Tudo começou
em 1985, quando a muda de Sibipiruna- Caesalpinia
pluviosa - foi plantada na calçada
em frente ao meu sobrado recém construído, na Rua Johen Carneiro, no bairro Lidice
de Uberlândia. Para ter o habite-se da nova moradia, era obrigatório, por parte
da Prefeitura, esse plantio de árvore na calçada (ainda é). Ela foi crescendo
dentro de um cercadinho que a protegia dos vândalos. Na frente e ao lado dela,
havia mais quatro lindas e frondosas Sibipirunas, que formavam um lindo tapete
de flores amarelas no asfalto preto. Ao longo do tempo, todas foram cortadas. É
assim mesmo, o homem diz amar as flores, mas arranca; diz amar as árvores, mas
corta. E cortar dói... É triste ver a beleza que perdemos a cada dia. Solitária,
a minha Sibipiruna foi crescendo forte e saudável. A copa ficou frondosa e
arredondada. Quando florescia, entre agosto e outubro, os cachos em forma de espigas, com florzinhas amarelo
ouro, contrastavam com o verde escuro das folhas. Lindo de se ver. Depois,
surgiam os frutos em forma de vagem, verdes no começo e escuros no final. As
folhinhas miúdas caiam, a árvore ficava com os galhos quase nus e começava tudo
de novo: folhas nascendo, flores se abrindo, frutos surgindo, sementes caindo.
Penso que todos deveriam plantar árvores para ver de quantas vidas é feita uma
árvore. Ou para deixar ao menos uma árvore
como herança para o mundo. Rubem Alves escreveu: " Amo aqueles que plantam
árvores mesmo sabendo que nunca se sentarão em sua sombra. Plantam árvores para
dar sombra e frutos para aqueles que ainda não nasceram".
Também
plantar árvore para que filhos e netos possam brincar e descansar na sua
sombra...Para abraçar seu tronco e conversar com ela... Para entender que uma
árvore não é "apenas" uma árvore, é todo um ecossistema... Só para
dar alguns exemplos, nos seu tronco e galhos podemos encontrar centenas de
outros seres vivos: aranhas, opiliões, pseudoescorpiões, formigas
de todos tipo, cupins, larvas de besouros, cogumelos e outros fungos, líquens,
trepadeiras, orquídeas, samambaias. Ninhos de pássaros, de abelhas, de cupins,
de formigas; casulos e borboletas nascendo. Abelhas, vespas, besouros e moscas
nas flores. Lagartixas correndo ligeiras. Micos comendo frutos. Ah, e tem os
pássaros cantando! Sabiá, bem-te-vi, pardais. Pombinhas arrulhando. Ouvi-los cantar faz bem à alma e ao coração.
Na minha Sibipiruna, sempre havia uma sinfonia às seis da manhã e às seis da
tarde... Era bom dormir de janela aberta olhando a copa da árvore e acordar com
o canto dos passarinhos. Era bom também saber que a árvore estava lá, na frente
da casa, enraizada. Árvores são assim: ficam onde nascem, são felizes onde
estão. Uma presença constante, aquela amiga de todas as horas. Quando chegava
em casa, às vezes não tinha ninguém...Mas a Sibipiruna lá estava, majestosa,
silenciosa, companheira e cheia de vida.
Os anos
foram passando. A Sibipiruna teve os galhos cortados várias vezes porque encostavam nos fios elétricos e
escureciam a rua. As raízes levantavam o passeio e muitas foram retiradas e o
passeio consertado. A tudo ela resistia e continuava com suas flores amarelo
ouro, enfeitando o quarteirão. Fez 37 anos em 2022, mas esta espécie pode viver
mais de 100. Há quase seis anos, mudei-me para um apartamento e ela continuou
na calçada, dando sombra e beleza para o inquilino que mora no local.
Mas no dia
11 de agosto ela morreu. Foi cortada, restou apenas o vestígio do tronco largo
cortado rente ao chão. Simplesmente apareceram, bem cedo, quatro caminhões da
prefeitura, com vários homens, guindaste e motosserra. Cortaram a árvore rapidamente, sem dó nem piedade. Não me deram nem a oportunidade
da dor da despedida. Sequer fui avisada e o inquilino também não. Jogaram os
galhos imensos nos caminhões e foram embora. Descobri depois que houve uma
denúncia, peritos foram ao local e condenaram a árvore porque ela estava com
cupins e oferecia perigo de queda. Ainda falaram que eu deveria ter cuidado
dela, pois há dois anos foi emitido pelo Horto Municipal um laudo informando
sobre a infestação de cupins. Nunca recebi tal laudo. E quando me mudei da casa,
não havia sinais externos dos mesmos.
Os cupins se alimentam de celulose, são
silenciosos e discretos, pode levar anos
até serem detectados numa árvore. Talvez o destino da árvore culminasse mesmo
com o corte. Mas não é assim que se faz. O laudo é da Defesa Civil da PMU. Que "defesa"
é essa? Total desrespeito ao cidadão...Por outro lado, devem existir dezenas de
árvores com cupins pelas ruas e nem por isso são cortadas, felizmente. Também não
podemos culpar os cupins, pois o homem é igual a eles: vai corroendo o planeta
com cortes e podas drásticas desnecessárias de árvores, desmatamentos, poluição
de rios e mares, queimadas, aquecimento global e muito mais. E de repente, na
calada da noite ou da manhã, tudo vai terminar...Como disse Kalil Gibran:
" Árvores são poemas que a Terra escreve para o céu. Nós as derrubamos e
as transformamos em papel para registrar todo o nosso vazio".
Enfim, só me resta agora plantar outra árvore.
Aliás, duas: uma vizinha já consentiu em plantar na calçada dela também. Mas,
novamente citando Rubem Alves: "Antes que qualquer árvore seja plantada ou
que qualquer lago seja construído, é preciso que as árvores e os lagos tenham
nascido dentro da alma. Quem não tem jardim por dentro , não planta jardins por
fora e nem passeia por eles."