O túmulo em Campos Altos
Li
em algum local que quando a gente pensa que já sabe todas as respostas, a vida
muda todas as perguntas. Acrescento que quando a gente pensa que já passou por todas as surpresas que a vida
poderia nos reservar, pode surgir outra. Passei por isso dia destes.
Tudo
começou porque o Consulado Geral de Portugal modificou, em julho, o Regimento
de Nacionalidade, tornando mais fácil a obtenção da nacionalidade
portuguesa para netos e bisnetos de
portugueses. Como obter o passaporte europeu é um sonho para o meu irmão Lúcio e
um dos meus filhos, eles começaram a desenterrar todos os documentos
necessários. A certidão de nascimento do meu avô Antônio, que nasceu na região
de Trás dos Montes, em Portugal, eles já haviam encontrado depois de um
verdadeiro trabalho de detetive que durou dois anos. Faltava a certidão de
nascimento do meu pai, que nasceu em Canta Galo, no Rio, e a minha, que nasci em Campos Altos, Minas.
Encarregaram um sobrinho( apelidado carinhosamente de Canini e traduzido pelo
Lúcio pra Cão Nini) de procurar a certidão na minha cidade natal. Passado uns
dias, recebi um telefonema do Lúcio. Alarmado, contou que eu era filha só da
Minelvira, mãe solteira, não era filha do Dr. Luiz, primeiro médico de Campos
Altos! Levei um susto na hora, mas eu tinha certeza que tinha pai sim e que
sempre usei minha identidade e certidão de casamento com o nome dele. O Lúcio
contestou, afirmando que no livrão do cartório tinha só o nome Ana Maria, sem
sobrenome. Enviou a foto da certidão de inteiro teor, manuscrita, sem o sobrenome Souza Coelho mesmo. Afirmou que todos os meus descendentes tinham
se lascado, porque eu não era neta de português coisa nenhuma. E como sempre
fui muito avoada e distraída, não devia ter percebido isso. E quando me casei,
certamente passei as informações apenas verbalmente. Mandou mensagens imensas,
contando que o Cão Nini estava se esforçando muito, mas não encontrou nada; que
o pai dele, o Afrânio, também teve problemas com o sobrenome, pois era Lemos
Coelho e queria que fosse Souza Coelho, para ser como os príncipes de Portugal.
Assim, quando adulto, mudou o sobrenome.
Só que na busca, descobriram que meu avô se chamava apenas Antônio de
Souza e que o Coelho era do padrinho dele, um costume em Portugal. Ou seja,
nunca existiu príncipe nenhum. Contou que também ele, Lúcio, queria trocar o
sobrenome Teixeira Coelho, colocado em homenagem à nossa mãe, mas ela chorava
tanto que ele desistiu. Acrescentou que eu e meu outro irmão escrevemos um
livro a quatro mãos contando que ele tinha sido encontrado no cocho do quintal
onde os cavalos comiam sal. E que agora as pedras voltaram, pois Deus castiga e
eu não tinha nem sobrenome (nessa parte, ele colocou "risos, risos" e
eu também ri, ri muito).
Depois
de todo este terrorismo, fui procurar uma certidão de nascimento antiga que eu
sabia que possuia. Encontrei-a junto com vários documentos amarelados pelo
tempo. Estava correta, com sobrenome e número de registro, folha e livro do
cartório. Encontrei até uma cartinha que escrevi pra minha mãe em 11 de maio de
1957, convidando-a para a festa do dia das mães (como disse o Lúcio, retirei do
túmulo dos faraós...). Descobri também um documento original assinado pelo governador Benedito Valadares nomeando
meu pai para primeiro prefeito de Campos Altos, uma relíquia.
Continuando
a saga, resolvi ir a Campos Altos ver o que tinha acontecido no cartório e
visitar o túmulo do meu pai. A averbação na minha certidão, acrescentando meu
sobrenome, estava lá, feita 12 anos depois do meu nascimento, pelo meu próprio
pai. Rezei para ele no cemitério e o agradeci. Fui à prefeitura doar o
documento do Benedito Valadares e lá estava a foto dele, na galeria dos
ex-prefeitos, de longe o mais bonito de todos.
Agora,
é providenciar o passaporte português e, quem sabe, passar uns tempos em
Portugal para voltar às raízes. E talvez encontrar algum Souza Coelho por lá,
que com certeza não será nenhum príncipe.
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