Benício na praia de Arraial da Ajuda-BA |
Esta
crônica é a continuidade da saga do João, aquele amigo que perdeu o voo na
viagem para o Havaí. Perdeu e de uma forma complicada, pois existem meios
simples de se perder um voo. Por exemplo, como aconteceu com uma conhecida, que
voltava sozinha de Porto Alegre. Na escala em São Paulo, estava tão cansada que
dormiu no saguão de espera. Quando acordou, o avião já tinha partido (imaginem
o susto e o desespero).
Voltando
ao João, ele não foi para o Japão, como desejava. Fomos, numa turma grande,
para Arraial da Ajuda, na Bahia. Certo dia, por volta das 19h, o João foi protagonista
de uma cena inédita. No salão superior do hotel, o João pajeava o Benício, meu
netinho de um ano e meio, carinhosamente chamado de "Ligeirinho". O
pai estava esbaforido de correr atrás e o João se ofereceu para ajudar. Ficou apoiando
o Benício, que subia e descia sem parar a escada de madeira que unia os dois
andares. Estava eu concentrada, jogando xadrez com um filho, quando ouvi um
baque ensurdecedor atrás da minha cadeira, um grito de adulto e um berro de
criança. Olhei assustada e vi o João estirado na horizontal, de barriga para
baixo, na beira da escada. Debaixo dele, amassadinho, estava o Benício, só com
as perninhas de fora. A turma toda foi acudir. Puxei o Benício e levei um bom
tempo para acalmá-lo. Outros levantaram o João, que ficou um pouco tonto e sem
ar. Quando recuperou a fala, explicou que o Benício voltou de repente, correndo
em direção à escada. Como não ia conseguir segurá-lo, deu um mergulho para
frente, tentando ficar de comprido entre ele e a escada, para impedir que
caísse. Com isso, o Benício não caiu na escada, mas foi amassado.
Passado
o susto, todos cumprimentaram o João pelo ato heroico. Ele foi jogar sinuca e o
Benício ficou mais quietinho (coitado, não entendeu nada). No dia seguinte, a
Maria, esposa do João, contou, com os olhos azuis marejados de preocupação, que
o João passou a noite sentindo dores, parecia que tinha quebrado a mão. Foi
levado para o hospital e estava mesmo com três dedos quebrados. Voltou com a
mão enfaixada e uma tala no braço.
Minha norinha tirou fotos do João
com o Benício, para documentar no facebook. Olhando a cena, não pude deixar de
pensar no "Dom Casmurro", de Machado de Assis. O livro conta a
história de Bentinho, que se remoia em dúvidas sobre a fidelidade de Capitu,
sua esposa (aquela que tinha os olhos de ressaca, olhos de cigana oblíqua e
dissimulada). Um clássico da literatura que deixou para sempre o mistério da
paternidade de Ezequiel, o filho deles. Relacionando com a cena, ficará para sempre
a dúvida se o ato do João foi um ato de heroísmo ou de loucura. Eu, mesmo sendo
avó extremada, em sã consciência jamais daria um mergulho mortal daqueles.
Em Uberlândia,
como a mão não sarava, o João foi ao médico. Descobriu que estava com
osteoporose. Começou então a fazer tratamento, feliz por ter descoberto,
agradecendo por ter dado o mergulho mortal (penso que existem formas mais
normais de se descobrir osteoporose). O pior é que quando se formou o calo
ósseo e os dedos quebrados sararam, o João esqueceu-se, levantou as duas mãos
entrelaçadas para cima e "estalou" os dedos, como sempre gostava de
fazer. Os dedos quebraram novamente, mas o João continuou feliz. Não pude
deixar de pensar em outro clássico da literatura,"Pollyanna", de
Eleanor H. Porter. O livro conta a história de uma menina que sempre estava
feliz. Ela jogava o "jogo do contente", que é simplesmente uma visão
otimista, uma forma de encontrar algo bom em qualquer situação, de ver a vida
de maneira mais alegre.