanta, melhor
ainda é cantar e dançar.
Sonho
que, algum dia, eu e o Zé também dançaremos de fazer inveja . Ele não precisará
ter a perfeição técnica, a elasticidade e os pulos do Mikhail Baryshnikov, o
mais perfeito bailarino que já existiu. Eu também não pretendo dançar como a
russa Anna Pavlova, na peça "O lago
dos cisnes". Mas quem sabe o Zé será como o Richard Gere, no filme "Dança
comigo". Um belo dia comprará um terno preto, uma gravata borboleta, uma camisa
branca e um par de sapatos pretos luzidios, de bico fino. Aparecerá com uma flor vermelha na mão, me convidando
para dançar. E sairemos rodopiando pelo salão, eu com um vestido vaporoso como
o da Susan Sarandon, me sentindo uma Jennifer Lopez.
Sonhar
é bom. O difícil mesmo será convencer o Zé a trocar a botina pelo sapato preto luzidio, de
bico fino. O resto é fácil. Qualquer coisa, danço com ele de botina mesmo.