As camisas de estimação do Zé, meu marido
A necessidade de classificar
objetos, animais e plantas, sempre fez
parte da natureza humana. Assim, além da classificação científica dos seres
vivos, existem inúmeras outras que variam de acordo com cada classificador,
dependendo do contexto em que são criadas. Quando era professora de zoologia,
gostava particularmente de uma que aparece em certa enciclopédia chinesa. Os
animais foram classificados em: 1) pertencentes ao imperador 2) embalsamados 3)
domesticados 4) leitões 5) sereias 6) fabulosos 7) cães em liberdade 8)
incluídos na presente classificação 9) que se agitam como loucos 10)
inumeráveis 11) desenhados com pincel muito fino de pelo de camelo 12) etc 13) que
acabam de quebrar a bilha 14) que de longe parecem mosca. Acho-a genial; penso que foi o imperador quem a fez e
agrupou no primeiro item a maioria dos animais. Os que não sabia, colocava no
"etc" ou no "inumerável".
Agora, estou passando por um
momento histórico e necessito classificar milhares de objetos, por motivo de
mudança de casa para apartamento. Deveria ser uma coisa simples, mas é mais
difícil do que escalar o monte Everest. Como o imperador, estou classificando
os objetos em: 1)Levar para o apartamento 2)Reformar e levar 3) Doar para o
"cata treco" da prefeitura 4) Doar para reciclagem 4) Doar para as
escolas 5) Doar para algum museu ou brechó 6) Doar escondido do Zé, meu marido
7) O que faço com isso 8) Fotografar e colocar
em site para vender 9) Abandonar na casa 10) Deixar na calçada pra alguém catar
11) Levar pra fazenda 12) Usar a criatividade e transformar em presente 13)
Colocar no carro e sair perguntando quem quer.
Dando alguns exemplos : dia
destes, conforme item "colocar no carro", enchi o mesmo de
eletrônicos e sai perguntando nas lojas de conserto se queriam aproveitar as peças. Ninguém queria, mas apareceu
um senhor que estava montando uma escolinha e levou tudo. Em "doar para as
escolas", levei duas caixas de papelão imensas, com livros de ensino médio
para uma escola estadual. No item "reformar e transportar", está um
catre de 200 anos, que foi da minha bisavó, vou fazer pátina nele. Em
"transformar em presente", descobri as cartas do meu filho, escritas
há 22 anos, quando ele estava em Londres. Interessantíssimas e detalhadas.
Organizei em um fichário e dei de presente pra ele, nunca receberá outro igual.
No item "doar pra algum museu", está o meu bonecão de louça que
ganhei do meu pai, quando o de papelão
derreteu. Em "o que faço com isso", está a caixinha com os dentinhos
de leite dos seis filhos e o meu vestido de noiva, feito de crochê rococó,
pontinho por pontinho. E a Tânia, uma boneca única, que teve seus grandes olhos
azuis arrancados pelo filho em briga com a irmã (foram recolocados). Em "doar
escondido do Zé", estão as camisas do time querido dele, o XV de Novembro,
extinto há séculos.
Existem ainda milhares de
objetos para dar um destino a eles. Não sei porque guardamos e temos tanta
tranqueira. Lembro-me que, quando minha filha fez o Caminho de Santiago, passou
40 dias caminhando e carregando uma pequena mochila com poucos pertences. Uma
das lições que aprendeu na peregrinação foi que precisamos de muito pouco para
viver. Além de tudo, o marido e o filho estão fazendo um complô para
não nos mudarmos.Qualquer coisa, altero minha lista para "Classificação
de objetos e pessoas", tiro fotos deles e coloco no site de vendas.
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