Canarinho Holdini
Antes,
preciso apresentar os personagens. O Príncipe é um bezerro nelorado, de dois
meses, branco com mancha marrom na testa, filho da Daisy. Quando ele nasceu,
foi um espanto geral, ninguém esperava. Já o Canarinho é um cavalo amarelo (como
o próprio nome indica), baixinho, manso, sem raça e de pernas grossas. Sua
especialidade é passar debaixo das cercas e fugir. E o Holdini é um húngaro que migrou para os
Estados Unidos e lá desenvolveu sua carreira, sendo considerado o maior mágico
e ilusionista de todos os tempos (faleceu em 1926). Escapava de qualquer tipo
de algema e fazia truques e acrobacias impressionantes, amarrado com correntes
debaixo d´agua, do gelo, dependurado em guindastes. Revolucionou o mundo da
mágica.
A história
dos três se entrelaça porque parece que existe alguma mágica no nascimento do
Príncipe e nos sumiços do Canarinho. A Daisy, mãe do Príncipe, é a vaca da
minha neta Lia e a única vaca da minha fazendinha. Quando ela lá chegou, sumiu.
A neta foi avisada e ficou triste. Passado alguns dias, apareceu, irmanada com
as vacas do vizinho. Depois, pensou-se que ela estava prenhe e a neta ficou
esperando o bezerrinho. Passado alguns meses e depois de uma análise minuciosa,
concluiu-se que não havia bezerro algum. A neta ficou triste novamente. Passado
poucos dias do veredicto da não prenhez, desceu uma barrigona na Daisy e, uns
três dias depois, nasceu um lindo bezerrinho. Com tudo isso acontecendo, a neta
concluiu que o nome dele deveria ser Holdini, pois a vaca sumia e aparecia. E o
bezerro, que nem existia mais, de repente nasceu. Argumentei que o pessoal da
fazenda não se acostumaria com este nome e, como ela estava na dúvida entre
Holdini e Príncipe, combinamos Príncipe Holdini. O nome ficou grandioso.
Quanto
ao Canarinho, também o único cavalo da fazendinha, tudo começou quando concluí
que precisava de uma carroça e logicamente, de um cavalo para puxá-la. Daí
surgiu um senhor com um cavalo numa carretinha. Ele tinha telefonado antes e
fez uma propaganda incrível do cavalo: mansinho, forte, novo, com todos os
dentes, ótimo para puxar carroça e campear gado, bom para crianças montarem,
bem cuidado, etc. (só não contou que o cavalo era mestre em fugas, um
escapologista como o Holdini). Pareceu-me o melhor cavalo do mundo e combinamos
do senhor levá-lo para eu vê-lo. Quando eu o vi, mesmo não entendendo nada de
cavalo, achei-o um pangaré e fiquei decepcionada, só gostei da cor. O senhor abriu a boca do cavalo, mostrou os seus dentes e exaltou tanto as
suas qualidades que fiquei sem jeito e acabei comprando. Ficou faltando só a
carroça. Mas, poucos dias depois, o Canarinho desapareceu. Procura daqui,
procura dali, dias depois apareceu longe, num pasto verdinho, comendo capim
humidícola em terras alheias. Ele deveria ter passado debaixo de uma seis
cercas, segundo relato do funcionário da fazenda, para chegar onde estava. Só
mágica mesmo, nem sabia que cavalo passa debaixo de cerca. Fiquei feliz demais
quando apareceu. No entanto, a alegria durou pouco, pois o Canarinho desapareceu
novamente. Ele estava com uma canga no pescoço (uma forquilha de madeira para
evitar passar na cerca) e fugiu mesmo assim. Sem cavalo, sem carroça, sem meios
de transportar e plantar as mudas de capim tangola, sem pasto...Fazenda é
assim, uma roda viva, até tudo dar errado...Bem, lamúrias à parte, uns vinte
dias depois da fuga, o Canarinho foi avistado atravessando o asfalto, rápido e
lampeiro! O vizinho o laçou e o devolveu . Chegou marcado com ferro em brasa com a letra "O", ainda cicatrizando no couro,
coitadinho. Qual seria o nome do larápio? Orlando? Otávio? Ovídio? Alguém o
"adotou", o marcou e ele
fugiu! Talvez estivesse até amarrado com correntes...Se cavalo falasse, decerto
ele teria uma boa história para contar.
Agora
ele se chama Canarinho Holdini e por enquanto está por lá, até que invente
outras mágicas e acrobacias para desaparecer novamente.