Os netos ouvindo histórias
Assisti um ótimo filme chamado "Grandes Olhos", um
drama real sobre a pintora Margaret Keane, que fazia pinturas incríveis e únicas
de meninas com olhos muito grandes e
tristes. O filme mostra o despertar da artista e a sua luta contra o marido, na
maior fraude da história da arte, pois ele se dizia autor das obras da esposa e
o mundo todo acreditou.
Nem sei porque,
associei o filme com olhos assustados e espantados que presenciei em cenas que
aconteceram na nossa viagem de final de ano. Fomos, num grupo de oito pessoas,
visitar a filha que mora na praia de Algodões, BA. Lugar lindo, mas difícil de
chegar, com estrada de terra esburacada. Como o trajeto final foi o mais
difícil e na escuridão da noite, com o
motorista um pouco perdido e com medo de assalto, o grupo já chegou de olhos
assustados. Na hora de dormir, o Zé, meu marido, precisava de uma tomada para
ligar o aparelho que usa para respirar melhor. Encontrada a tomada, a cama não
dava certo com o cortinado usado para evitar a multidão de pernilongos.
Emendou-se duas camas e ele se esparramou. No dia seguinte, estava com os olhos
espantados: as camas se separaram, ele caiu no chão e ficou enrolado no
cortinado e nos fios do aparelho. Primeiro tombo. Na noite seguinte, fomos
comer pizza feita no forno de lenha, na pizzaria simples ao lado da casa da
filha: mesas e bancos rústicos debaixo de árvores, chão de areia, velas, redes,
um carinhoso cão labrador. Num mesmo banco grande, cinco pessoas sentadas. Sem nenhum aviso prévio, o banco velho e
carcomido pelo tempo foi vergando devagarzinho, quebrou e todos caímos com olhos espantados. Rimos muito, menos o
netinho que estava no meu colo e caiu em prantos. Segundo tombo do Zé. Noutro
dia, quando íamos pelo caminhozinho que
chega até a praia, chegamos a uma ribanceira de areia alta. Falei para o Zé que
ele não conseguiria descer por ali, que iria cair e eu não conseguiria segurá-lo.
Teimoso, disse que era fácil. Escorregou de ponta cabeça, dobrando o joelho
operado há pouco tempo. Olhos assustados novamente. Terceiro tombo. Na
sequência dos acontecimentos, a bomba que retira água do poço para mandar para
a casa, estragou. Assim, passamos a tomar banho de canequinha, esquentando água
no fogão, mas o Zé se recusou. Preferiu
usar o chuveiro do quintal do vizinho. Mas, certa noite, depois de limpinho,
com uma lanterna que não iluminava muito bem, trombou num formigueiro numa
árvore. Formiga entrou pelos "zóio, zoréia e zovido". Não foi tombo,
mas foi pior. Olhos assustados outra vez. Penso que ele não volta na Bahia tão
cedo...
Outras cenas
que causaram espanto aconteceram na ceia de Natal. Moro no terceiro andar e
resolvi fazer a ceia de Natal no décimo terceiro andar, no salão de festas. Fiquei
presa no elevador duas vezes, uma delas com o Papai Noel. Um amigo vestiu a
roupa calorenta do bom velhinho no meu apartamento. Colocou a barba, a peruca,
o bigode, a touca, um travesseiro na barriga, encheu o saco com os presentes e
tomamos o elevador. Ele emperrou entre o sexto e o sétimo andar. O Papai Noel
suava em bicas. Falei pra ele tirar a roupa, mas não quis. Com os olhos
assustados, ficamos presos uns bons minutos. Depois, foi a vez de uma moça que me
auxiliava. Ela subia e descia o elevador sem parar (eu também). Levamos o filé
ao molho madeira, ele acabou e ela não chegava com o chester com farofa e
abacaxi, uma delícia. Claro, estava presa no elevador. Depois de meia hora,
chegou com olhos assustados carregando a bandeja. Sem contar que levou uma
mordida (não machucou) da minha cachorrinha york que estava com filhotinhos.
Penso que ela não volta mais a me ajudar e que terei que trocar de Papai
Noel...
Penso também
que muitos não acreditarão em tantas confusões. No caso da pintora, o mundo
todo acreditou no marido mentiroso e ela precisou ir a um tribunal para provar
que os quadros eram seus. No meu caso, tudo o que contei é a mais pura expressão
da verdade.
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