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quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Saudades do papagaio


Lendo as notícias no jornal, deparei com um título interessante: “ave toma antidepressivo após a morte do dono”. Era o caso de um papagaio da Inglaterra, o Glum Fred, que foi criado pelo dono desde filhote. O dono morreu há nove meses, a ave não superou o trauma e está sendo tratada com antidepressivos duas vezes ao dia. Passou a arrancar as penas do pescoço e a balançar a cabeça incessantemente, de saudades. Segundo especialistas, o papagaio entrou em depressão porque não conseguiu entender como o dono simplesmente desapareceu. Coitadinho do papagaio, não dá para entender mesmo!
Lembrei-me então do meu finado papagaio, o Cravo, e bateu uma saudade intensa. Também o criei desde filhote, com papinha de fubá. Ensinei-o a falar, cantar e dançar. Era uma graça, digno de participar dos shows do Faustão. Vivia em um puleiro aberto, no quintal, e sempre saía andando pela casa, com os pezinhos virados para dentro, bamboleando o rabo, livre, solto e feliz. Gostava de subir no meu sofá novo, de vime, e bicava os pauzinhos, deixando buracos enormes. Adorava andar no varal cheio de roupas e cortava todos os botões das camisas (certa vez, encontrei 32 botões no chão). Gritava “Paulinho, Paulinho” (um dos meus filhos), umas cem vezes ao dia. Às vezes, dava voos razantes, mesmo com uma asa um pouco cortada e se empoleirava na árvore da vizinha. Ficava lá, de penas arrepiadas, cantando “o cravo brigou com a rosa” e, com tanta cantoria, logo era encontrado. Bicava de tirar sangue nos desavisados, que chegavam com o dedo em riste, falando manso “dá o pé, meu cravo” (prá mim, ele sempre dava o pé). O Cravo era endiabrado, mas era meu companheirinho. Eu cantava “purutaco, tataco” e ele completava, faceiro, com o bico aberto, mostrando a lingua preta: “a mulher do macaco”.
Acontece que um dia, a paz acabou. Outro filho, que estudava medicina, andava com os nervos à flor da pele por causa do Cravo. Sempre que ia tirar sua sagrada e gostosa soneca, o Cravo atormentava, gritando sem parar. E um dia, em suas andanças pelo varal, o Cravo fez um cocô bem verde e escorregadio, no seu jaleco branco-imaculado. A mancha ia do ombro para baixo, nas costas, afinando, até chegar na cintura. O filho, apressado, não viu o cocô, vestiu o jaleco e foi para o plantão na Medicina. Alguém, educadamente e com muito jeito, avisou a ele que havia uma mancha verde bem estranha no jaleco. Ele voltou uma fera e avisou que ia torcer o pescoço do Cravo, degolar o papagaio e jogar o cadáver do meu queridinho bem em cima da minha cama. Antes que a tragédia acontecesse, tratei de arrumar um cantinho para o papagaio. Levei-o para a chácara de uma amiga, onde havia um cercado grande, com árvore, cachoeira e música ambiente. Lá vivia um papagaio estressado, que arrancava as penas do peito. E surpresa das surpresas, segundo a minha amiga, o Cravo na verdade era fêmea, e passou a se chamar Rosa (ainda não me conformei com isto). Passava o tempo de pezinhos dados com o papagaio estressado, fazendo cafuné na cabeça dele. Um belo dia, o Cravo (ou a Rosa, sei lá), caiu duro da árvore, mortinho, talvez de ataque cardíaco. Mas feliz e bem cuidadinho.
Enfim, como diz a poesia, “há de ficar comigo uma saudade tua, hás de levar contigo uma saudade minha”.

3 comentários:

  1. Muito bom tia, lembro bem do Cravo, so nao sabia que era Rosa! Andre

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  2. Otima a historia do Cravo. Tambem tinha me esquecido que na verdade ele/a era a Rosa. E havia me esquecido principalmente da morte subita!!

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  3. Lembro bem,tambem ajudei a cuidar dele..cravinho da o pé !!!!

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