Todos nós procuramos encontrar a paz. O
descanso da alma cansada, o respiro depois da tempestade, o abraço que acalma,
o caminho de volta pra dentro de si mesmo. A tranquilidade, o equilíbrio, a
harmonia. Essa paz suplicada em orações, como a de São Francisco: “Senhor,
fazei-me instrumento de vossa paz”. Ou como naquela oração quando reconhecemos
que a paz é Deus em nós: “...e Tu, que és a paz, dá-nos esperança em cada
momento, Senhor!”
Assim,
alguns procuram a paz em retiros espirituais, nas montanhas, na contemplação da
natureza, na oração em um quarto silencioso, na meditação, nas igrejas e
templos. Outros tiram férias dos filhos barulhentos. Uns arrumam as tralhas e partem para uma
pescaria. E os mais diretos simplesmente gritam: “Pelo amor de Deus, me deixa
em paz!”
Mas interessantes são aqueles que
acreditam que a paz está nos campos. No vento batendo nas folhas, no canto dos
passarinhos, na sombra das árvores, no verde por todo lado, nas estrelas
brilhando na noite escura, no silêncio das matas. Tem tudo isso sim, mas a paz
no campo vem com um pacote completo de bichos diversos.
Como aconteceu recentemente comigo e com
a filha Thaís, que mora nos States e ansiava por conhecer a minha fazendinha no
norte de Minas e ter uns dias de paz. Acontece que foi um susto atrás do outro.
Primeiro: assim que chegamos à casa da sede, ela foi ao banheiro. Deu um grito
estridente. Havia uma perereca verde e branca luzidia dentro do vaso, prontinha
para grudar suas patas com discos adesivos nas “partes íntimas” de algum
desavisado que ali se sentasse. Eu, como já estou especialista em pegar sapos e
pererecas com um pano de chão, apanhei-a e joguei-a na grama (ainda peguei mais
umas seis). Segundo: estava a Thaís concentrada, á noite, trabalhando no
laptop. Outro grito: passou um morcego em voo rasante rente à sua cabeça (ela
nem se maravilhou com a perfeição do voo e com a aerodinâmica das asas do
morcego, o único mamífero que voa). Na
sequência, um besouro escaravelho bem grande, dentre os vários que estavam na
sala, veio com seu voo desajeitado, usando as asas membranosas e os élitros
duros, e bateu de frente nos óculos dela. Outro susto. Terceiro: no dia
seguinte, fomos no curral ver o gado. A Thaís logo notou um bezerro com sangue
escorrendo pelo pescoço. O encarregado da fazenda explicou que foi um morcego
que o mordeu à noite. Ela, impressionada, pois não sabia que existiam morcegos
hematófagos por ali, dormiu á noite com o quarto bem fechado. Acordou de
madrugada, sentindo umas mordidinhas pelo corpo. Acendeu a luz e viu que estava
compartilhando a cama com quatro besouros grandes. Pegou os quatro, abriu a
porta e jogou-os no corredor. Mas assim que abriu a porta, entrou algum ser
voador. Ficou aterrorizada, poderia ser um morcego-vampiro que iria grudar em
seu pescoço, fazer um pequeno corte e ficar lambendo seu sangue, se dormisse.
Resolveu procurar pelo quarto e encontrou uma mariposa enorme atrás do armário.
Menos mal. Deixou-a lá, a mariposa
estava quieta, pousada com as grandes asas abertas (borboletas pousam de asas
fechadas). E quando pensou: -“Agora eu durmo!”, começou , às quatro da manhã, a
ouvir um canto alto, exasperante, uma sequência repetitiva de ‘ah-ah-ah-ah-ah”,
parecendo uma gargalhada. Um pássaro
cantando direto, sem nem tomar fôlego. Era o Acauã, um tipo de gavião pequeno,
um dos falconídeos mais comuns no Brasil. É bonito mas irritante, e dizem que é
uma ave de mau agouro. Canta feio a qualquer hora do dia ou da noite. Lá se foi
o sono reconfortante. Quarto: durante o dia, também adeus soneca. Além do
Acauã, existia o canto das cigarras. Impressionante a altura do som, pode
atingir até 120 decibéis, o que é classificado como um som ensurdecedor. São os
machos que cantam para atrair as fêmeas, é um canto de amor. Como eles vivem
apenas uns 30 dias como adultos, cantam o mais alto possível e o máximo de
tempo que conseguem. E adeus silêncio. Pior: sempre que a sinfonia começava, a
Duda, minha cachorrinha Yorkshire, latia freneticamente. Como a audição dos cães
é melhor e mais aguçada que a dos homens,
ela estava enlouquecendo. Quinto: num final de tarde, estávamos na varanda de
uma vizinha; escureceu e apareceram centenas de aleluias atraídas pela lâmpada que
foi acesa. E com elas, no mesmo instante, surgiram quatro sapos enormes e corpulentos,
com patas traseiras curtas e robustas, pele seca e rugosa característica dos
sapos. Moviam-se com pequenos pulos para
capturar, com suas línguas longas e pegajosas, as aleluias do chão, bem aos pés
da Thaís. Outro susto. Sexto: estávamos caminhando tranquilas na estradinha no
meio do pasto, quando a Thaís , sem mais nem menos, perguntou : _”Aqui não tem
onça, não é? “ E eu: “O pior é que tem!” Contei das pegadas de onça em volta da
lagoa e do funcionário que viu uma dormindo e correu como louco. Acabou o
encanto da caminhada. Sétimo: a Thaís estava
nadando no rio Jequitai, que contorna a fazenda. Um rio bonito, raso e límpido.
Só que a moradora da fazenda avisou, quando ela estava bem no meio do rio, que
não entrava na água porque aparecia jiboia.
Corajosa, a Thaís não saiu, mas ficou vigilante caso aparecesse uma
jiboia para enrolar em seu corpo e quebrar os seus ossos. Felizmente, não
apareceu.
Bem, estes foram apenas alguns bichos que
povoaram os nossos três dias de paz no campo. Sem falar naqueles que sempre insistem
em ir embora conosco, como carrapatos e bichos de pé...
Enfim, pra encontrar paz no campo é
preciso saber conviver com a bicharada e ter o coração preparado. Para
aprendermos, no meio de tantos sustos, que o sossego está, não na ausência de
barulho, mas sim na aceitação da natureza como ela é. Para entendermos que a vida é bela,
diversificada e pulsa de todas as formas: canta, voa, pula, rasteja, corre. E
que a paz encontra-se dentro de nós quando estamos com Deus.


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