A netinha Maíra
Uma simples ida à padaria pode representar uma
aventura e tanto, depende do cenário e dos protagonistas. Por exemplo, de minha
casa até à padaria, a distância é de um quarteirão e meio. Acompanhada pela netinha
de dois anos, Maíra, e pela Mel, minha cachorrinha yorkshire, o trajeto leva
cerca de meia hora e o pãozinho chega frio.
Isso
porque existem vários empecilhos no caminho. Ao lado de casa tem um lote vago com
calçada esburacada. Depois, uma casa grande abandonada, ocupando toda a
esquina, com passeio de pedra portuguesa. O mato cresce nessas calçadas, viçoso
e verdinho. Os formigueiros aproveitam e crescem também. A cachorrada da
vizinhança faz cocô, de todo tamanho, cor, cheiro e consistência (os donos fingem
que não vêm; o da Mel eu cato). Nesse cenário, a Maíra vai caminhando devagar, olha
os buracos e fala “dado” (cuidado). Depois, sobe nas moitas de capim e fica
pulando, deve pensar que é um tipo de cama elástica. Quando encontra um
formigueiro, fala “miga, miga” (formiga), agacha e fica observando. Quem sabe
vai ser bióloga, entomologista, e se dedicar a estudar o comportamento das
formigas. Mas penso que não, pois logo sobe no formigueiro, pula várias vezes
e, com instinto assassino, fala “matá, matá”. As formigas aproveitam, sobem
pelas perninhas dela e tenho que agir rápido, antes que injetem ácido fórmico
em sua tenra carninha e comece o berreiro. Na sequência, ela aponta com o dedinho
os cocôs na calçada, falando “totô, totô”. Por enquanto, não pisou e nem pulou em nenhum. A situação é
mais complicada quando ela vai à padaria empurrando o seu carrinho de bonecas
cheio de ursinhos. As rodinhas emperram nos buracos, o carrinho tomba, os
ursinhos caem e as lágrimas descem copiosas no rostinho angelical. Complica
também quando ela cisma de segurar a Mel na coleira. Certa vez, vários cães se
encontraram na esquina, as coleiras se enroscaram, laçaram as perninhas da
Maíra e ela caiu sentada, indignada e raivosa.
Mas, ao
lado de todas as confusões, há fatos interessantes. Um vizinho, cansado de
pisar em cocô de cachorro, pregou no portão da sua casa o cartaz: “O dono tem
na cabeça aquilo que seu cão faz na calçada”. A esposa comentou que “o dono”
poderia estar se referindo ao dono da casa. Ele retirou o cartaz do portão e
colocou no poste, está lá.
Felizmente, há pessoas
civilizadas que recolhem os dejetos do cão. O meu neto, Pedro, é um bom
exemplo. Sempre que saia para passear com o Roque, um cachorro perdigueiro que
o arrastava pelas calçadas, levava saquinhos de plástico e catava tudo. Um dia,
voltou apressado, com o rosto vermelho e suado, deixou o Roque no apartamento e
saiu novamente. A mãe perguntou onde ia e ele respondeu: “faltou um saquinho”.
Não posso deixar de comparar
as calçadas daqui com as de Sacramento, Califórnia, onde minha filha mora. São
todas padronizadas, com rampas de acesso em toda extensão. Lisinhas e
limpinhas. Lá, o meu netinho Enzo sobe na sua genial bicicletinha de madeira,
sem pedal, e vai empurrando velozmente com as perninhas, sem perigo de cair.
Também não posso deixar de
pensar nos cadeirantes. Em um artigo na Folha, Andrea Matarazzo chama atenção
para o fato de que em São
Paulo existem mais de 1,5 milhão de pessoas com deficiência.
Afirma que elas não são encontradas nas ruas, certamente pela impossibilidade
de circular nas calçadas. Muito triste.
Bem, de qualquer forma,
continuarei indo à padaria, não fico sem pãozinho.
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