Moisés com vinte dias |
Esse Moisés não é o profeta da Bíblia, que nasceu no Egito, foi
colocado em um cestinho no rio Nilo e adotado pela filha do Faraó. Esse Moisés é
o meu neto número 11 que nasceu em novembro, em Serra Grande , perto
de Ilhéus, o terceiro rebento da minha filha.
Ele veio ao
mundo de parto natural (natural demais), assistido apenas por uma parteira de
origem indígena e pelo meu genro. A filha, que não tem medo das dores, depois
de dez horas de contrações e nenhuma anestesia, deu a luz de cócoras e realizou
o sonho de ter um bebê quase sozinha. Aliás, parece que na Bahia isso é muito
normal. O motorista de táxi, que me conduziu até a praia de Algodões, contou-me
que já nasceram duas crianças dentro do seu táxi, no caminho entre Itacaré e
Ilhéus. Ele fez o parto tão direitinho que a família o chamou para padrinho.
Também a Elizabeth , mãe do meu genro
e que tem nome de rainha, teve onze filhos, sozinha e Deus.
Mas, voltando
ao Moisés, parecia que tudo estava bem. Ele era forte, chorou ao nascer, era
moreninho e a cara do pai. Apenas não tinha tanta vontade de mamar e no
primeiro dia de vida já estava um pouco amarelinho. No segundo dia, assim que o
conheci, a filha e eu o levamos a uma pediatra em um hospital em Ilhéus. A médica o diagnosticou
com icterícia do recém nascido que ocorre antes das 24h de vida, por
incompatibilidade do sistema ABO (mãe tipo sanguíneo O e Moisés tipo B) e
indicou imediata internação hospitalar. Feito o exame de sangue, verificou-se
que a taxa de bilirrubina dele estava em 27 mg/100ml (o normal seria em torno
de 1 a 5).
Muito perigoso, pois a bilirrubina pode se impregnar no cérebro, causando
surdez, paralisia cerebral, retardo mental e mesmo a morte. E não é possível
saber a que momento do processo isso vai acontecer. Ele estava no limite para
fazer a exsanguineotransfusão, ou seja, trocar todo o sangue, um procedimento arriscado
(se tivesse nascido em hospital, poderia ter sido socorrido mais cedo). Em
Ilhéus, não havia como, teríamos que ir às pressas para algum hospital em Salvador. Tentou-se
então a fototerapia intensiva, mas com aparelhos precários, mesmo sendo o
melhor hospital de Ilhéus. Assim, a Ilhéus que vivenciei não foi aquela do Jorge
Amado, da Gabriela que tinha o cheiro do cravo e a cor de canela. Passamos lá,
a filha e eu, muita aflição, muita dor e muita angústia. Depois de quatro dias
de fototerapia, o bebê teve alta com bilirrubina ainda de 20 (ou seja, não
poderia ter saído do hospital). Enfrentamos uma estrada de chão horrível (o
Moisés com seis dias e a mãe cheia de pontos, dirigindo) e fomos pra casa.
Ficamos um dia apenas. Depois de contatos com outros médicos, levamos o Moisés
para Salvador, mais sete horas de viagem, a mãe dirigindo. Mais angústia, sofrimento,
internação hospitalar (a bilirrubina estava a 21,7) e fototerapia intensiva, porém
desta vez com aparelhos apropriados. No terceiro dia, o Moisés teve alta, mas
continuou amarelinho por um bom tempo.
Hoje, com
dois meses, olhos espertos cor de jabuticaba e dobrinhas pra todo lado, ele sorri
um sorriso lindo que a tudo ilumina (seu nome significa “aquele que dá a luz”).
Sei que não realizará grandes feitos como seu xará, o da Bíblia, o Moisés que liderou
o povo judeu para fugir da escravidão, abriu uma passagem no Mar Vermelho e
recebeu os 10 mandamentos. Mas, mesmo tão pequenino, o meu Moisés já venceu uma
grande batalha. Que Deus o ilumine sempre e o proteja.