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quarta-feira, 12 de novembro de 2025

A paz no campo

                                                                   A perereca no vaso sanitário
                                                                          O rio Jequitaí                               

                                                           

Todos nós procuramos encontrar a paz. O descanso da alma cansada, o respiro depois da tempestade, o abraço que acalma, o caminho de volta pra dentro de si mesmo. A tranquilidade, o equilíbrio, a harmonia. Essa paz suplicada em orações, como a de São Francisco: “Senhor, fazei-me instrumento de vossa paz”. Ou como naquela oração quando reconhecemos que a paz é Deus em nós: “...e Tu, que és a paz, dá-nos esperança em cada momento, Senhor!”

 Assim, alguns procuram a paz em retiros espirituais, nas montanhas, na contemplação da natureza, na oração em um quarto silencioso, na meditação, nas igrejas e templos. Outros tiram férias dos filhos barulhentos.  Uns arrumam as tralhas e partem para uma pescaria. E os mais diretos simplesmente gritam: “Pelo amor de Deus, me deixa em paz!” 

Mas interessantes são aqueles que acreditam que a paz está nos campos. No vento batendo nas folhas, no canto dos passarinhos, na sombra das árvores, no verde por todo lado, nas estrelas brilhando na noite escura, no silêncio das matas. Tem tudo isso sim, mas a paz no campo vem com um pacote completo de bichos diversos.

Como aconteceu recentemente comigo e com a filha Thaís, que mora nos States e ansiava por conhecer a minha fazendinha no norte de Minas e ter uns dias de paz. Acontece que foi um susto atrás do outro. Primeiro: assim que chegamos à casa da sede, ela foi ao banheiro. Deu um grito estridente. Havia uma perereca verde e branca luzidia dentro do vaso, prontinha para grudar suas patas com discos adesivos nas “partes íntimas” de algum desavisado que ali se sentasse. Eu, como já estou especialista em pegar sapos e pererecas com um pano de chão, apanhei-a e joguei-a na grama (ainda peguei mais umas seis). Segundo: estava a Thaís concentrada, á noite, trabalhando no laptop. Outro grito: passou um morcego em voo rasante rente à sua cabeça (ela nem se maravilhou com a perfeição do voo e com a aerodinâmica das asas do morcego, o único mamífero que voa).  Na sequência, um besouro escaravelho bem grande, dentre os vários que estavam na sala, veio com seu voo desajeitado, usando as asas membranosas e os élitros duros, e bateu de frente nos óculos dela. Outro susto. Terceiro: no dia seguinte, fomos no curral ver o gado. A Thaís logo notou um bezerro com sangue escorrendo pelo pescoço. O encarregado da fazenda explicou que foi um morcego que o mordeu à noite. Ela, impressionada, pois não sabia que existiam morcegos hematófagos por ali, dormiu á noite com o quarto bem fechado. Acordou de madrugada, sentindo umas mordidinhas pelo corpo. Acendeu a luz e viu que estava compartilhando a cama com quatro besouros grandes. Pegou os quatro, abriu a porta e jogou-os no corredor. Mas assim que abriu a porta, entrou algum ser voador. Ficou aterrorizada, poderia ser um morcego-vampiro que iria grudar em seu pescoço, fazer um pequeno corte e ficar lambendo seu sangue, se dormisse. Resolveu procurar pelo quarto e encontrou uma mariposa enorme atrás do armário. Menos mal. Deixou-a  lá, a mariposa estava quieta, pousada com as grandes asas abertas (borboletas pousam de asas fechadas). E quando pensou: -“Agora eu durmo!”, começou , às quatro da manhã, a ouvir um canto alto, exasperante, uma sequência repetitiva de ‘ah-ah-ah-ah-ah”, parecendo uma gargalhada.  Um pássaro cantando direto, sem nem tomar fôlego. Era o Acauã, um tipo de gavião pequeno, um dos falconídeos mais comuns no Brasil. É bonito mas irritante, e dizem que é uma ave de mau agouro. Canta feio a qualquer hora do dia ou da noite. Lá se foi o sono reconfortante. Quarto: durante o dia, também adeus soneca. Além do Acauã, existia o canto das cigarras. Impressionante a altura do som, pode atingir até 120 decibéis, o que é classificado como um som ensurdecedor. São os machos que cantam para atrair as fêmeas, é um canto de amor. Como eles vivem apenas uns 30 dias como adultos, cantam o mais alto possível e o máximo de tempo que conseguem. E adeus silêncio. Pior: sempre que a sinfonia começava, a Duda, minha cachorrinha Yorkshire, latia freneticamente. Como a audição dos cães é melhor e mais aguçada   que a dos homens, ela estava enlouquecendo. Quinto: num final de tarde, estávamos na varanda de uma vizinha; escureceu e apareceram centenas de aleluias atraídas pela lâmpada que foi acesa. E com elas, no mesmo instante, surgiram quatro sapos enormes e corpulentos, com patas traseiras curtas e robustas, pele seca e rugosa característica dos sapos.  Moviam-se com pequenos pulos para capturar, com suas línguas longas e pegajosas, as aleluias do chão, bem aos pés da Thaís. Outro susto. Sexto: estávamos caminhando tranquilas na estradinha no meio do pasto, quando a Thaís , sem mais nem menos, perguntou : _”Aqui não tem onça, não é? “ E eu: “O pior é que tem!” Contei das pegadas de onça em volta da lagoa e do funcionário que viu uma dormindo e correu como louco. Acabou o encanto da caminhada.  Sétimo: a Thaís estava nadando no rio Jequitai, que contorna a fazenda. Um rio bonito, raso e límpido. Só que a moradora da fazenda avisou, quando ela estava bem no meio do rio, que não entrava na água porque aparecia jiboia.  Corajosa, a Thaís não saiu, mas ficou vigilante caso aparecesse uma jiboia para enrolar em seu corpo e quebrar os seus ossos. Felizmente, não apareceu.

Bem, estes foram apenas alguns bichos que povoaram os nossos três dias de paz no campo. Sem falar naqueles que sempre insistem em ir embora conosco, como carrapatos e bichos de pé...  

Enfim, pra encontrar paz no campo é preciso saber conviver com a bicharada e ter o coração preparado. Para aprendermos, no meio de tantos sustos, que o sossego está, não na ausência de barulho, mas sim na aceitação da natureza como ela é.  Para entendermos que a vida é bela, diversificada e pulsa de todas as formas: canta, voa, pula, rasteja, corre. E que a paz encontra-se dentro de nós quando estamos com Deus. 

 

 


 

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