Dra Mayana Zatz, bióloga molecular, geneticista, pesquisadora, professora da USP, coordenadora do projeto Genoma Humano
No
dia 8 de março, como era de se esperar, surgiram na mídia vários textos,
reportagens, poesias e homenagens para as mulheres. Gostei sobretudo de um
vídeo da policia militar. Começa com várias pessoas andando em uma avenida
larga e algumas tentando atravessar na faixa de pedestres. Dois policiais militares
se aproximam educadamente de uma mulher bonita, de uns quarenta anos, que
estava atravessando a rua. Pedem que apresente sua identidade, explicando que é
uma operação de rotina e a conduzem para a calçada. Ela parece surpresa e
enquanto procura a carteira em sua bolsa, ganha uma flor vermelha do policial.
Chega outro com uma flor amarela. Surgem
policiais de todos os lados, passam no meio dos transeuntes e entregam flores
pra ela, que fica com um buquê enorme e com lágrimas nos olhos, enxugando-as disfarçadamente. Aparece a banda da policia
militar, tocando no meio da rua e um policial com um vozeirão cantando
"dizem que a mulher é sexo frágil, mas que mentira absurda, eu que faço
parte da rotina de uma delas, sei que a força está com elas..." As pessoas
vão parando e se aglomerando e os policiais distribuem flores pra todas as
mulheres que estavam no local. Achei
linda esta homenagem.
Mas
também fiquei boquiaberta com o pronunciamento do Temer. Penso que ele até queria elogiar as
mulheres, mas só disse impropriedades e, pelo visto, pensa mesmo como falou. Ou
seja, pra ele a mulher é a rainha do lar
e acabou. Tipo bela, recatada e que fica em casa pra educar os filhos. Tipo
anos 1950 ou tipo mulher Amélia. Como escreveu José Simão, cronista da Folha,
só faltou o Temer dizer que a maior conquista da mulher foi a máquina de lavar.
O presidente até disse uma frase que parecia bem atual, sobre a importância da
mulher na economia, mas quando se pensou que ele iria abordar isso de uma forma
correta, disse que ela é importante porque faz compras no supermercado e
compara os preços. Meu Deus, ele não entende nada do papel da mulher na
sociedade, de suas conquistas, de suas lutas, de sua garra, de seu amor incondicional, de sua
versatilidade, de sua dignidade e humanidade, de sua capacidade de chorar ao
ganhar uma flor...Deixa pra lá, o Temer não vai mudar mesmo...
Por
coincidência, no Dia Internacional da Mulher, fui mesmo fazer compras no
supermercado. No açougue, uma atendente negra, alta, uniforme branco, lábios
carnudos com batom vermelho, cabelos presos com esmero, cortando com maestria
um pedaço de acém. Usava a faca enorme com habilidade, enquanto ia contando um
caso e descarregando sua raiva. Estava revoltada porque uma mulher foi comprar
carne e ela explicou que o acém cortado estava em promoção por R$12,00, mas se
fosse moído era o preço normal, R$17,00. A mulher queria moído por R$12,00. Ela
explicou direitinho, mas a mulher ficou possessa e a chamou de "VACA".
Daí ela "rodou a baiana" e foram as duas pra gerência. A mulher disse ao gerente que a funcionária
estava mentindo, mas o gerente conhecia o trabalho dela e a defendeu. Enfim,
foi um bafafá no supermercado. Ela contava o caso pra mim, rodava a faca, dizia
que saia cedo de casa, deixava os filhos, ficava o dia todo trabalhando na
câmara fria, não ia aguentar desaforo. Chamou até uma testemunha, uma freguesa
que sempre comprava lá, pra me confirmar como ela atendia bem. Dei todo apoio
pra ela, quase a abracei e levei dois quilos de acém picado .
Gostaria muito de ter, na hora, umas flores para
oferecer para ela.
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