Cookie com os espinhos |
Sede da fazenda |
Como já
escrevi, estou tentando organizar e manter uma fazendinha, a Ouro Verde, nas proximidades
de Pirapora. O verde é sua riqueza: possui belas árvores do cerrado e vegetação
conservada na beira do rio. Quero deixá-la de herança para as três netinhas,
para a posteridade. Talvez fazer uma casinha para brincarmos, na majestosa
árvore de tamboril ao lado da casa. Fazer trilhas ecológicas com as crianças
das pequenas cidades próximas. Formar um centro de estudos do cerrado para
alunos de Biologia. Organizar um retiro para velhinhos que gostam de pescar e
que poderiam ajudar nas trilhas ecológicas. Mas a primeira coisa a levar, nesse
último caso, seria um desfibrilador...De qualquer forma, sonhar é preciso. E
não basta ter apenas um sonho, é preciso ter vários.
Acontece
que, entre o sonho e a realidade, existe uma grande diferença. Por exemplo, as
dificuldades já começam com a viagem para chegar até lá. Geralmente, vou de
carona com o filho que tem uma fazenda por perto. Na última, em fevereiro, fomos os três
filhos, eu, a minha cachorrinha e a perdigueira Dama, no carro Kia Mohave ( que
tem costume de estragar no caminho e voltar de guincho). A viagem deveria ser
de 5h. Durou 7h e dormimos em um hotelzinho na beira da estrada, para continuar
mais 2h no dia seguinte. A ponte estava interditada nas proximidades de Patos
de Minas e tivemos que entrar no desvio, uma estradinha de terra. Barro, chuva,
escuridão e carros voltando. As pessoas avisavam que só caminhão grande passava
na lagoa onde o rio transbordou. Chegando lá, observamos os caminhões imensos e
carregados atravessando , as rodas afundando. O filho disse que dava para "ir
no vácuo" de um caminhão. Eu não queria ir. Mas, como ficar por lá, sozinha
em cima do barranco, na chuva, perdida na noite escura? Fomos. O carro
conseguiu sair do outro lado da lagoa, mas passou a fazer um barulho esquisito,
de lataria solta. Na volta, saímos às 5h da manhã. Logo depois, na primeira
curva da estradinha de terra da fazenda, o pneu do carro caiu em uma cratera
feita pela enxurrada. Mas não quebrou e
lá fomos. Pegamos o desvio novamente e , de súbito, o carro travou. Não andava.
Estávamos perto de Serra do Salitre e não tinha sinal de celular. A solução
foi pegar carona para a cidade e chamar
um guincho. Os três filhos foram pra estrada pedir carona, mas ninguém parou. Peguei
minha cachorrinha no colo ( ela charmosa, com lacinho) e fiz o sinal característico.
O primeiro carro parou e entrei com um filho. Era um senhor simpático com a
filha, que fazia medicina em Divinópolis. Ficaram felizes em nos ajudar e nós,
mais ainda. Deixaram-nos no centro da cidade, agradecemos e o filho desceu do carro, puxando com força a mala
vermelha que estava perto de sua perna, presa entre o assento da frente e o
banco de trás. Saiu empurrando-a pela calçada rapidamente, atrás de um táxi velho que tinha virado a
esquina. A moça, a estudante de medicina, olhava boquiaberta. Eu também, pois
não sabia que ele tinha uma mala vermelha. A moça, constrangida, conseguiu falar
que a mala era dela! Ele desculpou-se, sem jeito, explicando que ia chamar o
táxi e automaticamente já pegou a mala. Foi um quase roubo. Depois, ele ligou
para o motorista do guincho, explicando onde o carro estava e descrevendo a cor
do Kia como dourada. Eu disse que o Kia era prateado, que o motorista não iria
encontrar um Kia dourado. Daí ele explicou-me que fazia confusão com as cores,
pois era daltônico. O pior é que ele é daltônico mesmo e, sinceramente, não sei
como ele enxerga a cor do carro...Enfim, nós dois viemos 4h de taxi, com o
motorista ouvindo jogo de futebol a toda altura, e chegamos no final da festa de
70 anos do sogro do meu filho. Os outros dois , a cachorrinha e a Dama vieram
em cima do caminhão guincho e chegaram à noitinha em Uberlândia.
Bom, se
fosse só a viagem, tudo bem. Mas lá na Ouro Verde acontece cada uma... Isso,
sem considerar que tudo que precisa ter em uma fazenda, lá ainda não tem. E o
que tem, estraga diariamente. E mesmo tendo só uma vaca, um bezerro, um
cachorro e um cavalo, tem muita emoção. Por exemplo, o Cookie, o cachorro
perdigueiro, literalmente enfiou o nariz onde não era chamado. Atacou um porco
espinho. Ficou de dar pena. O caseiro teve que levá-lo às pressas para o
veterinário, que tirou mais de duzentos espinhos da boca, focinho e lingua. Não
morreu, mas ficou tristinho, tristinho. Agora,
tem uma onça pintada imensa andando por lá, deixando pegadas pra todo lado.
Atacou o bezerro de um vizinho e comeu só a metade, deixou a presa ainda viva.
Comeu um veado pertinho da minha casa, o crânio ficou no meio do mato (decerto
a próxima vítima serei eu). Andou em volta da casa do vizinho, que mora sozinho
e ficou apavorado. O ajudante do meu caseiro, que estava fazendo cerca, foi
tirar uns galhos e viu a onça deitada. Correu como louco e ficou branquinho.
Ah, e o Canarinho, coitado! Aquele cavalo que vivia fugindo. Está por lá, mas não
dorme mais, tem que deixar as luzes das varandas acesas à noite e ele só fica
perto da casa.
Já avisei ao
caseiro que não pode matar a onça, o espaço é dela, nós é que somos os
invasores. Mas com certeza agora ele vai embora e o Canarinho deverá arranjar
outro plano mirabolante de fuga.