Luiz Cláudio puxando o cavalo com a Maíra, Vitória e Breno |
Zé na varanda olhando o gado e a chuva chegando |
Fazenda lembra leite e queijo
fresquinhos, gado no curral, cheiro de mato, canto de passarinhos, jabuticaba no pé, comida no fogão de lenha,
céu estrelado. Natureza, paz e amor. Mas não é bem assim.
Por exemplo, só a viagem para chegar até a fazenda pode se transformar
em uma epopeia. Como da última vez que fui com o Zé (meu marido) dois filhos,
dois netos, três cachorras e uma
tranqueira. Começou com o planejamento:
quem vai, no carro de quem, quantos cabem, sai e volta qual dia, quanto de
bagagem (item que inclui desde pneu de
trator até veneno de rato). Os filhos médicos só poderiam sair a tarde e o Zé não concordou.
Nunca transitaria á noite nos buracos enormes, tipo cratera, que existem na BR
365 nas proximidades de Pirapora, perigoso
demais. Fomos e o Zé ficou, justo quem mais precisava ir. Iria à noite,
de ônibus, pois assim passaria pelos buracos de manhã. Levamos a bagagem dele,
só ficou um saquinho com os seus remédios pra ele levar. Fomos bem, no carro
Kia de sete lugares, com a cachorras perdigueiras Dama e a Fiona quietinhas
dentro da gaiola, a Duda latindo esporadicamente e o Breno, de dois anos,
puxando o cabelo e dando uns beliscões na Maíra, de oito. Chegamos às 22 h na fazenda
Água Verde, onde dormimos para continuar a viagem para a fazenda Olhos Dágua no
dia seguinte. Arrumei as camas, ajeitei a casa, as crianças e as bagagens. Os
dois filhos saíram de madrugada, em outro carro, para uma fazenda onde eles têm
um reflorestamento de eucaliptos, dormiriam por lá. Fiquei sozinha com os netos e com a
incumbência de buscar o Zé na rodovia às seis horas, quando o ônibus passaria
na porteira da fazenda. Acordei os netos
e peguei a estradinha de terra. Esperamos um bom tempo e ele não chegou. Daí
consegui receber uma mensagem do filho (lá não tem sinal de celular), avisando
que não precisava esperar porque o ônibus havia batido! Felizmente complementou
que o Zé estava bem. E só, mais nada. O
Zé chegou às 11h, de carona, nem sei como. Desceu do carro abatido e mancando.
Perguntei: "Nossa, Zé, você machucou? " E ele: "Não, é a
gota". Puxa vida, foi a primeira vez em 30 anos que ele foi de ônibus, o
ônibus desta linha nunca tinha batido, bateu em outro numa reta com asfalto bom
e a gota ainda atacou o joelho dele! Muito azar, e tudo porque se negou a ir de
carro conosco. Ainda por cima, levou o saquinho de remédios errado, trocou
tudo.
Continuando
a saga, fiz almoço com o que tinha e fiquei por ali com os netos para o Zé
dormir e descansar antes de seguirmos para pegar a balsa, atravessar o São
Francisco e chegar ao destino final. Coloquei o Breno e a Maíra em cima de um
trator velho. O Breno esbarrou o braço em uma caixa de marimbondos atrás do
banco e foi um ataque em massa. Ele despencou, aos gritos, lá de cima. Eu fui
muito ágil e consegui aparar a queda. Mas só no bracinho ele levou 27
ferroadas. Eu levei várias também. A Maíra correu como nunca e levou só uma,
mas gritou como se fossem 50 (um perigo, se o Breno fosse alérgico, teria
morrido). Coloquei-o debaixo do chuveiro e dei novalgina, fazer o que . Com o
berreiro, o Zé nem dormiu. Resolvemos seguir viagem e pegar a balsa das 15h. Colocamos as tranqueiras no carro novamente e
lá fomos, com o Breno apaixonado e choroso,
mostrando com o dedinho o local das ferroadas, coitadinho. Tivemos
que parar em uma cidadezinha pro Zé comprar os remédios, demorou muito e quase
perdemos a balsa. Durante a travessia, quando estávamos quase na outra margem,
olhei para o horizonte e vi uma tempestade escura chegando. Tão rápida quanto
pude, coloquei os netos dentro do carro e a cachorrinha. Mas a chuva foi mais
rápida e como era uma chuva de pedras, levei umas boas pedradas antes de conseguir
entrar no carro.
Depois,
pegamos uma estradinha de terra, com o Zé todo feliz por estar chovendo na
fazenda. Quando chegamos, nem deu tempo de pensar: "até que enfim!",
pois a casa estava toda inundada, tinha goteira pra todo lado, descia água
pelas paredes. A casa da sede é agradável e bonita, a Globo até filmou lá o
curta metragem "Dia de Reis". Mas neste dia estava um caos.
Tudo
isso foi apenas para chegar. Teve muito mais. Por exemplo, a Dama tem medo de
boi e vaca. Encontrou alguns pelo pasto e saiu em disparada, desapareceu. Foi
uma tristeza geral e muita busca, até que um dia, como mágica, ela apareceu na
varanda, esfomeada. E a Fiona parece que pegou alguma virose por lá e morreu 15
dias depois que voltamos. Quando estava doente, nem tinha ânimo de sair atrás
dos ninhos de galinha de Angola que existem no condomínio onde meu filho mora.
Pois a Dama encontrou um ninho, pegou um ovo com a boca e levou para a Fiona.
Foi o último ovo que ela comeu. Coisas de cortar o coração.
Bem,
agora é tomar fôlego para a próxima viagem à fazenda. Sossego, só em sonhos.